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Carlos Moisés o Amigo da Terra que fundou os Quinta do Bill

Carlos Moisés o Amigo da Terra que fundou os Quinta do Bill

Nasceu em Moçambique e foi viver para Tomar com doze anos de idade

Tem 45 anos, é casado, tem um filho de três anos e meio, é conhecido por ser o vocalista dos Quinta do Bill, o grupo que surgiu em Tomar em 1987. Carlos Moisés nasceu em Moçambique e foi viver para Tomar, terra natal do pai, com doze anos. Na adolescência foi activista do ambiente. A primeira vez que assistiu a uma Festa dos Tabuleiros ficou deslumbrado. Diz que se um dia o convidassem para mordomo ficaria muito honrado.

Nasceu em Moçambique. Ainda se recorda como foi a vinda para Tomar?A minha avó tinha uma casa em Vale dos Ovos. Tinha 12 anos quando vim para Portugal e fui para a escola Jacome Ratton. Ia para as aulas de autocarro e quando não queria ir de autocarro roubava a moto ao meu pai. Cheguei a cair algumas vezes nessas viagens clandestinas. Tenho uma cicatriz de um desses acidentes que não me deixa mentir.Era um jovem irreverente…Provavelmente na postura, na forma de ser. Embarquei em certos ideais. Era um ecologista e fiz parte de um grupo de Lisboa que se chamava os Amigos da Terra. Em Tomar fiz parte do grupo de arqueologia e muito cedo entrei também para o Canto Firme. Sempre tive necessidade de me manifestar em termos culturais. Conta-se que em jovem andava sempre acompanhado de muitas raparigas.Tentava. Isso é verdade. Tive muitas paixões platónicas. Andava de cabelo comprido, calças rotas, com um estilo muito diferente para a época. Isso nunca lhe trouxe problemas?No tempo de escola não eram muitos os que andavam assim, com óculos redondos, de mala de cabedal à tiracolo com muitos autocolantes. Chamavam-me o freak, o maluquinho. Apesar de dar nas vistas não era uma pessoa extrovertida…Sempre fui muito tímido e ainda sou um pouco. Não sou pessoa de dar o primeiro passo para ir falar com alguém, por exemplo. Ainda é um ecologista?Continuo a partilhar alguns valores. Sou do tempo em que quem falava de ecologia ou se preocupava com essas causas era classificado como alguém que não tinha nada que fazer. Os defensores do ambiente eram muito mal vistos. Chegou participar em manifestações?Recordo-me que levei tareia da polícia numa manifestação no local onde ia ser construída uma central nuclear no sul de França. Participei também numa grande manifestação nos anos 80 em Lisboa em prol do movimento ecologista. E em Tomar?Fui pioneiro num grupo que se criou na Jacome Ratton. Convenci a direcção da escola a colocar um placard para informar os outros alunos sobre a ecologia. Quando começamos a utilizar o placard para colocar cartazes em defesa da objecção de consciência em relação ao serviço militar obrigatório, ele foi retirado.Foi à tropa?Sou objector de consciência. Envolveu-se alguma vez na política?Não, mas considero-me uma pessoa de esquerda.É religioso? Sou religioso à minha maneira. Por norma não vou à missa mas já aconteceu ir. Como era a sua vida na infância e juventude?Sempre gostei muito da noite, gostava de conversar com amigos, beber uns copos. Costuma ir à saudosa discoteca Índex. Em Moçambique tive uma infância muito vivida, não digo libertina, mas com muito espaço. Quando vim para Tomar foi um choque porque vivia no mato e sentia-me ligado ao campo e também sofri por causa do frio que não havia lá. Além disso tive que começar novas amizades. Como era a sua relação com os estudos?Era um aluno médio e lembro-me que fiz a quarta classe em Portugal porque o meu pai veio de férias. Ainda levei umas reguadas por não fazer os deveres. Quando vim morar para Tomar lembro-me que uma vez organizamos um desfile de Carnaval na escola em ceroulas. Não havia tradição de se fazerem actividades de Carnaval e ficaram todos muito escandalizados. Não fomos expulsos talvez por o conselho executivo ter achado aquilo tão bizarro que ficou sem reacção. Ainda se recorda como era a escola nesse tempo?Tinha um muro que dividia os rapazes das raparigas no recreio. Ainda fizemos algumas iniciativas para acabar com ele. Quando saí da escola é que abriram um buraco no muro. Quando começou a aprender música?Com 18 ou 19 anos quando entrei para o Canto Firme onde fui coralista e onde passava os meus dias e às vezes as noites. Cheguei a dormir lá num sofá. Os meus pais não tinham nenhuma ligação à música mas lembro-me da minha mãe contar que desde muito cedo eu gostava de andar a fazer música batendo em coisas, o que levou a que me tenham comprado uma bateria de brincar quando tinha cinco anos. E o primeiro instrumento a sério?Foi uma guitarra por volta dos meus 15 anos. Ainda a guardo e ainda toco nela às vezes, apesar de já estar muito desafinada. Custou cinco contos (25 euros). Foram os meus pais que me deram o dinheiro para a comprar. Nunca teve que trabalhar para arranjar dinheiro para investir na música?Dei aulas de música e andei a trabalhar nas vindimas. Cheguei a distribuir cerveja nas férias de Verão para juntar dinheiro para depois ir para França trabalhar na apanha de fruta. Amealhava o dinheiro para comprar instrumentos e para ter uma certa autonomia. Andou no conservatório de Tomar, como é que foi a experiência?Comecei na guitarra clássica e acabei a fazer canto. Ainda não acabei por causa dos Quinta do Bill. Gostaria de continuar os estudos na música a nível superior, possivelmente para o ano em Castelo Branco. Como é que vê as alterações que aconteceram nos últimos anos na cidade?Tem mudado muita coisa, mas podia haver uma maior participação da comunidade em prol das questões culturais. Sinto que as pessoas ainda estão muito ausentes apesar de haver boas ideias. É preciso esperar que haja mais apoios. A sociedade alterou-se?A instalação do Instituto Politécnico mudou radicalmente a cidade para melhor. Sente-se que o Politécnico é parte integrante da vida social e cultural da cidade. Vieram pessoas de fora que trouxeram as suas influências culturais e a sua postura e deram vida à cidade, que se tornou mais cosmopolita. As pessoas antes eram mais fechadas?Provavelmente haverá um núcleo de pessoas que se isola, mas isso é inerente a qualquer cidade. Não há nenhuma cidade perfeita, mas há pessoas com muito valor e que fazem muito pela cidade. Prefiro centrar-me mais no positivo que no negativo. Ainda se recorda de como era a vida das pessoas quando chegou a Tomar?Havia a fábrica de fiação que empregava muita gente e infelizmente acabou. Havia também as fábricas Mendes Godinho. Uma das grandes lacunas agora é não ter indústria e ser praticamente uma cidade que vive dos serviços, o que faz com que as pessoas tenham que sair à procura de trabalho. Costuma visitar os monumentos da cidade?Desde muito cedo fiz questão de conhecer a história de Tomar. Costumávamos ir para a sinagoga ensaiar porque tem uma acústica muito particular. Fazia intercâmbios culturais no Convento de Cristo. Como coralista do Canto Firme tive oportunidade de cantar em praticamente todas as igrejas do concelho. Também ia namorar para a Mata dos Sete Montes?Como qualquer jovem. É um sítio idílico para namorar.Conhece o segredo da estátua de Gualdim Pais?Claro que sim (risos). Não perco uma oportunidade de levar amigos que não são de Tomar a conhecer o segredo fálico da estátua. É o ex-libris da cidade.Quando não tem concertos como é o seu dia-a-dia?Levanto-me cedo por causa do meu filho, por volta das oito da manhã. Dou aulas de música e voltei a estudar flauta transversal no Canto Firme. Sou professor e aluno ao mesmo tempo, porque nunca é tarde para aprender. Agora sou muito caseiro, tento ler e ouvir música, mas o tempo é sempre pouco.
Carlos Moisés o Amigo da Terra que fundou os Quinta do Bill

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