uma parceria com o Jornal Expresso

Edição Diária >

Edição Semanal >

Assine O Mirante e receba o jornal em casa
31 anos do jornal o Mirante
Encontro reúne meia centena de Poetas Populares do Ribatejo em Samora Correia

Encontro reúne meia centena de Poetas Populares do Ribatejo em Samora Correia

Os homens e as mulheres simples que precisam da força da poesia para viver e transmitir sentimentos

Os poetas populares servem-se da poesia para bramar aos quatro ventos as injustiças do mundo.

Tem 86 anos, usa chapéu à vaqueiro e poderia ser um homem como outro qualquer. A única característica que diferencia João Vieira dos restantes mortais é a sua entrega à poesia. À semelhança de muitos outros fazedores de versos que se reuniram no auditório do Palácio do Infantado, em Samora Correia, na manhã de sábado para o já tradicional Encontro de Poetas Populares do Ribatejo, organizada pela Câmara Municipal de Benavente. O ambiente que se vive é de magia. Tal como as palavras que se conjugam harmoniosamente antes de nascer o verso. Para João Vieira, autor de quatro livros, a produção é um processo quase instantâneo. Só precisa de papel para registar as frases para a posteridade. Às vezes nem isso. As quadras que já produziu nos últimos seis anos estão intactas na sua memória. A minúcia é tal que detecta as gralhas de quem tem a responsabilidade de verter para o papel a canção das palavras. A poesia corre-lhe nas veias. Aproveita para dizer um verso em vez de citar um provérbio popular. Comove-se quando recita as frases mágicas que compôs nesta ou naquela circunstância da vida. “Faço versos e até os acho engraçados”, confessa com naturalidade. “Parece que alguém me está a ditar”, revela. O seu tempo de juventude foi passado na Mata do Duque, onde trabalhava como feitor. O tempo era de trabalhar. A terceira classe antiga foi tirada entre as quatro paredes da herdade quando já era adulto, aos 34 anos. “A minha filha leva os ditados para a professora corrigir”, diz com orgulho. Nunca é tarde demais para descobrir que se é poeta. João Vieira percebeu-o aos 80 anos. Ermesilda Ferreira, 45 anos, percebeu mais cedo que uma outra voz se levantava. A auxiliar de acção educativa, residente em Vialonga, recorda ainda a primeira frase da primeira poesia feita nos bancos da escola. “Manuel Lavrador trabalha todo o dia; chega a casa vê a mesa vazia”. A mãe de duas filhas, viúva, natural de Águas de Moura, Setúbal, sentiu cedo o apelo à poesia como forma de fazer saltar o que vai na alma, desabafando estados de espírito e as revoltas pelas injustiças sociais. Não é só o amor carnal que motiva o poeta. Tal como a José Carlos Borges, 55 anos, natural de Vialonga e residente no Seixal, que escreve sob o pseudónimo, de Ventura Picolé (pequeno acaso). “A poesia é sempre uma forma de intervir socialmente. Seja sobre o tema do fundamentalismo, seja um bravo de raiva a propósito dos sem abrigos”. O técnico de qualidade, amante de Gedeão, Pessoa e Bocage, gosta de associar a filosofia e a política à poesia. A popular poetisa de Samora Correia, Albertina Pato, 81 anos, é bem mais pragmática na escolha das temáticas. Despertou para a poesia ainda jovem embalada pelas histórias do pai que versejava para a adormecer. Hoje, tudo é pretexto para fazer poesia, diz a antiga empregada de balcão que tem nos netos a sua fonte inspiradora. A paisagem que avista da sua janela, no centro de Samora Correia, a igreja da terra, o rio, um pedaço de pão deitado ao lixo. O poeta sente mil vezes mais a injustiça dos dias. Bebe poesia todos os dias. Seja ao amanhecer ou ao deitar. Os pedaços de papel solto que reuniu nos últimos anos na mesa-de-cabeceira são o alimento e a energia da vida.
Encontro reúne meia centena de Poetas Populares do Ribatejo em Samora Correia

Mais Notícias

    A carregar...