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O mestre pasteleiro

Luís Alves começou há 35 anos a pesar ingredientes, bater ovos e limpar tabuleiros

Foi em Luanda que Luís Augusto Alves se iniciou na profissão de pasteleiro. Já lá vão 35 anos e não troca a sua arte por nenhuma outra. Pena é que os jovens de agora não a abracem, por causa dos horários trocados.

Tinha 14 anos quando decidiu deixar de estudar. O pai, que não o queria ver sem fazer nada, arranjou-lhe um emprego no Hotel Tropic, em Luanda. Foi para a cozinha, aprender a ser pasteleiro. Não fazia ideia do que o esperava. E começou do zero, a fazer o trabalho que os outros já dispensavam. “Mandavam-me pesar os ingredientes, partir ovos, despejar para as batedeiras”. No fim do serviço ainda tinha de raspar as massas dos tabuleiros, que depois lavava.Foi nesse hotel que fez amizade com um pasteleiro brasileiro. “Era um grande artista a fazer bolos e ensinou-me muito”. Foi ele o responsável por Luís Alves deixar a “parte chata” da profissão e começar a ser “artista”.“Com ele aprendi a enfeitar bolos, a fazer trabalhos artísticos”. Aprendeu por exemplo a transformar pedaços de massa em botões de rosas de todas as cores.Ainda hoje enfeitar bolos é o que mais gosta de fazer. Porque apela à criatividade. “Muitas vezes sou eu que faço os próprios desenhos, que depois recorto”, diz.Voltou para Portugal com 19 anos e já com alguma experiência adquirida. E foi novamente o pai, homem muito conhecido na linha de Cascais (moravam no Estoril antes de emigrarem para Angola e regressaram à vila com o 25 de Abril) que lhe arranjou emprego.“Conhecia o dono da pastelaria São Jorge, em Carcavelos, e foi para lá que fui trabalhar”, diz quem acha que esta é uma profissão onde é fácil arranjar emprego. “Desde que seja um bom profissional e tenha algumas referências as portas abrem-se sempre”.Foi saltando de pastelaria em pastelaria da linha de Cascais até que um dia, há cerca de 15 anos, um amigo lhe perguntou se não queria ir trabalhar para a capital do Ribatejo.Luís Alves não conhecia Santarém. A única vez que ali tinha estado foi no casamento de um familiar. “Mas vim de noite e fui de noite, portanto não vi nada”. Apesar disso aceitou o desafio e partiu para uma aventura ribatejana que dura até hoje.Naquela altura ingressou como pasteleiro na pastelaria Bijou, uma das mais das antigas e conhecidas na cidade. Tinha um trabalho de maior responsabilidade - amassava massas, fazia natas, enfeitava bolos.Esteve na pastelaria sete anos, dos quais quatro como chefe pasteleiro. Saiu para mais uma aventura – trabalhar por conta própria. A primeira experiência não correu lá muito bem. Alugou uma pastelaria em Marinhais mas só lá esteve dois meses – “Não me dava com o proprietário”, admite.Voltou a Santarém para alugar a Eureka, uma antiga fábrica de bolos, até ter tido conhecimento de que a pastelaria Santa Clara, instalada na rua 31 de Janeiro, estava para trespasse. Agarrou a oportunidade e abriu a pastelaria sob sua gerência a 1 de Abril de 2001. “Parece mentira mas é verdade”, diz a brincar, referindo-se ao facto do primeiro de Abril ser conhecido como dia das mentiras.A clientela que já tinha transferiu-se para a pastelaria Santa Clara. Hoje não se pode queixar do negócio já que os bolos e doces que ali faz continuam a ser os preferidos de muitas outras pastelarias (sem fabrico próprio) que fornece.Luís Alves diz ser um pasteleiro da velha guarda e quando se lhe pergunta o que quer isso dizer explica que há muitas diferenças. “Hoje os produtos já são quase todos pré-feitos. A massa dos croissants, por exemplo, já vem toda em pó, já traz todos os ingredientes. É só seguir as instruções do saco, juntar um litro de água, dois ou três ovos e pronto, está a massa feita”.Antigamente não era nada assim. “Nós é que fazíamos todo o processo e tínhamos as nossas receitas para os bolos. Algumas até eram segredo”. Ainda hoje o pasteleiro tem alguns bem guardados, como o do bolo-rei.Costuma dizer-se que não há horários para as profissões artísticas mas não é o caso dos pasteleiros, cujos horários são até bastante rígidos. Basta dizer que se começa a trabalhar de madrugada, por volta das duas, três da manhã, e se termina quando o sol já vai alto.No início, confessa Luís Alves, foi difícil dormir de dia e ter de estar bem acordado à noite. E houve até alturas em que um breve fechar de olhos bastou para queimar toda uma fornada. “Na altura do Natal chega-se a trabalhar dois e três dias sem ir à cama, tantas são as encomendas”, justifica o pasteleiro.É por estas e por outras que os jovens aprendizes de hoje acabam por desistir da profissão. “Nos dias de hoje é difícil um jovem sair à noite para trabalhar e não para se divertir”.Luís Alves nunca se arrependeu de ter enveredado por esta profissão. E ainda hoje recorda com orgulho alguns bolos que fez e que ficaram durante dias nas montras das pastelarias por onde passou. Como o coche antigo, puxado por cavalos, feito com massa de pão de ló e chocolate.Margarida Cabeleira

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