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A seca, os meninos e o cocó do “bóbi”

Crónica
A estreia esteve prometida para a edição de 2005 mas uma arreliadora lesão após a futebolada mensal impediu que me estreasse o ano passado na mini prova dos 20 quilómetros de Almeirim. Este ano, fisicamente a 100 por cento (mais ou menos), estava tudo em condições e lá fui eu correr a minha primeira prova de cinco quilómetros.Coloquei-me estrategicamente a meio do pelotão, numa zona onde a maioria das caras era feminina ou já denunciava cabelos brancos. Após duas “ameaças” destinadas a aproximar os atletas da linha de partida, lá fui em passo moderado ao lado da “patroa”, que fez questão de me acompanhar na prova.Nos primeiros metros confesso que até fiquei surpreendido com os aplausos dos espectadores, que também eram mais do que esperava. Os da frente só os voltaria a ver mais de meia hora depois mas isso não interessava nada. O importante era chegar ao fim.Por volta do quilómetro e meio fiz a primeira “paragem”. Depois de uns metros a passo, em que fui ultrapassado por um senhor com um carrinho de bebé, “regressei” à corrida, que se manteve até meio da prova, mais coisa menos coisa.Ai já a sede apertava mas nem sinais do abastecimento líquido. Comecei a arrepender-me de não ter trazido a garrafa de água de casa, mas aguentei mais uns metros. Mais desenrascada foi outra participante. Mesmo sem um cêntimo no bolso, foi a um café pedir uma garrafa de água. Enquanto sacava a rolha, prometia que voltava para pagar no fim da prova, facto que não pude comprovar.À passagem pela zona da praça de touros, ao quilómetro três, quando já me preparava para ir também a um dos cafés da rua de Coruche, qual visão no meio do deserto, apercebi-me de uma fonte e lá fui matar a sede.Um senhor de meia idade, que também se preparava para refrescar a garganta embora não andasse a correr, virou-se para mim com uma simpatia pouco comum e deixou-me passar à frente. “Beba você que vem a correr e tem prioridade”, disse com um sorriso. Agradeci, equilibrei os níveis freáticos e voltei à prova, agora já feita sempre em ritmo de caminhada.Um pouco mais à frente, um grupo de meia dúzia de meninos a rondar os 5 ou 6 anos, todos atletas do Hóquei Clube Os Tigres de Almeirim, que tinha trocado os patins pelas sapatilhas, ia “sprintando” entre eles, perante os aplausos do pessoal que estava na beira da estrada. Já a chegar à viragem junto ao intermarché, um deles virou-se para a mãe e pediu colo, mas não teve sorte e teve de aguentar mais uns metros.Já com quatro quilómetros percorridos, da água da organização só restavam garrafas vazias espalhadas pelo chão. Nem uma gota para quem vinha do meio da tabela para trás. Uma senhora idosa, sentada num banco de madeira a ver passar os atletas, tentava fazer o que podia. Mostrava a garrafa de litro e meio e o copo de plástico e dizia que se quiséssemos podíamos beber. Estive tentado a aceitar mas a incerteza da proveniência da água e de quantos e quem já teria bebido por aquele copo fez-me apenas agradecer e continuar a marcha.Com a meta a menos de um quilómetro, um dos dois canídeos que vi a participar na prova, teve de fazer uma paragem para umas necessidades. O animal estava aflito mas as donas vinham precavidas e tiraram o saquinho para que ninguém pisasse o que não devia.A chegar aos bombeiros, mais vestígios de uma zona de abastecimento, mas a garrafinha de água continuou a ser uma miragem e só foi dada após cortar a meta. E uma por atleta, como fez questão de gritar um dos senhores da organização a outro corredor que perguntava se podia levar mais uma garrafa.O cronómetro denunciava um pouco mais de três quartos de hora de prova mas o mais importante estava conseguido e a missão cumprida. A garrafa de água e os dois sumos que estavam no saco dado pela organização a quem terminava a prova desapareceram num abrir e fechar de olhos, e só sobrou a garrafinha de tinto, que também teve vida curta e não passou do jantar.Mesmo sem água, valeu a pena participar. Para o ano, se nada em contrário acontecer, volto a fazer os cinco quilómetros. Mas vou prevenido e levo a garrafa de casa. Ai levo, levo…Jorge Guedes

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