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António Farinha é o último latoeiro de Tomar

António Farinha é o último latoeiro de Tomar

Da arte e das mãos do artesão saem regadores, baldes, lanternas e as coroas para a Festa dos Tabuleiros

Os filhos de António Farinha estão a aprender a arte e o negócio parece ter seguidores. Em Tomar, António Farinha é o último resistente de uma actividade que já viveu melhores dias.

António Farinha, de 68 anos, apesar de reformado, é o último latoeiro ainda em actividade em Tomar. Das suas mãos saem, sobretudo, algerozes, mas ainda faz por encomenda lanternas, baldes e regadores. E é também ele que fabrica as coroas que podem ser vistas nos desfiles que antecipam a Festa dos Tabuleiros. Sempre sisudo, de discurso curto e ar franzino, António Farinha conta que começou a trabalhar o latão desde muito novo. Aos 8 anos corria da escola para a Rua Carlos Campeão, na cidade, onde aprendia com os mestres a arte e também a profissão de canalizador. “Os meus patrões já morreram todos”, diz com ar de desânimo. Ia não por vontade, mas porque era obrigado a isso. Naquele tempo era assim, “faziam-me ir trabalhar”, mas não ganhava nada. Dinheiro, entenda-se. Ganhava-se, isso sim, conhecimentos e jeito para manusear o latão ou para tratar da canalização, porque já se sabia que a escola não ia durar muito e porque a precariedade da vida familiar assim o exigia. Hoje, já não é assim, diz. “Só querem andar na escola. Olhe, os meus filhos tiraram um o 7º e outro o 10º. Se quisessem estudar mais, iam para a escola de noite”. Porque o dia serve para trabalhar. No caso de António Farinha, só houve mesmo tempo para concluir a 4ª classe. A seguir deitou mãos ao trabalho.“A partir de uma certa altura, tive um negócio próprio. Trabalhava por minha conta”, mas houve tempos em que mudava de trabalho como quem muda de camisa. “Ia à procura de quem pagava mais”, explica. Há uns bons anos atrás, a diferença era contada ao tostão. “Se me davam mais cinco tostões, mudava logo. Tínhamos que ganhar a vida!”. Hoje é diferente. O latoeiro explica que ganhava “muito, se quisesse”. “Se eu me lembrasse de ir para o mercado vender os baldes e regadores, ia tudo!”. Escusa-se a dizer a quanto é que vende cada uma das peças. Depende do material, do tamanho e do tempo que leva a fabricá-los. “Isto é custoso”, explica. “Cortar o latão à tesoura ou com a máquina, a moldagem da peça... Leva tudo muito tempo. Para se fazer uma peçazita leva-se um dia inteiro, ou talvez mais”, acrescenta António Farinha. O trabalho de criação de um regador, por exemplo, é mais rápido, porque o profissional cria a peça através do molde. “E às vezes já nem é preciso. Já sei de cor”. Já a criação de uma lanterna leva mais tempo. É preciso aprimorar as formas e como não é um objecto com tanta saída, a falta de prática torna-a mais demorada. “Há pouco tempo vendi umas para a Serra, para o museu”, diz António Farinha. Já os regadores e os baldes têm mais saída, sobretudo para a área da lavoura. Basta encomendar. “Digo-lhe que estes são muito melhores do que os feitos de plástico. Esses não aguentam o tempo, rebentam ou estalam com o sol. Os de latão remendam-se. Duram muito mais tempo!”.As coroas da Festa dos TabuleirosO trabalho é mais fácil quanto se trata das coroas para a Festa dos Tabuleiros. António Farinha está à espera que lhe cheguem as encomendas da câmara e das juntas de freguesia para a festa deste ano, que se realiza na primeira semana de Julho. O facto de já faltar pouco tempo, não assusta o latoeiro. “Sou capaz de fazer aí umas 10 por hora”. É só cortar as tiras e montar.Além do tempo que demora a criação de uma peça, António Farinha encontra mais um defeito na profissão. Para manusear o latão, é necessário utilizar ácidos. “Já tive problemas nos pulmões por causa disso. E ando sempre a comprar novas armações para os óculos, porque derretem só com os vapores”. As medidas de segurança que hoje são tão apregoadas, não servem para o latoeiro. O uso de uma máscara, por exemplo, é logo rejeitada por António Farinha. “Não dá para usar essas coisas quando se está a trabalhar”.“Agora, já ninguém quer ser latoeiro!”, afirma António Farinha que já foi mestre. No entanto, dos rapazes a quem ensinou a profissão, “só sobra um” que vive em Cem Soldos. O resto dedicou-se a outros ofícios. Os únicos interessados em aprender o ofício são os dois filhos de António Farinha – “Já sabem algumas coisas, mas querem aprender mais”. E o latoeiro está disposto a ensinar.
António Farinha é o último latoeiro de Tomar

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