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“A visão paroquial dos autarcas tem os dias contados”

“A visão paroquial dos autarcas tem os dias contados”

Silvino Sequeira deixa Câmara para gerir Programa Operacional do Alentejo

Silvino Sequeira entrou numa nova fase da sua vida, após o grave problema de saúde que sofreu em Setembro e das novas funções em que foi investido como gestor do Programa Operacional do Alentejo eleito pelos autarcas. Depois de 22 anos como autarca na Câmara de Rio Maior, desacelerou o ritmo de vida e passou a pensar mais em si e na família. Atribui a Deus e à medicina o facto de ainda estar entre os vivos.

Como tem vivido estes primeiros dias afastado das funções autárquicas?Com total naturalidade, até porque quem fica na câmara é a melhor solução para o concelho de Rio Maior. E também com grande tranquilidade, própria de quem tem consciência que deu o melhor de si e colocou sempre os interesses do seu concelho acima de quaisquer outros.A carreira de autarca termina aqui? Chegou ao fim de um ciclo?Em princípio sim, embora nunca se possa saber o dia de amanhã. Mas é uma hipótese muito remota.Já tinha decidido que este seria o seu último mandato antes de ser convidado para as novas funções?Não. Mas de há uns tempos a esta parte sentia alguma debilidade física, cansava-me muito. Tinha outros sintomas. Estava a ser um bocado difícil continuar a manter o ritmo de vida que imprimi ao longo dos 22 anos em que fui presidente de câmara. Sempre deixei o Silvino de lado e chegou a altura de pensar no Silvino.No seu subconsciente não fica qualquer resquício de culpa pelo facto de abandonar a câmara antes do final do mandato? Não sente que pode ter defraudado as expectativas das pessoas que votaram em si?As pessoas compreendem perfeitamente. Penso que tomaram consciência do que passei no dia 8 de Setembro. Quem me acompanhou tem consciência de que houve momentos em que estive mais do lado de lá do que do lado de cá. E as pessoas percebem perfeitamente que tinha um ritmo de vida galopante. Nos últimos tempos estava na câmara, era membro do conselho directivo da Associação Nacional de Municípios Portugueses, tinha reuniões da NAER, do Plano Regional de Ordenamento do Território, da CULT… As novas funções são uma forma de pôr a sua vida a andar a uma rotação mais baixa?Sim. O bichinho da causa pública é terrível. Às vezes, a dois anos de distância, pensamos em não nos recandidatar a mais um mandato, mas depois quando chega a hora as pressões são grandes... Para mais quando se tem a sorte de fazer obra.Foi só sorte?Sorte porque apanhei logo o FEDER (fundos comunitários), um bom momento do poder local. E tive a sorte de ter boas vereações e de ter um feitio que provoca um fácil relacionamento. O que possibilitou a Rio Maior aproveitar muito bem os fundos comunitários. Muito para além das próprias expectativas. Houve um conjunto de circunstâncias que efectivamente me favoreceu e aos que estiveram comigo. Porque isto é como um grupo de forcados e eu sou só o que vai à frente. Quando é para receber as flores e os aplausos só vai um. Mas se não tiver um primeiro ajuda, um segundo ajuda, até ao rabejador, não se consegue fazer nenhuma pega boa.Mas também houve muito dinheiro mal gasto nessa altura por esse país fora.Acho que não estávamos preparados para receber esse dinheiro. E as pessoas não podem ser injustas. No cômputo geral o país beneficiou muito com os fundos comunitários. A maior parte do dinheiro foi bem investida. Mas com certeza que houve situações em que o dinheiro poderia e deveria ter sido mais bem aplicado. E não culpem os autarcas.Porquê?Os autarcas são o fim do percurso. As obras só são feitas porque quem gere os fundos comunitários apoiou a candidatura. E porque quem está no Governo apoiou o contrato-programa. O presidente da câmara é eleito para defender os investimentos no seu concelho, não é eleito para defender os investimentos da região.Já sente saudades da Câmara de Rio Maior?Não, porque tenho cá estado todos os dias. Mas é natural que com o tempo vá sentindo saudades. E como tenho mais tempo é com um certo prazer que vou olhando para coisas que se fizeram que já nem me lembrava. Não está a ser difícil decidir cortar as amarras?Não. O facto de ter pedido apenas a suspensão do mandato significa que quer desligar-se aos poucos? Pedi a suspensão de mandato porque não queria renunciar. Se me obrigassem a renunciar neste momento era muito difícil. Porque também não sei o que vou encontrar. É um ano também para ver como correm as coisas.É um tiro no escuro?É um bocadinho porque é a primeira vez que existem estas figuras dos gestores indigitados pelas autarquias. É uma vivência que quero experimentar para saber se sou útil ou não. Porque tenho um passado de vida pública e só continuarei nestas funções se sentir que posso ser útil.Recusa-se a ir para uma prateleira dourada.Sim. Aliás já falei com quem de direito, porque uma das minhas preocupações é ter reuniões sistemáticas nos vários distritos com todos os presidentes de câmara. Isso ficou acordado entre nós porque entendo que o bom exercício destas funções passa por manter boas relações periódicas com todos os 58 autarcas.Vai ser obrigado a ter um conhecimento mais profundo da realidade alentejana. Com certeza. E quem melhor que os autarcas para transmitir isso? A sua base de trabalho vai ser onde?Será em Évora mas a presidente da CCDR já me designou para assumir a relação com o programa temático de valorização territorial.É nessa área que irá actuar?Sim. Embora tenha responsabilidades como os meus colegas da comissão directiva, reconheceram que estou mais vocacionado para isso e aceitaram. Portanto a minha relação privilegiada vai ser com os autarcas.Como vai ser gerir os projectos referentes a Rio Maior?Da mesma forma que o fiz quando fui governador civil de Santarém. Penso que apesar de ter passado só 11 meses no Governo Civil ninguém me pode acusar de distanciamento em relação a qualquer município. Até porque vou pertencer a uma comissão directiva e as decisões são balizadas. Não são de carácter arbitrário. O que tenho obrigação é de dizer aos meus colegas qual é o melhor caminho para atingirem os seus objectivos. Relativamente a Rio Maior, se sentir algum constrangimento peço para não votar. Além disso comprometi-me com os meus colegas que só estarei neste lugar enquanto eles quiserem. Já está preparado para os habituais pedidos e pressões por parte dos seus colegas autarcas? Até porque vai estar em causa a distribuição de muito dinheiro.Estou preparado para os pedidos e não só… Sei perfeitamente que tendo sido eleito pelos meus colegas vou ser escrutinado. Os presidentes de câmara são todos generais.Como vai gerir as habituais guerras de capelinhas quando está em causa a atribuição de fundos?Com bom senso, com regras claras de transparência, com frontalidade, olhos nos olhos.Acha que é isso que tem existido até à data?As novas regras deste quadro de referência são um desafio grande para quem as quer impor e para quem tem de executar. O escrutínio sobre como se vão gastar os dinheiros comunitários vai ser mais rigoroso do que tem sido até aqui. E o facto de se privilegiar candidaturas de projectos que envolvam vários municípios é um grande desafio que vai ser colocado aos presidentes de câmara. Porque aquela visão paroquial tem os seus dias contados.Essa visão paroquial continua a ser um defeito genético dos autarcas?E por que não virtude? Se temos hoje o país que temos não advém disso?Acha uma virtude a visão bairrista, de capelinha?Tudo tem o seu tempo. Mas esse tempo parece ainda não se ter esgotado? Basta olhar para o projecto Águas do Ribatejo, por exemplo.Pois, mas esse é um projecto que já vem do quadro comunitário de apoio anterior. Nem sei até em que ponto é que está.O projecto do novo aeroporto de Lisboa não envolve também visões demasiado bairristas em detrimento do interesse do todo nacional?A visão bairrista, de capelinha, produziu o poder local que temos. Esse poder local acabou. Tenho dito em variadíssimas oportunidades que tive a sorte de viver um poder local em que a população queria uma escola primária e nós fazíamos. Queriam uma estrada e fazia-se. Eu vivi este poder local que, na minha opinião, está a dar as últimas.Qual é o poder local do futuro?É eu perceber como presidente de câmara que o meu território não se confina ao meu concelho e que faço parte de um território muito maior de que sou uma peça tipo puzzle. Tenho de ser a parte de um todo. É este desafio que se coloca. Até os planos directores municipais (PDM) deviam ser revistos em conjunto. Não faz sentido Rio Maior estar a rever o PDM sem falar com Santarém, com Caldas da Rainha, Cartaxo ou Azambuja. A nós, autarcas, compete-nos batermo-nos por isso. Quanto a isso estou de consciência tranquilíssima. O que falhou no processo Águas do Ribatejo?Mais do que falar do passado, acho que a pouco e pouco vão-se criando condições para que situações dessas não se repitam. Perdem todos. E se eu puder de algum modo contribuir nestas novas funções, só por isso quase que vale a pena lá estar. A localização da sede da futura região de turismo de Lisboa, Vale do Tejo e Oeste é outra questão que está a exacerbar bairrismos. Não podemos andar com guerrilhazinhas destas. Este género de serviço deve ter uma localização que beneficie não só um concelho como a própria região. Qual é a sua opinião sobre o assunto?Como se sabe Rio Maior integra a Região de Turismo do Oeste. Na minha opinião a sede da nova região de turismo deve ficar num local que potencie o turismo.E Santarém pode ser um bom local?Porque não? Tal como Rio Maior ou Óbidos. Mas Santarém é capital de distrito, tem uma história por detrás, tem uma riqueza e uma importância muitíssimo grande que não se pode descurar.
“A visão paroquial dos autarcas tem os dias contados”

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