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O chefe de cozinha que não sabia estrelar um ovo

Fez jantares de gala e banquetes na Europa e EUA e foi cozinheiro de Júlio Iglésias

Mário Vieira tem uma história de vida repleta de acasos e de muita sorte. Foi por um acaso que se estreou na cozinha e por mera sorte que acabou como cozinheiro de pessoas famosas, como o cantor Júlio Iglésias. Depois de mexer em panelas nos quatro cantos do mundo, possui o seu próprio restaurante, no concelho de Tomar.

Confeccionou a primeira “refeição” aos 16 anos. A mãe, doente, pediu-lhe um ovo frito. O que comeu pouco se assemelhava a isso, confessa quase três décadas volvidas o filho, Mário Vieira, hoje chefe de cozinha do seu próprio restaurante, situado na aldeia de São Pedro, Tomar.“Homem do Norte”, como faz questão de vincar, Mário Vieira tem, aos 53 anos, uma história de vida de que poucos se podem gabar. Conviveu de perto com políticos, embaixadores, cônsules, cantores, enfim, a fina flor do jet set internacional. Foi pago por multimilionários para servir banquetes, jantares de gala ou refeições românticas, à luz da vela.Mas nada na sua vida de adolescente fazia prever que chegasse a chefe de cozinha. Casou com apenas 18 anos e como ele a mulher trabalhavam por turnos na Molaflex, em São João da Madeira, Mário teve necessidade de começar a fazer comida – “aquelas comidas caseiras que só as mães fazem bem”. Mais por obrigação do que por convicção.A primeira reviravolta na sua vida dá-se quando sai da tropa, no início da década de 70. Enamorou-se por uma jovem minhota, separou-se da mulher e deu o salto para Espanha, para a serra de Madrid, onde foi trabalhar como caseiro, encarregado de manutenção da propriedade de um milionário. A amiga ficou como cozinheira.Aos fins-de-semana apareciam os patrões, sempre com grandes grupos de amigos. E foi num desses fins-de-semana que o patrão o encarregou de fazer o almoço – “Disse-me que queria que eu fizesse uma paella valenciana para 16 convidados”, refere Mário Vieira.Estava há dois meses em Espanha e nem sequer sabia ainda a língua mas a exigência do patrão não lhe meteu medo. “Fui a Madrid comprar um livro de cozinha espanhola passo a passo e fiz a paella a olhar para o livro”, refere, adiantando que o resultado não podia ter sido melhor. “O meu patrão e os amigos ficaram encantados”, diz Mário ao mesmo tempo que encolhe os ombros e confessa: “Saiu bem, tive sorte”. Durante anos foi assim, até começar a considerar que ganhava mal para o que fazia. “Naquela altura o escudo valia mais que a peseta e eu queria mais”, refere.Quando viu um anúncio de jornal a pedir um casal de domésticos para trabalhar nos Estados Unidos, em Miami, não olhou para trás e decidiu candidatar-se. Entre muitos, ele e a amiga minhota foram os escolhidos e só souberam que iam trabalhar para casa do cantor Júlio Eglésias praticamente no dia do embarque. Em Indian Creek, uma ilha que contava apenas quatro inquilinos para além do cantor espanhol, o trabalho era muito mais formal que na quinta de Madrid, mas, mais uma vez, Mário Vieira não se intimidou. Talvez porque a governanta do seu anterior patrão, ex-mulher de um político brasileiro, lhe tivesse já ensinado alguma etiqueta para lidar com a alta sociedade.Os almoços eram simples, os jantares feitos sempre depois da meia-noite, quando o cantor acabava as gravações e trazia os técnicos para comer lá em casa. “Cheguei a cozinhar às quatro e cinco da manhã”. Carnes vermelhas grelhadas e marisco eram os pratos de eleição.Tudo corria bem até que o cantor iniciou uma tournée pelo Médio Oriente. “Disse-me que ficava fora três meses e que nesse período eu podia descansar e gozar a casa”. O problema é que não foi nada disso que aconteceu. E mal Júlio Iglésias virou costas estava já o irmão a entrar em casa do cantor de armas e bagagens. “Era uma pessoa irascível e eu não estive para lhe aparar os maus humores”, diz o cozinheiro. Um dia de manhã, fez as malas e arrancou. Sem se despedir do patrão.Voltou para Espanha, esteve ao serviço da neta do General Franco, de condes e marqueses. Rumou depois a França onde conheceu a sua actual mulher, nascida em Tomar. Regressou a Portugal, foi chefe de cozinha em dois restaurantes da cidade dos templários, abriu o seu próprio negócio no Algarve que só funcinava bem no Verão.No início dos anos 90 comprou uma casa em Vale dos Ovos (Tomar) para abrir um restaurante, mas desistiu quando lhe disseram que por ali ia passar o IC9, “que passados estes anos ainda não está feito”. Através de um anúncio de jornal soube do trespasse do restaurante em São Pedro, que nem sabia onde era, e decidiu investir. Abriu as portas do “Portas de São Pedro” em Abril de 1996.A paella com que se iniciou nas lides culinárias (não contando com o incidente do ovo estrelado pedido pela mãe) continua hoje a ser a sua especialidade. A crise levou-o a baixar o preço aos almoços – a refeição completa fica pelos seis euros – mantendo a mesma qualidade dos ingredientes que serve ao jantar, mais “puxado”.Tentou fazer comida internacional, mais elaborada, mas não deu resultado. “O que os clientes querem é comida tradicional portuguesa, com sabor caseiro”. Nunca se atrapalha, mesmo quando tem casa cheia e está sozinho na cozinha. “O segredo é já ter tudo pré-preparado, os ingredientes à mão e manter sempre a calma”.O espírito aventureiro com que sempre conduziu a sua vida continua bem vivo. No Inverno deixa o restaurante entregue à mulher e vai trabalhar como cozinheiro para França, Luxemburgo ou Inglaterra. Para onde o chamem. “Convites não têm faltado, graças a Deus”. Até hoje só se arrependeu de uma coisa – de nunca se ter despedido de Júlio Iglésias. “Era o mínimo que devia ter feito”.Margarida Cabeleira

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