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Conversa em ascensão à volta de uma foto antiga

Conversa em ascensão à volta de uma foto antiga

Esqueçam a tradição, a religião, os trigais em flor de que fala a canção. A semana da Ascensão na Chamusca é um espaço de convívio, confraternização, reencontros. Para a maior parte do pessoal da terra a festa fazia-se apenas com touros, petiscos e copos. Alegria não falta.

Clic! No meio de um trigal, no campo da Chamusca, entre chilreios de pássaros e risos dispersos, a máquina fotográfica de O MIRANTE registou um momento único e irrepetível da vida de sete miúdos. Foi há 14 anos, alguns dias antes de Quinta-feira de Ascensão. As máquinas ainda não eram digitais. O director do jornal levou os filhos e alguns amigos deles ao campo e encenou a apanha da espiga. Uma imagem para ilustrar um texto sobre aquela ancestral tradição. Alguns dos modelos de então já têm filhos. Nunca mais voltaram a apanhar papoilas, espigas, ramos de oliveira e flores silvestres. A festa para eles não se passa no campo mas na vila. Numa tasquinha qualquer a petiscar com os amigos, ou na rua Direita de S. Pedro a ver a entrada de touros.“Nunca apanhei espigas a não ser naquele dia”, confessa Vanda Faustino, 32 anos de idade. Ao lado, a filha Constança, que tem bochechas cor de romã, espera pela melhor altura de se escapulir e ir brincar no jardim. Provavelmente também ela nunca irá ao campo apanhar a espiga. A fotografia antiga foi o ponto de partida para uma conversa sobre a Semana da Ascensão; a festa; as recordações de adolescência e infância; a família, os gostos pessoais e as tradições. O ramo apanhado no campo era guardado em casa para dar sorte. Havia quem o pusesse atrás da porta de entrada. João Isidro Estêvão, conhecido por Joly, sorri abertamente. “Atrás da porta a minha avó costumava ter a vassoura. Não me lembro de ver espigas ou papoilas lá por casa”.O primo João Carlos Estevão, o amigo Carlos Pinto, Joana e Marta Emídio sorriem também. Nenhuma delas se lembra de ramos de espigas nas casas de família. “O ano passado andava aí o Sílvio com uma carroça puxada por um cavalo, a recolher pessoal para ir com ele ao campo apanhar a espiga, mas a única vez que eu fui fazer isso foi no dia em que a fotografia foi tirada. Tinha 10 ou 11 anos”, conta Marta Emídio.Ana Rita Cardador também estava no grupo mas foi a única que faltou ao encontro alegando “motivos de agenda profissional”. Carlos Pinto, técnico de produção de tintas, não pinta a manta durante a Semana da Ascensão. Casado, pai do pequeno Diogo, tem um feitio sossegado. Gosta da entrada de toiros e acompanha a esposa a alguns espectáculos, mas a sua rotina não se altera substancialmente durante o tempo que dura a grande festa da Chamusca.João Carlos Estêvão, electricista, ainda guarda o recorte do jornal onde a fotografia foi publicada. “Tinha 15 anos. Foi a primeira vez e a última que andei a apanhar a espiga. A Ascensão, para mim, são os touros e os copos. O convívio com os amigos”. O Joly conta que há um dia da festa que ninguem vai à cama “Temos um grupo que todos os anos se junta para um jantar quarta-feira à noite. É uma confraternização que dura até de madrugada. Só vamos para casa depois da entrada de touros, no dia seguinte”.Não há abstémios no grupo. Joana tenta demarcar-se e afirma que nunca apanhou uma bebedeira no decorrer da festa. Há gargalhada geral. Vanda começa a avivar-lhe a memória. “E daquela vez ao pé do palco da juventude?! E daquela outra…”. A candidata a santa recupera a memória e ri-se também, com gosto. Alinha na brincadeira e fala de uma lendária campeã da copofonia, a própria irmã, Marta. “Foi a camisola amarela o ano passado”, diz João Carlos Estêvão. Perante a perplexidade do repórter explica. “É a volta das capelinhas (leia-se bares)”. Mas há outros campeões no grupo. Dias não são dias e a festa é uma vez por ano. “O Joly também é um ás mas é discreto. É uma espécie de camisola rosa. Líder do prémio da montanha”.Vanda recorda a sua aficion. “Eu sou maluca por touros. Por mim a festa podia resumir-se à entrada, às corridas e às picarias. Na Quinta-feira de Ascensão só não me aventurava mais porque ainda dava um ataque de coração à minha mãe”. Vanda chegou a integrar um grupo de raparigas que pegava touros. Uma experiência que durou pouco tempo. “Eles eram os forcados. A nós chamavam-nos as forçadas. Ainda peguei um novilho. Fiquei com a barriga toda pisada. A minha mãe avisou-me que na próxima vez o corpo todo ficaria negro com a sova que ela me daria”.No final, antes de uma foto de grupo, é feita uma proclamação, aprovada por unanimidade e aclamação. “A Semana da Ascensão é o local de encontros, reencontros, convívios e confraternizações. Desde que haja touros e tasquinhas a festa não acaba!!”
Conversa em ascensão à volta de uma foto antiga

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