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“Sempre quis saber mais”

Danças e contradanças do riachense Joaquim Santana

Joaquim Lopes Santana, 71 anos de idade, dependenteA em último grau de Folclore e de Riachos, Torres Novas. Não há cura de desintoxicação que lhe valha nesta altura da vida. A terra onde nasceu e sempre viveu e o Rancho Folclórico Os Camponeses de Riachos, que fundou em 1958, estão-lhe de tal modo entranhados em todo o seu ser que o caso merece estudo mais aprofundado. Adora a esposa e os netos, não se cansa de exaltar os filhos e elogiar os amigos mas assim que o seu interlocutor se distrai, aí está ele de volta ao mesmo.

Como são as pessoas de Riachos?Não somos muito fáceis. Pensamos sempre que somos os melhores. Queremos ser sempre os melhores. Temos uma auto-estima muito acima da média nacional. Isso é bom.É bom sim senhor mas por vezes é uma complicação. Quando é preciso discutir alguma coisa é um problema. Temos todos grande espírito de liderança e de afirmação.O senhor queixa-se mas tem amigos, no Rancho Folclórico, por exemplo, com quem se entende às mil maravilha. O seu amigo Martinho Oliveira não está consigo desde o primeiro dia? É uma amizade que está quase a comemorar as bodas de ouro e ele não é riachense?O Martinho é uma pessoa fantástica. Temos feitios completamente diferentes mas nunca tivemos uma zanga séria. Mas o pessoal de Riachos é mesmo assim. Vamos ter com alguém e é um problema mas se conseguimos tocar as pessoas, explicar-lhes e convencê-las é uma maravilha. É uma coisa boa que também temos aqui em Riachos. Temos um poder de mobilização incrível. O senhor tem maus fígados? Todos temos um bocadinho. De vez em quando também disparo mas equilibro-me com facilidade. Tem liderado muitas pessoas. Fartou-se de “disparar” ao longo da vida?Cheguei a chefiar 65 trabalhadores no serviço de águas e saneamento da Câmara de Torres Novas, reformei-me há cinco anos, e sou responsável pelo rancho há quarenta e oito anos. Uma pessoa nesta posição não pode ser um democrata a cem por cento. Tem que ter autoridade. Tem que tomar decisões. Dar ordens. Mas tem que saber usar essa autoridade. Se calhar às vezes sou rijo demais. Eu penso sempre que tenho razão mas sou capaz de conversar. A autoridade é mostrar aos outros que sabemos o que fazemos. E é mostrar isso a quem chefiamos e aos nossos superiores. Só assim as pessoas confiam em nós.Os tempos mudaram muito desde que começou a trabalhar. Como reagem agora os subordinados? As pessoas estão mais despegadas do trabalho. Têm mais direitos e ainda querem ter mais que aqueles que lhes pertencem. Não assumem responsabilidades. Há trabalhadores excepcionais mas há outros que só lá andam para levar o dinheiro ao fim do mês. Criam conflitos permanentemente. Estragam o ambiente de trabalho.Começou a trabalhar cedo?Logo depois de ter concluído a escola primária. O meu pai era singeleiro. Tinha juntas de bois para prestar serviços no campo. Chegou a ter cinco. Nós éramos cinco irmãos. Três rapazes e duas raparigas. A mais velha já faleceu. Trabalhávamos todos no campo mas para o meu pai. Eu era o mais novo. Era o menino da casa. Comecei por fazer as tarefas mais leves. Que tarefas eram essas? O meu pai comprava muitos bois longe de Riachos. Nas feiras da Beira Baixa, em Marrazes (Leiria), em Cantanhede. Esses bois geralmente eram cabeceiros. Não trabalhavam com uma canga igual às nossas. E para os adaptar às nossas cangas era necessário um moço conduzi-los nos trabalhos do campo. Essa foi uma das minhas primeiras missões. Ir à frente dos bois para eles darem mais rendimento quando andavam a lavrar ou gradar. Os meus irmãos conduziam os bois e eu ajudava nessa tarefa. Fazia trabalhos na eira. Os trabalhos mais simples e leves. Depois já andava com uma junta de bois, com uma parelha de mulas. E mais tarde andar com o tractor, até ir para a câmara.Safou-se da agricultura.Ainda andei no campo até aos 30 anos. Sempre com o meu pai e os meus irmãos. Mas nos anos cinquenta houve uma grande crise e eu acabei por ir trabalhar para a câmara. Na altura o presidente era aqui de Riachos, o senhor Fernando Cunha. Foi logo para o serviço de águas? Comecei como leitor/cobrador de águas. Depois fui-me interessando, como geralmente me interesso pelas coisas em que me meto e apesar de só ter a 4ª classe cheguei a responsável pelos leitores/cobradores e após o 25 de Abril passei a ser responsável pelo sistema de águas e saneamento de todo o concelho, durante 25 anos.Eu na minha vida nunca quis ficar pelo que sabia. Sempre quis ir mais longe. Saber mais.Ia ver os gruposde trabalhadoresa dançarDe onde lhe vem o gosto pelo folclore? Influência familiar? Não havia grandes divertimentos. A minha mãe e as minhas irmãs cantavam em casa. O meu pai era dirigente da banda e dançava muito bem. Mas nenhum de nós tocava qualquer instrumento. Na altura vinham para Riachos e para toda esta zona aqueles grupos para apanhar azeitona. Esses trabalhadores ficavam numa casa que era do meu avô. Depois do trabalho, enquanto esperavam pela ceia havia sempre um que tocava e alguns pares dançavam. Lembro-me de ir até lá e ver o meu pai dar o seu pezinho de dança. Numa casa agrícola pequena como a nossa os trabalhadores não eram tratados como nas grandes quintas. Havia maior proximidade. Foi aí que teve os primeiros namoricos? Não. Nunca tive um namorico com raparigas de longe. Sempre aqui da terra ou de perto. Mas nunca fui muito namoradeiro.A sua esposa é de Riachos?Não. É de Lisboa, mas veio morar para Meia -Via. Chama-se Maria José. Na altura trabalhava com o meu pai e passava todos os dias à Meia-Via porque tínhamos um Casal arrendado ali perto. E foi daí que veio o conhecimento. Depois havia os bailes da Meia-Via. Ela é um pouco mais nova que eu. Casei com 29 anos. Fundou o Rancho com 22 anos. Havia lá raparigas. Nunca se enamorou de nenhuma? Tive sempre a preocupação de não misturar as coisas. Éramos todos muito jovens. Se acontecesse algum escândalo era o fim dos meus pais. Eles avisavam-me muito. Felizmente até hoje nunca aconteceu nada. Mas são inevitáveis namoricos e alguns até dão em casamentos.Assisti a muitos casamentos arranjados aqui. Nós chegamos a ter aqui sete ou oito casais e quase todos eles tinham começado a namorar no grupo. Mas escândalos nunca houve. A esposa nunca fez parte do grupo? NãoNão tinha ciúmes?Não sei…Não sabe!? Está casado há mais de 40 anos e não sabe…Não há mulher nenhuma que não seja ciumenta. Nenhuma. É natural que sofresse um bocado. Foi à tropa?Não. Fiquei livreAlguma doença? Falta de peso. Eu era muito magrinho e alto. Pesava 56 quilos quando fui à inspecção. Na altura não havia ainda a guerra do Ultramar. Senão tinha ido.

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