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“O humor é uma arma muito forte”

António Gonçalves o novo artista do Cartoonxira

Desenhou uma “Condolezza” cozinheira ao lado de um Buch de orelhas proeminentes a preparar uma refeição armadilhada. Inventou um jogo de ping pong algures entre Alcochete e Ota e colocou uma mulher em fuga da polícia subjugada pela antiga lei do aborto. E conseguiu ser convidado pelo clã do cartoonxira para expor no celeiro da patriarcal. António Jorge Gonçalves tem 43 anos e é um verdadeiro “inimigo público”.

Como surgiu a oportunidade de expor no Cartoonxira?O António Antunes falou comigo e foi uma surpresa muito grande. Fiquei um bocado babado por três distintos senhores me terem convidado a integrar o grupo. Cheguei ao cartoon há quatro anos basicamente com o “Inimigo Público”. Nunca foi nada que tivesse pensado…Foi a sua primeira experiência em cartoon?O meu percurso foi feito essencialmente na banda desenhada e embora sejam coisas que às vezes estão muito próximas são universos completamente distintos. De facto nunca tinha feito cartoon, muito menos político. Esse exercício de opinar sobre assuntos de actualidade só com uma imagem era uma coisa que nunca tinha feito.É um exercício complexo?É um exercício muito desafiante. Tanto que quando o director do “Inimigo Público” me propôs fiquei um pouco à rasca. Gosto de desafios, mas acho que demorei quase um ano a perceber qual iria ser a minha postura. O cartoonista de alguma forma é um comentador. A actividade do cartoonista está mais próxima do cronista do que do desenhador. Utiliza de facto o desenho, mas na realidade o que está a fazer é a comentar ou dar eco de opinião sobre um assunto de actualidade. E isso é um bocadinho diferente da tarefa que já tive há muitos anos de contar histórias. Porque estas histórias são verdadeiras…E já encontrou o seu estilo?Acho que tudo é possível. Aquilo que é a minha postura actualmente como cartoonista tem a ver com o facto de publicar no “Inimigo Público” que tem determinado tipo de perfil. Portanto o que demorei a encontrar foi o que fazia sentido estar naquele suplemento. Se começasse a fazer cartoon para outro sítio não sei se não teria que pensar em tudo outra vez. Quando falo em encontrar o estilo não falo na questão de encontrar um traço. É uma questão de perceber o que é que eu sinceramente tenho a dar de opinião sobre o assunto. É antes de mais um exercício de leitura sobre o mundo e depois um exercício de leitura sobre aquilo que os meios de comunicação dizem sobre o mundo. Foi uma responsabilidade que o obrigou a estar mais atento à actualidade?Sem dúvida. Confesso que acho que foi das melhores coisas que me aconteceram. Obrigou-me a ler mais que um meio de comunicação social - e nós sabemos que as notícias variam muitas vezes de jornal para jornal. Tentar encontrar a nossa própria opinião é um exercício que nós muitas vezes não fazemos. Ou porque não queremos saber, porque estamos nas tintas, ou porque muitas vezes nos limitamos a absorver aquilo que são as opiniões dos outros – com quem simpatizamos e respeitamos – e das quais nos apropriamos como se fossem nossas. A fase de criação é a mais dolorosa?A maior parte do tempo que gasto é a digerir. Quando parto para o desenho já sei o que vou fazer. Não acho que a ideia principal do cartoon seja fazer uma piada. Acho que o cartoonista não quer fazer as pessoas rir. Quer expressar uma opinião usando da ironia que comporta um certo distanciamento. É por isso que o humor é uma arma tão forte. Qual foi a problemática mais difícil de transpor para o papel?Uma das que me fez suar mais foi o referendo sobre o aborto. É um assunto complexo. Não foi a lei que o fez tornar-se um assunto simples. Havia uma crispação na sociedade portuguesa na altura sentia que era assunto incontornável, mas tinha que perceber – para além de todas as vozes – o que é que eu realmente achava sobre o assunto. Já tinha uma opinião pré-definida?Acho que as nossas opiniões vão sempre mudando um pouco. Muito mau é quando assim não é. Podemos ter convicções éticas, mais ou menos inabaláveis, mas acho que se estivermos abertos para aquilo que se passa fora podemos ser surpreendidos todos os dias. Não surpreendidos por aquilo que acontece. Surpreendidos por aquilo que nós achamos e por aquilo que nós fazemos perante aquilo que a vida nos oferece. Encara a mudança como uma coisa natural ao longo da vida…Sim. E não terei problema nenhum se um dia um cartoon meu transmitir uma opinião diferente daquela que noutra altura quis passar.Não o assusta o problema da contradição de que falava o outro António…Não, de resto ele falou justamente nisso. Que a vida não é sem contradições. Acho que isto é tudo muito mais complicado do que realmente parece. Nós é que tendemos a simplificar para poder levar a vida todos os dias.Gosta sempre daquilo que faz?Não, não. Para mim o cartoon é uma arte muito difícil. É difícil chegar ao fim do ano sem achar que talvez 10 por cento daquilo que fiz realmente teve pertinência, mas também não me choca porque já me habituei a abraçar essa regra. Ninguém que escreve para jornais ou televisão tem a pretensão de que tudo aquilo vá ficar. A maior parte de tudo é comida na voracidade do tempo. E os assuntos desaparecem da memória colectiva e individual. Acho que é assim com os cartoons.

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