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Quando a espiga era apanhada a caminho do bailarico na casa do Crispim da Ponte

Quando a espiga era apanhada a caminho do bailarico na casa do Crispim da Ponte

Virgínia Augusto é das poucas que ainda mantém a tradição de Quinta-feira da Ascensão

A espiga simboliza o pão, os ramos de oliveira a paz e a videira vinho e alegria. As flores, essas, têm um significado conforme sua cor: malmequer é ouro e prata (riqueza), papoila, amor e vida e o alecrim, saúde e força.

Três espigas de trigo (ou cevada ou centeio), três malmequeres amarelos ou brancos, três papoilas, um ramo de oliveira em flor, uma esgalha de videira com cacho em formação e um pé de alecrim ou rosmaninho. Juntam-se todos os “ingredientes”, atam-se com um cordel ou fio de ráfia e está feito o ramo da espiga que, em casa, virado para baixo, fica de um ano para o outro para dar sorte e fartura. A apanha da espiga é uma tradição que se comemora todos os anos na Quinta-Feira da Ascensão, dia em que a Igreja comemora a ascensão de Jesus Cristo ao Céu. Mas a tradição já não é o que era, pelo menos na Chamusca, vila ribatejana que comemora o seu feriado municipal precisamente neste dia. Virgínia Augusto é das poucas que ainda faz o ramo. Moradora desde sempre na vila, faz questão de apanhar a espiga todos os anos, mas confessa ter cada vez mais dificuldade em encontrar as verduras e as flores que a compõem. “Antigamente viam-se muitas papoilas na beira das estradas, agora ou há prédios ou terras remexidas”. Aos 73 anos a idosa recorda com saudade o tempo da sua mocidade. A quinta-feira da Ascensão que anualmente começava com a entrada dos touros do Norberto Pedroso nas ruas da Chamusca e que acabava no bailarico na casa do Crispim, onde hoje é o café da Ponte. “Íamos sempre a pé, com os respectivos namorados, e pelo caminho fazíamos a espiga”.“Havia papoilas e os malmequeres à mão de semear e o ramo de oliveira era apanhado no terreno do Cabreira. O rosmaninho, a substituir o alecrim, era apanhado ali no ribeiro de Arraiolos”. Trigo não havia, por onde passavam, mas servia a aveia colhida nas sementeiras da beira da estrada. “Juntávamos tudo, atávamos com um cordel e quando vínhamos do baile não esquecíamos de pendurar o ramo lá em casa, para dar sorte e fartura todo o ano”.A Quinta-Feira da Ascensão ainda vem longe mas em cima da mesa da sala de Virgínia já há dois ramos feitos. Só o trigo e o ramo de oliveira são naturais, o resto é feito em papel. “Comprei-os lá em baixo na vila, a umas pequenas que andavam a vender. É para ajudar, para a escola”. Hoje em dia a espiga virou negócio e na Quinta-Feira da Ascensão há pessoas que aproveitam o aglomerado de gente (da terra e de fora) que assiste à entrada dos toiros para vender ramos de espiga, verdadeiros ou imitações de papel. “Há quem se levante de manhãzinha para apanhar os ramos para ir vender, a um euro cada. Eu cá levantava-me de madrugada era para ir trabalhar para o campo e tinha de dar ao dedo para chegar a tempo de ver os toiros” diz a idosa, criticando a juventude de hoje, que pouco liga às tradições. “O que querem agora é passear de carro e dançar em discotecas”.Natural ou de papel, o ramo da espiga tem de ser sempre feito a preceito para honrar a tradição e trazer harmonia para dentro de casa. A espiga simboliza o pão, para que nunca falte comida no lar, os ramos de oliveira a paz, tal como a pomba da paz que carrega no bico uma folha de oliveira, e a videira vinho e alegria. As flores, essas, têm um significado conforme sua cor: malmequer é ouro e prata (riqueza), papoila, amor e vida e o alecrim, saúde e força. “Este ano, se Deus quiser, antes ou depois da entrada dos toiros, ainda hei-de ir apanhar a espiga. Se não forem os velhos…”.
Quando a espiga era apanhada a caminho do bailarico na casa do Crispim da Ponte

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