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Jack Fernandes passou toda a vida a trabalhar com temperaturas muito abaixo de zero

Jack Fernandes passou toda a vida a trabalhar com temperaturas muito abaixo de zero

Saiu da Gouxaria aos 25 anos para fazer fortuna e é empresário em Fairbanks no Alasca

Joaquim da Silva Fernandes emigrou há 48 anos para a América do Norte. Trabalhou arduamente e venceu. Aos 73 anos confessa-se realizado. Para quem lhe inveje a sorte fica o aviso. Fairbanks, a cidade do Estado do Alasca onde vive há 36 anos, e onde tem uma empresa de construção civil, é o local do mundo onde as oscilações de temperatura são mais extremas. O Inverno, que dura de finais de Setembro a meados de Abril, é todo vivido abaixo de zero e por vezes abaixo dos 50 negativos. No pino do Verão as temperaturas raramente vão além dos 22 graus. Os dias têm 20 horas de luz.

Na cidade onde vive, Fairbanks, no Alasca, é possível trabalhar todo o ano tendo em consideração que no Inverno as temperaturas chegam a descer abaixo dos 50 graus negativos?É possível mas há menos trabalho. Mas cheguei a trabalhar em sítios bem piores. Por exemplo mais a norte, na zona de exploração do petróleo. Foram catorze anos e meio. O mar estava sempre gelado. Só em Julho e Agosto é que o gelo partia, nem sequer derretia. Só nessa altura conseguiam ir lá descarregar os materiais. E não podiam demorar muito tempo. Quando lá estive houve barcos que acabaram por ficar de um ano para o outro porque se atrasaram. Mas nós trabalhávamos durante todo o ano. Era muito duro. No Inverno no sector da construção deve haver redução de pessoal.Sim, é verdade, mas eu, normalmente, tinha trabalho todo o ano porque qualquer companhia para onde eu fosse já não me dispensava. As cartas de recomendação estão aí para o comprovar. (Ver caixa). Mas quando não tinha trabalho arranjava-o. Comecei a aproveitar essas alturas para recuperar casas que fui comprando. Reparava-as e depois alugava-as ou vendia-as. No Verão quando tinha tempo livre trabalhava no exterior e no tempo frio fazia os interiores.Quando foi para lá era muito jovem. Como se divertia nas folgas?Aqui em Portugal gozei a mocidade. Talvez ninguém daqui da Gouxaria tenha gozado a mocidade como eu por estes lados. Bailaricos, namoricos, festas, comer, beber, passear…E depois deixou-se disso? Reformou-se desse lado melhor da vida assim tão cedo?Eu fui daqui com uma única finalidade, vencer na vida. De vez em quando ia com os outros colegas, que um homem não é de pau, mas raramente. A minha intenção era conseguir ter uma situação monetária boa. E consegui. Tenho uma vida muito boa. Muito boa. Ficou viúvo com pouco mais de quarenta anos. Nunca pensou casar outra vez? As mulheres americanas não servem para si?Nada.E as mulheres canadianas?A mesma coisa. Eu sou português e gosto muito das mulheres portuguesas.Porquê?Por muitas coisas. A começar pelo facto de falarem português. Eu lá não falo português com ninguém. Se tivesse uma mulher gostava de falar português em casa. Depois elas são muito mimadas. Eu gosto de mulheres mimadas em determinados momentos, mas para tratar da vida não servem.E agora já é tarde para arranjar companhia? Nunca se sabe. Estou a arrumar a minha vida na América e vou regressar a Portugal. Primeiro quero ver se arranjo uma governanta para a minha casa. Uma governanta à portuguesa. Depois, se aparecer alguma mulher por quem sinta atracção e simpatia, posso pensar no matrimónio. Que carro costuma usar aqui em Portugal?Um Mercedes. Aquele carro enorme, marca Continental, é só para certas ocasiões. Chamo-lhe o carro dos domingos à tarde. Eu gosto de tudo o que é antigo e gosto de conservar as coisas. Quando compro um carro antigo é para o reparar e conservar em boas condições.Saiu daqui com vinte e poucos anos. Como vê a evolução de Portugal ao fim de tanto tempo?Economicamente isto está mal. Se fosse novo e estivesse a começar a minha vida acontecia-me o que aconteceu há 50 anos, voltava a partir para ir ganhar a vida lá fora. A burocracia continua. Está igual ou pior. A política seguida é a de entravar tudo. Arranjar problemas, criar obstáculos. E há uma coisa pior, perdeu-se o respeito. Não há respeito. Ninguém respeita ninguém.Não há burocracia nos Estados Unidos e no Canadá?O sistema nesses países é completamente diferente. Em caso de dúvida facilita-se a vida a quem quer trabalhar e investir. Há leis, regras, normas mas paralelamente há uma vontade enorme de, sem desrespeitar a lei, facilitar a vida aos cidadãos. Tudo no sentido do progresso. Aqui é exactamente ao contrário. Começam a pôr entraves desde o primeiro momento, até quando as coisas são claras como água eles criam dificuldades e problemas. Está tudo preparado para entravar o progresso.Como é que se progride? Nos Estados Unidos o objectivo é fazer sempre mais e melhor. Nas empresas, nas repartições, no desporto, nas fábricas, na vida pessoal. Se está tudo bem pensa-se logo como fazer melhor. É outra mentalidade. Nunca pensou em pedir a nacionalidade americana?Nunca tal me passou pela cabeça. Nasci português e hei-de morrer ribatejano.Tem ali no carro um autocolante com uma frase que diz que um ribatejano ou morre nos cornos de um touro ou nos braços de uma mulher. Sobre mulheres já estamos conversados. E touradas? Costuma assistir a touradas quando cá está?Vou ver touradas e quando não posso ir, vejo na televisão. Gosto muito da festa dos touros. Quando era muito novo ia muitas vezes, naquela mota que ainda ali está, a Vila Franca de Xira, a Alcochete…às esperas de touros, às picarias. Gosto muito. Convive muito com os seus amigos de lá?Nem por isso. Gosto de conviver mas não tenho uma grande vida social. E, de um modo geral, os americanos não são pessoas com quem eu goste de fazer grandes amizades. Mas isso não quer dizer que não fale com toda a gente. Nunca tive problemas com ninguém. A não ser com alguns inquilinos que se esquecem de pagar as rendas…Que interesses tem, para além do trabalho?Agora interesso-me por avionetas. Comprei duas e andei a aprender a pilotar. Assim que as conseguir legalizar vou trazê-las e estacioná-las ali em Santarém.Como foi isso? É uma paixão tardia?Ainda antes de trabalhar na exploração do petróleo, no Alasca, andei muito de avioneta, quando estava no Canadá. Os trabalhos de construção eram em zonas distantes e quando mudávamos de um lado para o outro viajávamos nas avionetas das empresas. E eu a partir daí fiquei a gostar de voar. Naquela altura não tinha vagar para andar a pilotar nem dinheiro para pensar em comprar um aparelho. De há quatro anos para cá é que comecei a pilotar.Os seus filhos costumam ir visitá-lo ao Alasca?O meu filho já lá foi. A minha filha não. Tenho quatro netos, dois de cada filho. Mas eles não querem ir para lá e eu estou a arrumar a minha vida lá para regressar a Portugal.Os seus netos fazem-lhe perguntas sobre a sua vida?Não, mas a culpa também é minha. Eu não sou pessoa de grande conversação. Praticamente só falo o indispensável. Esta conversa convosco é uma excepção.
Jack Fernandes passou toda a vida a trabalhar com temperaturas muito abaixo de zero

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