Campino de calças de ganga a cavalo numa carrinha
O dia a dia de quem trata o gado bravo longe das encenações das festas
Joaquim Mendes, do Cartaxo, defende com afinco que a evolução da tecnologia não retirou encanto ao dia-a-dia da profissão de guardar e tratar do gado.Um campino é sempre um campino. A cavalo ou de tractor.
Faz-se transportar de jipe, entrega a ração aos touros num tractor agrícola e durante o trajecto até desliga o motor do veículo para ouvir melhor quem lhe telefona para o telemóvel, mas o campino do Cartaxo, Joaquim Mendes, 43 anos, a trabalhar para a Canas Vigouroux, rejeita que as transformações tecnológicas tenham descaracterizado a sua actividade. “Tudo se tem modificado na sociedade, há dez ou quinze anos atrás também ninguém tinha computadores”, argumenta o campino. A evolução de que se fala significou também uma redução de pessoal a trabalhar no campo – “agora um sozinho faz o que dantes era dividido por quatro ou cinco pessoas”, explica – o que obriga um campino a recorrer a meios motorizados para se deslocar mais rapidamente. Joaquim Mendes realça que, apesar das mudanças, o cavalo continua a ser uma ferramenta insubstituível para a execução de tarefas específicas.Enquanto há sol, Joaquim Mendes, campino a tempo inteiro há dez anos e por influência do pai ligado ao universo taurino desde os quinze, dedica o seu dia às 300 cabeças de gado de que é responsável. O trabalho duro entre as 7h da manhã e as 21h é “compensado quando os touros vão para as praças e saem bravos”. Às oito da manhã começa a ronda para dar ração aos touros, na Herdade do Emaús, na Castanheira do Ribatejo. Enquanto a despeja na manjedoura levanta a voz para chamar os touros. Ruídos que não teriam qualquer sentido se os touros não lhe respondessem à letra. “Eles associam a comida ao ruído do tractor e à minha voz a chamá-los”, explica ao ver os animais aproximarem-se. Já rodeado pelos touros apercebe-se que há um que quer “brigar”. “Quer mostrar quem manda, geralmente são os maiores que o fazem”, analisa.A roupa que usa é informal e está longe do típico traje festivo campino. De boina na cabeça, camisa interior, camisola, calças de ganga e botas compridas, o campino conduz o tractor até ao próximo grupo de touros bravos. Pelo caminho aponta para um grupo de bois cabrestos, animais mansos que o ajudam a transportar os touros quando é necessário. “Estes são mansos e quando os chamamos pelo nome reagem”. Joaquim Mendes caminha já, sem receio, entre o segundo grupo de touros. “Há alguns em que lhes mexo. O que é bravo na praça, é manso no campo”, justifica com um sorriso. Poucos metros ao lado, passa um comboio urbano a apitar na direcção de Lisboa e em frente está a enorme nuvem de fumo da chaminé da Central Termoeléctrica da Vala do Carregado. No outro extremo, o rio Tejo assinala o fim da propriedade. Foi neste cenário que cresceu também um outro touro que já está apartado dos restantes, para não lutar, que vai para uma lide Praça de Touros de Vila Franca de Xira, no dia 4 de Maio. Foi o último a ser servido na Castanheira do Ribatejo, antes da deslocação até à Herdade do Pombal, em Vila Nova da Rainha, onde o campino vai inspeccionar o estado de saúde de 77 vacas.Antes da viagem de jipe entre as duas herdades, conta que há dias mais duros. Entre Agosto e Outubro não há muita erva e tem que alimentar os touros com a própria mão. “É um castigo porque cercam o tractor e nem me deixam pôr a ração nos recipientes”, descreve.Em Vila Nova da Rainha, até chegar às vacas, é necessário percorrer um longo caminho sobre a erva ao abrigo da sombra dos sobreiros. Joaquim Mendes diz que aproveita a rotina da viagem, repetida diariamente, para organizar o muito trabalho que tem pela frente. Antes de se dirigir para o local onde se encontram os animais, faz um desvio para alimentar o touro Semental da ganadaria Palhas – “o touro pai dos outros”, com seis anos de idade e isolado para procriação. Perto dali há uma pequena praça de touros privada semi-abandonada, onde se fazem as tentas para averiguar o nível de bravura dos animais. O campino contorna, nuns dias a tractor, noutros a cavalo, como faz questão de reforçar, o campo onde as vacas estão concentradas e reconhece-as uma a uma. “Estas duas ficaram sem mãe. Criei-as desde pequeninas”, aponta para um par a seu lado. Desce do tractor, acaricia uma delas no lombo. “O nome daquela em que estive a mexer é Alexandrina”, partilha depois com orgulho nessa intimidade. Conta que, para os protegerem, as vacas escondem os bezerros recém-nascidos atrás dos arbustos. O seu olhar experimentado permite-lhe perceber no olhar e na atitude do animal quando ele está doente. Mas é outro assunto que mais o intriga naquele final de manhã: “Hoje falta-me aqui uma. Nem preciso de as contar”. Algumas voltas depois, lá a encontra e aponta para ela satisfeito.
Mais Notícias
A carregar...