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“Se me dedicasse somente à liturgia e à evangelização levava uma vida de lorde”

Quando começou a desenhar-se a ligação ao voluntariado e à acção social?No seminário iniciamos a nossa formação. O nosso ministério está voltado para os outros e para as carências não só a nível espiritual mas também a nível humano e material. Através das Conferências de São Vicente de Paulo, como seminaristas, já contactávamos com a realidade da pobreza na cidade de Portalegre. A nossa formação era a nível intelectual, mas voltada para a realidade concreta onde estávamos inseridos e para uma prática do exercício da caridade. A Igreja tem essas três dimensões: a evangelizadora, a litúrgica e a caritativa.E têm todas o mesmo peso?O exercício da caridade é a vertente mal amada. Porque todos os padres se preocupam com a evangelização, com o ensino da catequese, da pregação. Todos os padres se preocupam com o desenrolar da liturgia. E o exercício da caridade, voltado para os mais pobres, nem sempre acompanha as outras duas vertentes.A Igreja podia fazer mais nesse capítulo?A doutrina da Igreja diz que o exercício da caridade é igual à evangelização e à participação de culto na liturgia. Igualzinho. E só quando uma comunidade estiver realmente sincronizada na evangelização, na liturgia e no exercício da caridade é que se pode dizer que é verdadeiramente cristã. Porque é que isso não acontece?Porque traz muitos dissabores e muitos amargos de boca. Se me dedicasse somente à liturgia e à evangelização levava uma vida de lorde. E não faltava a nenhum dos meus deveres. Voltando-me também para o exercício da caridade devo-lhe dizer que não tenho férias. Nem um dia de descanso durante o ano.A formação religiosa foi fundamental para esse exercício da caridade?Marcou-me. A partir daí comecei a fazer opções na minha vida. Tive a responsabilidade de ser presidente das Conferências de São Vicente de Paulo, enquanto seminarista, e tive também a responsabilidade de ser presidente da Legião de Maria, que vinha igualmente ao encontro de uma visão espiritual, mas também humana. Entretanto começa a exercer como pároco.Nas paróquias que tive inicialmente comecei a sentir os problemas. As pessoas a aproximarem-se de mim e eu a ter de dar o meu contributo para tentar ajudá-las.Se não fosse padre agiria da mesma forma?Não agiria da mesma forma porque não tinha preparação nem formação para isso. Não é uma coisa inata. Venho de uma família humilde, mas a minha formação fez-me lançar nisso. Mais tarde fui para a Universidade Católica fazer o curso de Teologia Pastoral e aí escolhi precisamente como tema da minha licenciatura a droga.Porquê a droga?Era uma realidade que estava a começar e por outro lado conhecia já pessoas que estavam afectadas por esse problema e decidi aprofundar o tema. Mais tarde, em 1997, fundo em Abrantes o Projecto Homem com comunidades terapêuticas.O que fazem de concreto?Temos duas comunidades terapêuticas, apartamentos de reinserção social, equipas de rua. Tentamos curar, libertar da droga e inserir no mundo do trabalho.Como comenta o facto de haver várias entidades duvidosas a actuar nessa área?Quem quer fazer este trabalho tem de estar legalizado. Estamos licenciados pelo IDT, cumprimos as normas estipuladas, somos subsidiados e fazemos o nosso trabalho. Não podemos é andar aí a bater à porta de ninguém. Os vossos utentes são sobretudo desta região?Estamos abertos a pessoas de todo o país, mas temos sobretudo utentes da zona de Lisboa e Vale do Tejo. Das 55 pessoas que temos na nossa comunidade, a esmagadora maioria não tem recursos financeiros.A vossa comunidade funciona como um lar, um porto de abrigo para quem não tem onde se agarrar.Aparecem cada vez mais pessoas de idade com problemas de droga e de álcool que não têm onde ficar. A partir daí é que muitos vêm tentar libertar-se da droga e do álcool para poderem depois ganhar a vida.O abrigo familiar está a desaparecer aos poucos.Cada vez mais. O problema da nossa sociedade é sobretudo de valores. Confronta-se muitas vezes com casos de solidão?Sim, com casos de solidão e de gente rejeitada, posta na rua. Sobretudo jovens.Qual é a sensação que tem quando vê um utente sair pronto para enfrentar de novo a vida?São esses momentos que nos dizem que valem a pena sacrifícios na vida. O problema hoje na recuperação de toxicodependentes é que 90 por cento dos que entram estão lá pouco tempo e não fazem o tratamento todo. Quando se sentem bons julgam que já estão curados. E o mais importante da linha libertadora é feito no final. O processo é demorado, leva cerca de dois anos.

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