uma parceria com o Jornal Expresso

Edição Diária >

Edição Semanal >

Assine O Mirante e receba o jornal em casa
31 anos do jornal o Mirante

“Deus me ajude! Aqui vou eu!”

As tradições devem ser defendidas com unhas e dentes?A tradição pode limitar a criatividade. Num rancho folclórico - eu falo nisso porque fiz parte do rancho Os Camponeses de Riachos – congelamos uma determinada época e tentamos recriá-la, representá-la, como ela era. Não faz sentido introduzir nada de novo. No fado não é assim. É algo que evolui. Que recebe bem inovações. Que necessita de inovações para evoluir. Melhorar. Mesmo a Amália Rodrigues fez imensas mudanças ao longo da sua carreira. Cantou de tudo e com os mais diversos instrumentos a acompanhá-la. Não se limitou ao xaile preto ao nível do vestuário. Alterou, inovou, mexeu com tudo. Inovou a tradição. Uma vez um guitarrista dela, defensor acérrimo da tradição e purista do fado, disse que ela andava a cantar umas “cançõeszecas”. Hoje são considerados grandes fados. Gosta mais de cantar com viola, guitarra e baixo ou quando também tem a acompanhá-la outros instrumentos como o piano, o saxofone, o violoncelo?São abordagens diferentes. Têm a ver com o local onde estou a cantar. Com o público, com a sala. Eu gosto desta versatilidade. Já viu o filme Fados do realizador espanhol Carlos Saura? Essa questão da origem ou das origens do fado, interessa-lhe?Não sou historiadora. Quem for que se dedique a isso.Vai ver o filme?Faço questão de ir ver mas não é uma prioridade. Já falei com quem viu. Dizem-me que se poderia chamar Músicas do Mundo ou Outras Músicas e um Bocadinho de Fado.Há quem diga que é ousado porque ele inovou porque aparecem pares, a dançar o fado…Grande novidade!!! O fado dançava-se nos salões da nobreza. Era tocado no Piano e dançado. Não era cantado. Há até quem diga que era tocado no Cravo e não no Piano. Depois veio para o povo e como o povo não tinha Piano pôs a guitarra portuguesa que era transportável. Só porque foi um espanhol a fazer o filme toda a gente diz que está lindamente. Se fosse um português que tivesse esta ideia era crucificado. Lá continuamos com – desculpe o termo – esta mediocridade de pensamento que diz que tudo o que vem de fora é que é bom. E então se fosse um americano a fazer o filme, era maravilhoso. Mas isto sou eu a falar.Porque é que as editoras apostam mais em mulheres fadistas do que em homens?Há sempre a questão da beleza exterior. Uma mulher acaba por ser, enquanto “produto”, mais vendável. Acaba por ser mais fácil “vender” uma fadista do que um fadista. Penso que são questões meramente comerciais.Cantar em casa, na sua terra, como é? É mais fácil, ou partilha a ideia que Santos de casa não fazem milagres?Cada vez que canto em Riachos é uma nervoseira que nem aguento. Por mais que digam que estou em casa e que não há problema se algo correr mal, é precisamente ao contrário. É quando a responsabilidade é maior. Quando vou cantar a outro lado o que está em causa é a fadista. Aqui estão a ver a Teresa que é daqui. Que cantou no coro e dançou no rancho. Que as pessoas contactam todos os dias. Aqui sabem mais da pessoa do que da cantora. É diferente. E mais difícil. Tem algum ritual antes de entrar em palco?Naqueles minutos antes de entrar em palco gosto de ficar sozinha, calada. Apenas isso, mais nada. Bastam-me dez minutos. Cinco minutos. Quando isso não é possível fico uma pessoa diferente. Fico com mau feitio. Fico tensa. Reza? Benze-se?Rezo à minha maneira. E quando oiço anunciarem-me o meu nome digo qualquer coisa como: “Deus me ajude! Aqui vou eu!”Consegue estar muito tempo afastada dos palcos?Quando estou uma semana de férias, o que é raro, sinto falta do palco, do público, dos aplausos. São o meu alimento. A família queixa-se e precisa de mim e da minha presença mas isto faz parte de mim. Por isso acho que nunca deixarei de cantar. Que nunca acharei enfadonho subir a um palco. É um prazer renovado, redobrado. Caramba! Será que se pode ter uma vida melhor?O que canta à sua filha?Cantigas infantis a maior parte das vezes. No carro ou aqui por casa. Às vezes passamos momentos muito divertidos a cantar. E a Beatriz também já sabe alguns versos de fados que eu canto.

Mais Notícias

    A carregar...