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O “doutor paciência”

É de bata branca vestida, gestos lentos e voz pausada que Rui Rodrigues recebe os jornalistas de O MIRANTE na sua farmácia na aldeia de Parreira, no interior do concelho da Chamusca. O “doutor paciência”, como é tratado por alguns amigos que foi fazendo nos 11 anos que leva na localidade, é a imagem da serenidade e aparenta estar de bem com a vida. Vive com a esposa no imóvel que também alberga a farmácia que ali criou, duas décadas depois de ter pendurado as chuteiras que calçou ao serviço da Académica de Coimbra, do Benfica, do Vitória de Guimarães e da selecção nacional. Os três filhos já se emanciparam e já lhe deram duas netas.Sente-se bem ali, diz que foi bem acolhido e que o sossego por vezes até é de mais, embora África continue a chamar por si. Nasceu em 17 de Maio de 1943 na então Lourenço Marques, hoje Maputo. Mas não é a Moçambique que gostava de regressar. Já lá não tem família e ficou um pouco decepcionado pela forma como foi tratado quando lá esteve já depois da independência: “Em Angola tratavam-me como o irmão moçambicano. Em Moçambique era o cooperante português”. Cabo Verde é o destino preferido para trabalhar numa escola de futebol e abrir uma farmácia.Rui Rodrigues viveu uma infância e juventude feliz em Moçambique, com muita brincadeira, praia e futebol. Em 1962 vem pela primeira vez à metrópole para integrar a selecção de juniores que vai disputar um torneio na Roménia, conta na sua voz pausada e com um leve sotaque africano. Os contactos que já havia mantido com a Académica dão fruto em Setembro desse ano com a sua contratação pelo carismático clube de Coimbra.Durante alguns anos teve de conjugar a vida de futebolista com o serviço militar que dura três anos e meio (nas Caldas da Rainha, no Porto, na Figueira da Foz e finalmente em Coimbra) e com os estudos. Esteve para ingressar na escola agrícola, fez exame de aptidão para entrar em Medicina mas acabou por ir parar ao curso de Farmácia de que saiu bacharel e apto a dirigir uma farmácia. “Foi uma vida sempre a lutar”, diz antes de se preparar para atender mais um cliente.O seu antigo colega, treinador e padrinho de casamento Mário Wilson aconselhou-o quando era ainda um miúdo a despontar na Académica: “Vai jogando a bola e de vez em quando, quando não tiveres nada que fazer, vai estudando”. Rui Rodrigues assim o fez e quando deixou os relvados tinha o “canudo”. Trabalhou em laboratórios farmacêuticos até arranjar colocação numa farmácia da Chamusca graças aos bons ofícios de um velho amigo ribatejano que conheceu em Coimbra, Martinho Cabeça, que já o havia incentivado a concluir o curso quando ainda jogava no Benfica. Acabou o curso em 1975, já após o seu regresso à Académica. O contributo do amigo da Chamusca, já falecido, foi várias vezes recordado por Rui Rodrigues ao longo desta conversa. O homem que foi estrela nos relvados não esquece quem lhe deu a mão numa fase crucial da sua vida e acabou por o encaminhar para a pacatez da charneca ribatejana onde o tempo corre devagar. Para a pequena localidade da Parreira onde se ouve o cantar dos pássaros e onde “as trovoadas parecem as de África”.

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