“Os aficionados são tão exigentes que há toureiros que recusam tourear em Vila Franca”
António Cardoso ‘Nené’ é um empresário que gere as praças de toiros com sentimento
António Manuel Cardoso “Nené”, 53 anos, é o responsável pelos cartéis da Praça de Toiros Palha Blanco há seis anos. O antigo forcado reage às críticas duras dos aficionados de Vila Franca com a mesma naturalidade com que recortou na cara dos toiros durante 25 anos. O empresário de Alcochete dirige várias praças na região há 26 anos e é apoderado de algumas das maiores figuras do toureio, mas garante que isso não influencia as escolhas para Vila Franca. Depois da Feira de Outubro, vai pensar se continua na liderança da praça. Nesta entrevista aplaude a união de aficionados que estavam de costas voltadas e explica que o apoio do município é uma compensação para centenas de borlas que suporta.
O que é que o prende a Vila Franca, sendo um empresário contestado por alguns aficionados e agentes da festa brava?Eu gosto das críticas e respeito todas as formas de pensar. O amor que eu tenho por Vila Franca, por este bairrismo e por esta paixão taurina que aqui se vive, dá-me um entusiasmo muito grande para organizar estas corridas de toiros. Sendo um público exigente, o desafio é mais aliciante porque temos de sentir essa responsabilidade.Nunca se sentiu injustiçado, nem mesmo quando foi vaiado e apupado pelo público da Palha Blanco?São maneiras de reagir no calor da aficion. Se calhar não pensam no que dizem e fazem, mas eu passo ao lado dessa reacções. Eu gosto que falem de mim mesmo que seja para dizer mal. Quando não se fala do empresário é mal sinal. Mas devo dizer que não sinto nenhuma mágoa e sinto-me apaixonado por Vila Franca, embora sendo de Alcochete.Tem tomado opções muito polémicas na montagem dos cartéis. Quais são os critérios que o orientam?Em Vila Franca e nas outras praças que estou a gerir procuro dar oportunidade aos novos toureiros que são a continuidade da festa. Nesta Feira de Outubro coloquei um grande sentimento na montagem dos cartéis com o apoio e a opinião do Clube Taurino Vila-franquense e do grupo de aficionados Vila Franca Toiros. Reunimos vários taurinos de Vila Franca e chegámos a um consenso. É uma feira de triunfadores alternando com jovens promessas?Tem de haver algum equilíbrio. Fazemos um grande esforço para trazer toiros com quatro anos, peso, apresentação e trapio. A bravura, nem o toiro sabe se a tem. Temos cavaleiros e toureiros de valor. O Leonardo Hernandez, por exemplo, recusou tourear uma corrida no Campo Pequeno para estar aqui no dia 9 de Outubro, assumindo um compromisso que tinha para tourear nesta praça. Julgo que Vila Franca vai corresponder e vamos ter uma feira taurina à altura das grandes feiras do mundo.O senhor é apoderado de vários toureiros. Esse facto não condiciona as suas escolhas?Eu sou apoderado de figuras de toureio que vêm a Vila Franca pelo seu real valor e não por estarem a trabalhar comigo.O Município de Vila Franca tem dado um apoio significativo à sua empresa?Tenho de agradecer à senhora presidente Maria da Luz Rosinha e a toda a câmara pela forma como tem apoiado a festa dos toiros. Tem havido algum empenho e apoio financeiro, que nunca é suficiente.A câmara compra bilhetes para oferecer aos jovens e idosos…Isto é uma contrapartida de serviços. A câmara ajuda-nos dessa forma e nós ajudamos a promover a festa com várias iniciativas. No dia 10, vamos fazer um espectáculo gratuito para o público, que custa dinheiro à empresa. A câmara tem de estar mentalizada para ajudar a empresa, caso contrário não é possível.Há muitas borlas na praça?Repare no Colete Encarnado, eu pedi uma listagem dos campinos que entraram na praça e conferi que entraram 90 campinos. Isto é dinheiro. Na Feira de Outubro vai acontecer o mesmo. A Festa é de Vila Franca, não pode ser a empresa a suportar estes custos. Eu gosto muito de Vila Franca mas também preciso de dinheiro para viver. Tenho a minha casa e as minhas obrigações.Há um apoio recíproco…Eu agradeço piamente o apoio da câmara, mas já não sei quem apoia quem e não quero quantificar. É assim que andamos e enquanto eu entender, é assim que continuamos a andar. Diz-se nos ‘mentideros’ que tem ganho bom dinheiro em Vila Franca?…risos. É uma grande mentira. Vila Franca tem andado de costas viradas para a praça e o empresário tem sofrido com isso. Felizmente, as pessoas começam a conversar e tem sido feito um esforço para unir os aficionados. As pessoas cansaram-se de estar de costas viradas, reflectiram e perceberam que o caminho era este. Quero agradecer ao Clube Taurino e ao Vila Franca Toiros essa ajuda.Já notou resultados no Colete Encarnado?Já vimos mais gente na praça no Salão do Cavalo em Maio e no Colete Encarnado em Julho e espero que agora terminemos a temporada em grande com uma grande Feira de Outubro. As pessoas estão motivadas, contentes e estamos todos a trabalhar para dignificar a Palha Blanco que é uma praça com responsabilidades.O senhor ganhou mais ânimo para continuar em Vila Franca na próxima temporada?Vamos ver, o contrato termina no final do ano. Depois da Feira de Outubro ainda espero fazer mais uma corrida engraçada para a qual estou a ser desafiado pelos vila-franquenses. Depois vamos amadurecer e Vila Franca dirá se quer continuar a ver a mesma cara ou se quer mudar o visual do empresário. Se tiver que sair saio airosamente e agradecido a Vila Franca e a toda a gente que tem colaborado comigo.Como agente da festa brava, como vê a possibilidade de colocar a cobertura na praça Palha Blanco?Um multi-usos é uma solução mais segura para todos. Pode haver espectáculo todo ao ano. A Palha Blanco não está preparada para isso. Ficaria com uma lotação reduzida a metade. Se com quatro mil lugares é muito difícil gerir uma praça, imagine com metade da lotação. Montar um espectáculo de qualidade custa muito dinheiro é não seria rentável. Com metade da capacidade, a Palha Blanco passará a ser uma praça vulgar sem figuras e perdendo o carisma que tem.A Palha Blanco é uma praça centenária e eu acho que é um monumento nacional que deve ser preservado. Não há condições para a alterar. Está entre uma estrada nacional e a linha do comboio e construir uma praça noutro sítio é desvirtuar. E colocar uma cobertura simples, mantendo as bancadas como estão?Essa ideia já é concretizável, mas a Palha Blanco tem de manter o seu carisma, o seu cheiro e tudo aquilo que faz dela uma das praças mais castiças do país.A proximidade do Campo Pequeno é positiva ou afasta público de Vila Franca?Cada praça tem o seu público. O Campo Pequeno tem um público fácil que não é tão exigente como em Vila Franca. Aqui tem de se tourear de verdade e os toureiros têm de se arrimar e dar tudo. Vila Franca é o oposto do Campo Pequeno. Aqui a aficion é exigente de mais para o toureiro, tanto que há toureiros que recusam tourear em Vila Franca. Eles lá sabem porquê…As praças desmontáveis tiram dignidade à festa?Há sítios com grande aficion onde se justifica montar uma praça para fazer corridas nas festas anuais. Já não faz sentido dar uma corrida em Vila Franca e fazer outra em Alverca, Forte da Casa, Póvoa de Santa Iria. Isso é uma aberração e não valoriza a festa. Se as pessoas vão à corrida ao pé de casa, já não vão a Vila Franca. O senhor tem que ir ao banco e não é o banco que tem que ir a sua casa.
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