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Crime e… Castigo

Há algum tempo atrás a deputada Luísa Mesquita, eleita pelo círculo de Santarém, recusou (como foi, aliás, fartamente divulgado) ser substituída no Parlamento, criando assim um precedente, quase herético, no todo poderoso Partido Comunista e despoletando uma polémica (que transcendeu, aliás, os limites partidários), acerca da justeza, ou não, de tal decisão.Sabe-se que os candidatos a deputados pelo P.C. assinam previamente um compromisso em que se colocam nas mãos da direcção partidária, que pode decidir, ou não, da sua substituição no Parlamento, em tempos e razões que só a ela cabe decidir. É evidente que este mecanismo, que consagra a supremacia do colectivo partidário (ou, pelo menos, de quem o representa) sobre os diversificados direitos e opções individuais, constitui uma persistência, mais ou menos fóssil, de tempos em que a democracia era determinantemente centralista, antevisão de uma ditadura proletária que, mais que um objectivo, constituía um desígnio, mais ou menos orientador. É, igualmente evidente, que tal constitui um mecanismo de controlo dos eleitos comunistas e factor de dissuasão de eventuais pretensões, mesmo que implícitas, de autonomismos doutrinários ou desvios ideológicos.Não sei se aquilo que constitui o argumento determinante da deputada (de que lhe terá sido prometido a sua não substituição), corresponde, em rigor, à realidade. Embora, atendendo à pessoa em causa e à sua natureza laboral (hoje tão instável) de professora, tal situação nos surja como perfeitamente plausível. Não sei, sequer, se tal decisão foi precedida (o que não me admiraria muito) de alguma conflitualidade, implícita ou explícita, respeitante a eventuais (ou, pelo menos previsíveis) desvios à linha doutrinária. O que sei, sim, é que cada vez mais o elemento humano é determinante em termos dos resultados eleitorais. E, ainda, que o direito político que nos rege, consagre o primado do eleito sobre o grupo eleitoral enquadrador: leia-se. o “Partido”. O próprio P.C, afinal, teve de se vergar às exigências da personalização eleitoral (contra as quais lutou estoicamente durante anos) ao passar a destacar os seus cabeças de lista (e não só) no marketing eleitoral, numa cedência inexorável à lógica publicitária. Neste contexto, o apagamento da individualidade face à infalibilidade (tida como mais ou menos divina) do colectivo partidário, constitui, de alguma forma, resquício de um tempo, que o tempo, em grande parte, já esqueceu. Resquício (como se vê) cada vez mais difícil de implementar e, até, de justificar. Lembremo-nos, por exemplo, da titubeante argumentação com que o secretário-geral de PCP tentou explicar publicamente a razão de ser de tal decisão! Explicar porque é que numa determinada altura um dos poucos parlamentares comunistas carismáticos (e cuja competência e labor são reconhecidos por todos) constituiu um natural (e, pelos vistos, insubstituível) cabeça de lista e, passados menos de dois anos (face a uma “conveniente” estratégia de renovação) se tornou perfeitamente dispensável, como se de uma qualquer embalagem descartável se tratasse!E se é verdade que tal mecanismo facilita a coesão interna (construída em torno de uma unicidade não só de princípios mas também de comportamentos) fá-lo-á afinal, cada vez mais, não numa simbiose de livres-pensadores, mas sim de indivíduos subordinados a cangas políticas e ideológicas (oficiais e oficiosas), funcionando colectivamente numa “lógica de rebanho”.Contribuirá cada vez mais para reduzir os parlamentares comunistas a grupos de “yes-man”, naturalmente acríticos face às incongruências dos desfasamentos ideológicos e políticos e, naturalmente, insusceptíveis de rejuvenescer (por mais substituições, pretensamente geracionais, que se façam) o Grupo Parlamentar e, o que é mais grave, o próprio Partido! O que é pena! Porque o espectro político português precisava de um partido forte, à esquerda!Um partido comunista, eventualmente! Moderno e democrático!Que não caminhasse gradual e alegremente (na certeza autófaga das suas ilusões), para um lento, mas nem por isso menos inevitável, niilismo político!

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