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A investigadora que em cinquenta anos de estudo nunca descobriu a alma gémea

A investigadora que em cinquenta anos de estudo nunca descobriu a alma gémea

Sílvia Frazão investigou produtos naturais para a produção de fármacos nos mais prestigiados laboratórios

Sílvia Frazão é uma notável investigadora na área da química terapêutica onde fez uma carreira ao longo de mais de 60 anos de estudo. Comunista desde sempre nunca se priva dos prazeres da vida, mas não arrisca casar com receio de trair a felicidade que brota no seu discurso. Eleita na Assembleia Municipal de Benavente há 25 anos, tem pena de nunca ter sido autarca em Santarém. Lamenta que a cidade onde nasceu, cresça sem harmonia e sem cuidar dos seus monumentos.

Fez carreira como investigadora na área da química terapêutica. O que é que investigou ao longo de mais de 50 anos?A minha carreira foi dedicada ao estudo dos produtos naturais existentes nas plantas, animais e minerais que podem servir para ser utilizados na produção de fármacos. É um trabalho muito interessante porque contribui para a descoberta de medicamentos para combater as doenças e atenuar o sofrimento humano.Sendo os medicamentos feitos com base em produtos naturais, acredita no sucesso das medicinas alternativas?A química terapêutica estuda os princípios existentes nas plantas. É natural que algumas possam ajudar na cura de doenças. Isto não quer dizer que sejam a panaceia. Já alguma vez recorreu às medicinas orientais?Nunca o fiz porque tenho tido muita sorte com os médicos que me atenderam desde que nasci, em casa, amparada pelo doutor Branco. Tenho um médico de família (Silva Guerra) que é excelente. É o melhor médico de família que conheço e ajudou-me bastante num problema que tive. Só descansou quando se descobriu a origem do mal. É graças a ele que estou aqui. Se não fosse ele já tinha morrido. Mas devo dizer que tenho muito respeito pela medicina chinesa que é a mais antiga do mundo. Hoje os nossos médicos interessam-se muito pelas medicinas orientais e vão beber a essas fontes de saber.Tem 80 anos, mas continua em boa forma. O facto de não ter família contribuiu para esta vida saudável?Não tem nada a ver com isso. Eu não tive filhos mas eduquei os meus sobrinhos e tive problemas e preocupações como qualquer pessoa. Julgo que nasci com um bom código genético. É a genética que comanda o animal… desculpe o termo. A genética comanda e nós ajudamos com a alimentação e alguns cuidados. Eu costumo dizer que sou mais má que a doença e por isso ela não me vence.É uma mulher optimista?Não sou nada optimista, mas sou uma tímida vencedora. Sempre fui tímida e a luta contra a timidez é que me tem ajudado. Em jovem achava que toda a gente era melhor que eu, mas o meu pai ajudou-me a superar isso e criei uma auto-estima muito boa.Foi uma boa aluna?No liceu nunca trabalhei, vivia de uma memória muito boa que ainda hoje preservo. Só na Faculdade é que tive de estudar a sério e entregar-me para fazer o curso e, mais tarde, o doutoramento. Ainda hoje gosto muito de estudar e faço-o todos os dias. Não perco tempo com coisas inúteis como os programas da nossa televisão.Fez um curso e doutoramento em Farmácia, mas não era isso que queria?Queria ir para medicina. Mas a madrinha de casamento da minha mãe tinha uma farmácia e quando eu estava a fazer exame de admissão ela disse para eu ir para Farmácia porque me garantia trabalho. Quando acabei o curso já não havia farmácia, tinha sido penhorada por dívidas de jogo do marido da senhora.Não se arrependeu de não ter seguido medicina?Nunca me arrependi. Nunca fui farmacêutica, fui sempre uma investigadora e senti-me realizada com a minha carreira. Sempre gostei muito da Química e da Biologia. A sua carreira levou-a a percorrer o mundo?Conheço toda a Europa, as antigas colónias portuguesas todas e uma boa parte de cada continente. Viajei muito, mas sempre em trabalho. Uma das poucas viagens de lazer foi a Moscovo para assistir aos Jogos Olímpicos.Tirou um curso de russo para ir à Rússia?Tirei o curso com um bom professor e aprendi a falar russo razoavelmente. Falo várias línguas com fluência porque senti necessidade de as aprender ao longo da minha vida.Qual foi a viagem mais interessante que fez?Foi a última a Israel em 1991. É um país lindo, mas tem o muro das lamentações onde os fanáticos batem com a cabeça nos tijolos e sangram abundantemente. Isto é o limite do fanatismo religioso de um Estado que não é laico. Daqui tiramos as nossas ilações porque é que a guerra com a Palestina perdura. Nós andávamos a passear com dois homens armados de G3 atrás de nós.As viagens de trabalho também tinham uma componente social…Quando ia em trabalho, ia em trabalho. Tinha muitas responsabilidades e não facilitava.Para alcançar o seu nível teve de sair de Portugal?Em 1960, meses depois de ter entrado no INETI (Instituto Nacional de Engenharia, Tecnologia e Inovação ) fui para França fazer um estágio sobre Técnicas de Microanálise Orgânica Elementar com uma bolsa paga pelo governo francês. Sem essa ajuda não conseguia. Foi em França que fiz dois doutoramentos na Faculdade de Farmácia da Universidade de Montpellier.Sei que teve de trabalhar para sustentar os seus estudos…Dei lições aos meninos das famílias abastadas para arranjar dinheiro. Tinha de palmilhar quilómetros todos os dias em Lisboa. Tive a sorte de o pai de um desses meninos, o dr. Ferreira da Costa, conceituado médico, me convidar para ir fazer um estágio. Ele soube que eu era formada em Farmácia e mandou-me para o Hospital da Marinha. Foi um escândalo mor porque eu tinha 24 anos e as únicas mulheres que lá havia eram as familiares dos doentes.Foi a grande oportunidade da sua vida?Foi uma daquelas cunhas que nem nome de cunha têm. Acabei por ir parar ao laboratório de análises que era dirigido por Giovanni Del Agua, sobrinho do Cardeal Del Agua que esteve quase a ser Papa. O senhor fez-me um conjunto de perguntas e mandou-me estar lá na segunda-feira seguinte para começar a trabalhar na Sociedade Química Lepetit.Foi aí que sentiu necessidade de aprender italiano?Fui-me inscrever num curso no Instituto Italiano e ao fim de três meses já falava muito bem. Ainda hoje falo fluentemente italiano e gosto imenso.Um dos homens que marcou a sua vida era italiano?Foi o meu patrão italiano que me pagou uma operação à coluna e a recuperação porque não tinha direito ao sistema de saúde. Tinha 32 anos e não tinha possibilidades de ser operada. Pagaram-me tudo e o ordenado como se estivesse a trabalhar e mandaram-me para o Porto fazer a licenciatura em Farmácia. E os outros homens…Fui muito marcada por Che Guevara e Fidel Castro.Os seus amigos nunca lhe conheceram companheiro. Nunca se apaixonou?Já quer saber mais que eu…(risos). Tive muitas paixonetas e também namorei. Uma pessoa normal tem de viver apaixonada. Um dia acabei um namoro porque o rapaz faltou a uma aula para ir para um retiro para Fátima. Não lhe perdoei trocar os estudos pela religião.Mas nunca casou.Houve várias situações que condicionaram a minha vida. O meu pai morreu quando eu tinha 20 anos e estava no último ano de Farmácia. O meu irmão estava em Timor onde era funcionário colonial e eu fiquei com a minha mãe que vivia com um parco rendimento porque o meu pai, que tinha trabalhado toda a vida, deixou uma pensão de 2.500 escudos por mês que subiu para 9.000 escudos em 1974 com a intervenção do Vasco Gonçalves. Como tinha que ajudar a minha mãe, não pensei em casar. Mas houve outras influências. Cresci num ambiente de harmonia entre um casal como nunca vi. O entendimento que havia entre os meus pais, a forma de estar e de educar os filhos marcou-me duma maneira muito forte.Teve medo de não conseguir essa felicidade?Tornei-me muito exigente com os homens porque tinha um pai de grande dimensão. O meu pai era um homem moderno que nasceu 100 anos antes do que deveria ter nascido. Nunca me condicionou a liberdade. Nunca me perguntou onde ia, podia-me perguntar de onde vinha e o que tinha feito. Tinha uma confiança total em mim e nunca me teve de impor castigos ou regras. Foi um homem educado no seminário de Santarém que teve uma educação excelente e completa, mas que deu toda a liberdade aos filhos. Repare que nem eu nem o meu irmão somos baptizados, o que é estranho em pessoas na nossa idade, tanto mais que o meu pai cresceu numa família católica. Essa liberdade que nos deu de escolher é mais um sinal da sua personalidade e carácter.O que é que lhe falta fazer na vida?Gostava de ficar rica para poder gastar muito dinheiro a ajudar os outros.E falta-me navegar na Internet. Mas vou começar agora. Só falta ligar-me.E projectos mais profundos?Falta-me morrer (risos)… mas até lá quero viver feliz.
A investigadora que em cinquenta anos de estudo nunca descobriu a alma gémea

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