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Michel Fuchs atravessou Portugal, Espanha e França numa viagem que durou três meses

O caminheiro diz que a melhor maneira de conhecer locais e pessoas é andar a pé.

A caminhada durou três meses. 2.500 quilómetros a pé entre Lisboa e Estrasburgo. Uma travessia de três países, Portugal, Espanha e França. Na sexta-feira, Michel Fuchs chegou a casa. Há dois anos o caminheiro francês fora obrigado a desistir, devido a bolhas nos pés, em Tondela, após trezentos quilómetros de marcha. Este ano voltou a tentar e conseguiu chegar ao fim. A viagem começou a 20 de Março às 13h15 minutos na Praça do Comércio em Lisboa. Dois dias depois esteve em Santarém na redacção de O MIRANTE. Sexta-feira passada, fez os últimos 27 quilómetros na companhia da esposa, Brigitte, entre Bischoffsheim e Estrasburgo. Um grupo de amigos esperava-o junto à Catedral para o abraçar e felicitar. Foram 95 dias na estrada.

Que importância teve para si a concretização desta “aventura”? Foi importante na medida em que se tratava de um desejo antigo. Não sabia o que iria encontrar mas fico feliz com o que encontrei, principalmente ao nível do conhecimento dos lugares. Da geografia. Não há melhor que andar a pé para descobrir e conhecer. Melhor que de bicicleta (eu já fiz Estrasburgo/Lisboa de bicicleta). Passei por regiões que não conhecia e tive encontros que não poderia ter noutras circunstâncias. Em termos gerais esta viagem confirma que podemos fazer coisas que parecem muito difíceis. E se não as conseguimos fazer à primeira (o ano passado tentei e fui forçado a desistir) devemos voltar a tentar. Que nos pode contar dos caminhos, das vilas e das pessoas que nós só vislumbramos em poucos segundos das janelas das viaturas quando passamos a mais de cem quilómetros por hora?É uma verdadeira descoberta. Nos últimos dias da minha caminhada vi a rota dos vinhos de Alsácia como nunca tinha visto apesar de passar por ali frequentemente. Ficamos a conhecer os locais como conhecemos o nosso bairro. Jean-Jacques Rousseau disse: « Il n’est de meilleure façon de voyager que d’aller à pied » (Não há melhor maneira de viajar do que ir a pé). E na época dele as diligencias não andavam assim tão depressa. Alguma vez se sentiu em perigo?Não. Nunca me senti em perigo.Alguma vez pensou em desistir? Nunca tal me passou pela cabeça. Que conversas tinha consigo próprio na solidão do seu percurso?Conversas simples, do género : « Vamos parar lá à frente ao pé daquela árvore », « Daqui a uma hora vamos parar para comer qualquer coisa » ou « Quando chegar ali viro à direito ou à esquerda? » ou ainda : « Não há nada aqui. Ao menos podiam ter colocado uma placa indicativa ». Dizia coisas assim em voz alta Atravessou três países (Portugal, Espenha e França). O que pode dizer sobre cada um deles? O que os une? O que os separa? E as pessoas? Quais as diferenças de comportamento face à sua passagem?Os três países são muito europeus. Mesmo quando não é muito evidente quando falamos, também temos em comum três línguas que derivam do latim. O que me surpreendeu em Portugal foi a importância dada ao futebol. Em Espanha foi o facto de tudo parar a seguir ao almoço e a vida só recomeçar ao fim da tarde. Pergunto a mim mesmo se um português do norte não se parece mais com um espanhol do noroeste do que com um português de Lisboa. Ou se um espanhol de Navarra não se assemelha mais a um francês do sudoeste que a um espanhol do noroeste. E há uma grande diferença entre os franceses do sudoeste, do maciço central e do nordeste. Tudo isto merece uma reflexão mais aprofundada que não posso fazer a quente nesta altura da minha chegada. O que retive foi que a maior parte das pessoas são amáveis e toda a gente me saudava quando eu passava. Qual o papel da família e dos amigos neste projecto? O que sentiu quando voltou a entrar em casa?Eu sabia que era apoiado pelos amigos e pela família e isso ajudou-me muito. No entanto durante o caminho estamos sós e é nessas alturas que sofremos. No início, em Portugal, fui ajudado pelos meus amigos de Santarém e Entroncamento. A seguir, em Espanha, reencontrei pessoas que conhecia da altura em que tinha feito uma parte do Caminho de Compostela. Em França houve amigos que me acompanharam durante uma semana. E sobretudo Brigitte, a minha esposa, foi várias vezes ao meu encontro para caminhar comigo. Ao chegar a casa senti-me contente porque o meu projecto tinha sido concretizado e o meu sonho se tinha tornado realidade. A partir de agora vivo com uma satisfação suplementar. Porque optou por viajar sem um telemóvel? Não senti necessidade. E ficou provado que tinha razão. Para mim é a necessidade que deve levar-nos a comprar um objecto e não a compra de um objecto que deve criar uma necessidade.O caminho para nos reencontrarmos connosco enquanto seres humanos passa pela solidão? Pelo regresso às origens? Pelo contacto com a natureza? Não decidi fazer esta marcha por andar à procura de mim mesmo. Eu tinha tudo o que queria antes da partida. Agora, após a chegada, penso que não mudei. Sei mais coisas, é tudo. Passava bem sem a solidão da viagem mas era inevitável. Não procuro o regresso às origens porque me sinto bem como sou. Quanto ao contacto com a natureza também não sinto especial necessidade porque o tenho regularmente quando estou em casa. E também gosto da cidade. A minha viagem assenta fundamentalmente num desejo geográfico e pedestre. Sente necessidade de contar tudo o que passou em livro?No meu blog (http://retourdelisbonne.hautetfort.com) contei o essencial diariamente. De momento não penso escrever um livro. E só o escreverei a pedido de algum editor. Não o vou escrever e a seguir procurar um editor. Mas ainda é cedo para pensar nisso.

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