O farmacêutico da Parreira que jogou no Benfica
Rui Rodrigues estabeleceu-se no Ribatejo depois de abandonar os campos de futebol
Já não serão muitos os que se lembram do defesa central que brilhou com as camisolas da Académica, do Benfica e do Vitória de Guimarães. Rui Rodrigues fez carreira nas décadas de 60 e 70, formou-se em Farmácia graças à sua passagem por Coimbra onde travou amizade com um jovem ribatejano que o ajudou a vir parar à Chamusca. Hoje tem uma farmácia na Parreira, uma terra de que gosta e que lhe faz lembrar a África natal pelas trovoadas e pelas pessoas simples e sinceras.
Como é que veio parar ao Ribatejo?Inicialmente vim trabalhar em 1991 como director técnico para uma farmácia da Chamusca, com a doutora Carlota. Vim através do Martinho Cabeça, um amigo já falecido que era filho do dono da farmácia da Chamusca. Conheci-o na faculdade em Coimbra, em 1969. Quando entrei na universidade ele já andava no último ano. Jogava hóquei em patins na Académica. Entretanto aparece o concurso para abrir uma farmácia na Parreira. Concorri e ganhei.Já tinha algum conhecimento desta região?Não. Isto era totalmente novo para mim. Entretanto fui conhecendo a zona e como continuo a gostar de futebol vinha aqui à Parreira ver uns jogos…Quando soube que tinha ganho o concurso para instalar uma farmácia na Parreira o que é que pensou?Tinha ido passar o Natal a Guimarães. Mal lá cheguei recebi um telefonema do Martinho a dizer que tinha ganho o concurso. Meti-me logo no carro e vim comemorar aqui. Como era difícil arranjar instalações aqui na Parreira para criar a farmácia, tiveram de ser feitas obras nesta casa pelo senhorio e estive quase um ano à espera para abrir a farmácia. Foi em 1996.Nunca se arrependeu de ter vindo para a pacatez do campo?Não, pelo contrário. Gosto muito disto. Habituei-me. Foi uma espécie de descanso do guerreiro após ter calcorreado tanto mundo?Não. Trabalhei muito. Não é cansativo mas tenho que estar aqui 24 horas por dia, mesmo que não apareçam clientes. O sossego por vezes é de tal modo que fecho a porta. Quando vem alguém, toca à campainha. Como é que se vai entretendo no seu dia a dia?Vou-me entretendo jogando a paciência, às vezes contactando um amigo ou outro.Costuma estar com os seus antigos colegas de equipa?Ocasionalmente. Infelizmente estive no funeral do Bento e a semana passada no funeral do Ernesto que jogou na Académica comigo. O enterro foi em Portimão. Fui com o Mário Campos, com o Marques. Depois apareceu o Toni e outros. A almoçar éramos dez. Vamos conversando uns com os outros.Qual é o seu grau de envolvimento na vida da comunidade?É pouco. Ajudei naquilo que gosto e que sei. Pediram-me para ajudar o clube e estive a orientar a equipa de futebol durante cerca de dois anos. Gostei da rapaziada, só que era uma grande responsabilidade. Esses jogos do Inatel parece que são para brincar mas cuidado…É por causa da grande rivalidade entre as equipas?Não é bem isso. A rapaziada vai para os casamentos e sai da festa para o jogo e depois voltam para o casamento. Já morreram vários jogadores em campo, como o Féher. Deus queira que isso não aconteça aqui… Avisei várias vezes que não era responsável por isso. Quando as coisas acontecem é muito complicado.Foi por isso que deixou de treinar a equipa da terra?Deixei porque apareciam dois ou três ao treino, o resto não aparecia, e ao domingo queriam jogar todos.Nunca foi convidado para se envolver na política local?Não. Não sou político, nunca fui. Na conversa com os amigos dou a minha opinião, mas como dizia a minha mãe: “teima mas não apostes”.Ainda é reconhecido pelo seu passado de futebolista de topo, ou já são poucos os que se lembram disso?Aqui ainda há pessoas que se lembram. Tenho aí uns livros e fotografias que de vez em quando mostro, quando aparece um ou outro que pergunta se joguei à bola.Tem saudades do tempo em que era famoso?Todos temos a nossa época. Temos de saber caminhar ao longo do percurso. Sei que não posso voltar atrás, embora por vezes sonhe que estou a jogar à bola ou que o treinador pede para eu entrar. Aí eu digo que já não tenho idade para isso e ele insiste para eu ajudar a equipa (risos)…Preferia ter jogado nos tempos actuais, onde um jogador da sua craveira ganha salários chorudos?Não. Joguei na Académica, que era um sonho. Nove anos depois joguei no Benfica, quase sempre com o estádio cheio e com grandes jogadores ao meu lado. Aliás costumava dizer que era mais difícil os treinos do que propriamente os jogos. Porque nos jogos o Eusébio e o Simões partiam os outros todos lá na frente e nós cá atrás descansávamos.Como era a sua relação com Eusébio sendo ele seu conterrâneo e da mesma geração?Óptima. É raro encontrá-lo, porque ele tem muito que fazer, como acompanhar o Benfica. As relações com os meus ex-colegas são excelentes. E sempre que posso estou com eles.Costuma ser convidado para participar em festas das casas do Benfica?Sim. Fui por exemplo a Vila Viçosa e também a Alpiarça.O que é que sente um futebolista profissional quando a sua carreira está a chegar ao fim?Há um despertar. E foi esse despertar que apareceu na hora H na minha vida. Quando jogamos nunca envelhecemos. Somos sempre jovens e por vezes não pensamos no futuro. Fica um vazio?Sim. Durante uns tempos senti um vazio muito grande ao domingo, não sabia para onde é que havia de ir. Ia almoçar com a família, dava um passeio, para contornar a situação.Não ia aos estádios matar saudades?Não.Tinha medo de ter alguma recaída, de ficar pior?Não. Não vou ao Estádio da Luz porque fica longe daqui e os jogos acabam muito tarde.No seu tempo já se falava de doping e de viciação de arbitragens?Sempre. Esse é um problema já de muito antes de nós.Passou ou assistiu a alguma situação de dopagem?Eu sou daqueles que dizem que nunca tomou nem volta a tomar (risos)... Mas a base de trabalho é que conta. Só assim é que os jogadores do campeonato inglês podem correr tanto e com tantos jogos por semana. Foi alvo de alguma manifestação racista quando foi jogador?Não, nem aqui nem em Moçambique. Havia troca de piropos entre jogadores durante o jogo, mas era paleio de praia para tentar desorientar os adversários. Como foi a sua infância em Moçambique?Em comparação com os miúdos de hoje vivi melhor a juventude que eles. Aos 15 anos já tinha uma bicicleta a motor, ia para a praia que ficava ali na cidade. O meu pai morreu tinha eu oito anos. A minha mãe trabalhava para nos sustentar. Eu jogava basquetebol e futebol, andei ainda no hóquei em patins. Tinha sempre o tempo ocupado.As farmácias são uma mina de ouro?Há farmácias e farmácias. As que podem comprar grandes quantidades de medicamentos têm percentagens grandes nas compras e quando podem pagar a pronto ainda mais benefício têm. Eu não posso ter um stock muito grande pelo que não beneficio desses descontos. Além disso, só fecho ao domingo à tarde. Sou só eu e a minha mulher, que é ajudante técnica. Não é uma pessoa muito ambiciosa?A minha primeira ambição é ter saúde. Depois ter dinheiro para viver. Sempre pensei assim. A vida é difícil porque as despesas são muitas e temos que ter cabecinha.Sente-se bem na pele de farmacêutico?Gosto da minha actividade porque aqui sou um homem dos sete ofícios. Sou padre, sou conselheiro, sou médico… As pessoas pedem-me conselhos sobre tudo e eu dou-os. Gosto de contar histórias.
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