Quando se vestia o melhor fato para ir ao cinema
Histórias do Cine-Teatro de Almeirim de há 65 anos
O cine-teatro de Almeirim foi inaugurado em 1940. A máquina de projectar era a carvão. Os espectadores tinham que tirar o chapéu quando começava o filme. São memórias recuperadas por um dos antigos gerentes na véspera da reabertura da sala que sofreu obras de remodelação.
Na década de quarenta do século passado, à entrada do recém-inaugurado Cine-teatro de Almeirim os espectadores recebiam um folheto cor de rosa com as indicações de como se deviam comportar. Era proibido fumar. Quando o filme começava ou quando se abria o pano para a peça de teatro os homens que usassem chapéu tinham que o tirar.O MIRANTE descobriu o folheto dentro de uma caixa onde um dos gerentes do cine-teatro guarda várias memórias da sala por onde passaram grandes nomes do teatro português. Ulisses Pina Ferreira geriu a sala de espectáculos entre 1944 e 1957. Depois disso continuou ligado ao espaço, fazendo a sua contabilidade. “Sempre que qualquer criança chore ou faça barulho que de qualquer forma perturbe a boa audição dos espectadores, deverão as pessoas que a acompanharem saírem com ela imediatamente para os foyer’s”, lê-se mais à frente. Outra das recomendações transporta-nos para um tempo em que ir ao teatro ou ao cinema era algo solene. Não era permitido “falar alto, assobiar ou saltar os bancos dentro da casa de espectáculos”. Os avisos feitos aos espectadores através do prospecto, lê-se no cabeçalho, eram uma imposição da Direcção Geral dos Espectáculos. “Nesse tempo as pessoas vestiam o melhor fato para irem assistir aos filmes. O primeiro a ser exibido, em 1940, ano em que foi inaugurado o edifício, já era um filme sonoro. Chamava-se “Serenata de Schubert”. Um filme de Lilian Harvey e Louis Jouvet”, conta Ulisses Pina FerreiraE o antigo gerente continua a desfiar memórias, “Nessa altura a máquina de exibição era a carvão. A combustão de dois palitos de carvão é que produzia a luminosidade necessária para projectar as imagens na tela”. A máquina viria a desaparecer uns anos mais tarde, depois ter sido substituída na década de 50 por uma que esteve ao serviço até o cine-teatro fechar há 12 anos. Em 1940 um bilhete para o balcão custava 5 escudos. Na plateia era mais barato. Entre 4 escudos (cerca de 2 cêntimos) e 1 escudo e 50 centavos. O cine-teatro tinha 599 lugares. Mas em muitos dias havia gente nos corredores e nas escadas, tal era a afluência. A maior parte da assistência era composta pelos fazendeiros, que faziam marcações permanentes. Tinham um lugar destinado e tinham que pagar o bilhete mesmo que faltassem. A par do cinema, a sala recebeu grandes espectáculos de teatro. Por alí passaram nomes como Maria Matos, Hermínia Silva, João Villaret... Uma hora antes do espectáculo começar, a sala era vistoriada pela polícia e pelos bombeiros. Abanavam as cadeiras. Se alguma oscilasse tinha que ser bem fixa antes do espectáculo. Senão não havia teatro ou cinema para ninguém. Na plateia havia vários bancos corridos em madeira. Era onde se sentavam os camponeses porque os bilhetes eram os mais baratos.O cine-teatro era também o local onde se arranjavam os namoros depois de trocas de olhares no jardim da república, situado em frente. Nos bancos sentavam-se os mais velhos à espera da abertura da sala. À volta andavam os rapazes e raparigas novas. Elas num sentido, eles noutro. Quando se cruzavam trocavam-se olhares, tocavam-se com o cotovelo. “Os porteiros e bilheteiros, iam reservando lugares no cine-teatro a pedido dos rapazes, para que estes pudessem ficar perto das meninas a quem deitavam o olho”, diz a sorrir Ulisses Pina Ferreira. Na década de 60 os fimes de cowboys eram a grande atracção. Nos dias em que eram exibidas as películas, às quintas-feiras e domingos, ninguém podia estar ao pé do Manuel “Ceguito”. Ele esbracejava, ralhava com actores, dava murros no ar como se estivesse dentro do filme. Após o o 25 de Abril o Cine-Teatro de Almeirim não escapou à onda filmes proibidos, exibidos em catadupa para recuperar o tempo em que a ditadura controlava o que o povo consumia. A seguir vieram os filmes pornográficos. Mais tarde, com a concorrência de salas mais modernas, o cinema de Almeirim ficou arredado das grandes estreias e dos filmes campeões de bilheteira. Foi a machadada final. Agora, depois de grandes obras de beneficiação o Cine-Teatro vai voltar a recuperar a glória e será a grande casa de espectáculos da cidade. Em memória do passado ficou a fachada do edifício desenhado pelo mesmo arquitecto do Teatro Rosa Damasceno em Santarém, Amilcar Pinto.
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