uma parceria com o Jornal Expresso

Edição Diária >

Edição Semanal >

Assine O Mirante e receba o jornal em casa
31 anos do jornal o Mirante
Divulgar a cultura popular a troco de umas horas de convívio

Divulgar a cultura popular a troco de umas horas de convívio

É nos meses de Verão que os ranchos folclóricos sobem ao palco a troco de nada

Durante o Inverno ensaiam danças e cantigas e preparam trajes tradicionais. São centenas de pessoas de uma dedicação inexcedível. No Verão, os ranchos folclóricos e grupos etnográficos distribuem-se por Portugal e pelo Mundo. A troco de nada divulgam a cultura popular.

A camioneta, cedida pela Câmara Municipal de Azambuja, parte por volta das cinco da tarde de frente do antigo matadouro da vila, hoje sede do Rancho Folclórico Ceifeiras e Campinos de Azambuja. Alguns dos elementos que vão dançar nesse dia seguem já trajados, outros preferem vestir-se no local onde vão actuar. Há muitos lugares vazios porque, como a deslocação não é longa há quem prefira levar o carro. A delegação que se desloca à Ribeira de Santarém é composta por 35 pessoas. É a quarta saída do Rancho em tempo de Verão. Vão retribuir a visita que lhes foi feita pelo rancho anfitrião.No banco de trás, os mais novos, entoam canções pouco folclóricas. Pedro Abrunhosa, a música do jingle publicitário de uma marca de gelados e até uma canção do Padre Borga. Há quem prefira ouvir outras músicas com os auscultadores postos e o olhar vago que se prolonga para lá da vidraça. Outros dedicam-se com afinco a jogos electrónicos. Os mais velhos conversam. Falam de tudo e de nada, contam anedotas. O Rancho Folclórico Ceifeiras e Campinos de Azambuja existe há 51 anos. Tem 80 membros, entre músicos, bailadores, cantadores e directores. Possui três grupos: cavaquinhos, adultos e infantis. No seu palmarés figuram três actuações em França, outras tantas em Espanha, uma na Alemanha e mais uma nos Açores. Sem conta, são as actuações que já fizeram país fora. O elemento mais velho tem setenta e dois anos e o mais novo tem seis. De 1957 para cá foram muitas as coisas que mudaram no seio do Rancho: trajes, danças, variedade de instrumentos e participantes. O espólio foi enriquecendo com adornos, instrumentos musicais e fatos típicos que se foram recuperando com os estudos etnográficos que se foram realizando. Uma mudança que vai “ ao encontro daquilo que nós fomos e não daquilo que nós somos actualmente”, segundo Francisco Santos, director deste rancho.A meio do caminho, em plenas curvas e contra curvas da Estrada Nacional 3, Maria Júlia pega no microfone e anuncia: “Não fiquem tristes comigo. Fiz a lista e escolhi os pares de acordo com a assiduidade e os trajes disponíveis”. Revela então os nomes dos pares de quatro que vão actuar nessa noite na Ribeira de Santarém. Ninguém contesta a escolha. Afinam-se agora algumas vozes em coro, cantando “A Miraculosa”. Mais logo, será a vez de trautear e bailar a “Aroeira”, “O Rapaz dos Tamanquinhos”, “O Caracol” e “ Esta casa está caiada”, entre outras. Uma actuação que não deverá exceder os 20 minutos e que pretende representar as décadas entre 1900 e 1920 de um Portugal rural e profundo. Ao contrário da história da formiga e da cigarra, este rancho trabalha de Inverno para colher os aplausos no Verão. “ Ensaiamos muito ao longo do ano. Aesta altura de Verão há muita gente que aproveita para fazer outras coisas e tem menos tempo para os ensaios”, refere Maria Júlia Carvalho, 43 anos, directora técnica do rancho. Por norma, os ensaios acontecem uma vez por semana, à sexta-feira, durante cerca de duas horas. E depois, mais 20 minutos, meia hora antes do espectáculo. O rancho Ceifeiras e Campinos de Azambuja consegue sobreviver graças ao bar da sua sede, dos subsídios das juntas de freguesia e da câmara municipal e da quotização dos associados (1 euro/mês). Mas numa época em que a televisão, o cinema, as discotecas e os dvd’s são reis, uma dificuldade maior levanta-se: cativar os mais novos. “Não sei que mais posso fazer para cativar os jovens. Temos alguns, mas não se compara com antigamente”, desabafa Maria Júlia Carvalho. No entanto, o objectivo do grupo mantém-se firme: “Queremos mostrar à geração futura que o passado tem de ser preservado. O folclore tem essa função”, garante Francisco Santos.Idos são os tempos em que se dançava neste rancho da Azambuja para se poder viajar ou comer à borla. Hoje, as motivações dos azambujenses são outras. “Estou aqui pela camaradagem e pela rapaziada que aqui encontro. O convívio é uma coisa bonita”, argumenta Olímpio Neves da Silva, de 72 anos. Argumento partilhado por Bernardo, de 10 anos, que gosta de dançar no rancho porque aqui arranja amigos e passa o seu tempo.Na Ribeira sem água nem luz mas com muita vontadeSituação diferente é a do rancho anfitrião, o da Ribeira de Santarém. Apesar de ser um dos mais representativos da região, continua há mais de cinco anos instalado numa sede provisória, onde não há água nem luz, o que limita o trabalho. A futura jurista Cláudia Menino, 26 anos, explica: “Estamos numa zona pobre, com muitos problemas sociais e disparidades. Recebemos aqui muita gente, nomeadamente pessoas muito desfavorecidas. O nosso objectivo é tentar colmatar essas falhas. Há ainda casos de pessoas que se juntam ao rancho para terem a oportunidade de conhecer sítios que, se não fosse através do grupo, não conheciam”. Às 18h30 a camioneta da Azambuja chega à estação de comboios de Santarém. Dois guias do rancho acolhedor deveriam estar à espera. Aproveita-se para ir ao café enquanto eles não aparecem. A hora avança e não há sinal de guias. Depois de alguns telefonemas, é decidido avançar para o local da actuação. O trajecto será curto.O rancho que convida oferece o jantar. E são muitos os comensais. Às 19h30 servem-se febras e caldo verde que fazem as delícias dos convivas. Não são poucos. Além dos ranchos ribatejanos, estão presentes o Rancho Folclórico Pedreiras de Porto de Mós, o Rancho das praias do Sado de Setúbal, o Rancho Camponeses da Beira Ria e o Rancho S. Mamede de Infesta.Na cozinha dos anfitriões a azáfama é muita. Várias mãos, todas voluntárias, ajudam a levar os pratos para as mesas enquanto as conversas flúem ao sabor do vinho e das várias bebidas. Por vezes, a luz falta por breves segundos. Noutro canto da sala, em jeito de brincadeira, aproveita-se para cantar os “Parabéns”. Batem-se palmas e a ocasião serve para descomprimir os nervos antes das actuações. Mais tarde é a subida ao palco para mais uma noite de divulgação da genuína cultura popular.
Divulgar a cultura popular a troco de umas horas de convívio

Mais Notícias

    A carregar...