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“Já senti vontade de matar um toiro mas pensei três vezes”

António João Ferreira é o mais jovem matador de toiros português

Nasceu em Santarém mas foi em Vila Franca de Xira que se formou “como toureiro e como homem.”. António João Ferreira, 24 anos, é o mais jovem matador de toiros. Tirou a alternativa a 22 de Julho e no sábado apresenta-se na corrida dos matadores na Palha Blanco. Sonha ser figura e confessa a frustração de não poder matar o toiro no seu país.

Quando é que descobriu o gosto pela festa dos toiros?Sempre fui uma pessoa ligada à vida no campo, aos toiros e aos cavalos. O gosto pela festa surgiu na minha vida com o meu tio que me criou e que foi como se fosse um pai. Ele (Jorge Santos) toureava a cavalo na altura e eu assistia aos treinos e às corridas. O meu tio fazia treinos com vacas e com os bandarilheiros. Adorava assistir e foi aí que descobri este mundo.Com um tio cavaleiro acabou por se entusiasmar pelo toureio a pé… Sempre gostei mais do toureio a pé. Seguia todos os passos dos bandarilheiros. Adorava a forma como falavam com o toiro, os passes de capote, toda aquela arte. Comecei a ganhar o gosto, mas em Santarém não tinha onde aprender e foi mais complicado.É aí que se muda para Vila Franca e entra na Escola de Toureio José Falcão?Foi um momento decisivo na minha vida. Tive a felicidade de conhecer a escola e começar a aprender com um grande toureiro. Mestre José Júlio foi o meu professor e ajudou-me imenso. Passava os dias em Vila Franca. Vivia para aprender a tourear. Quando comecei não sabia quase nada e fui evoluindo sempre com vontade de aprender mais. Foi tudo novo para si?Nunca tinha tido contacto com esta arte a sério. Tive a sorte de ter um mestre exigente e que sabe ensinar. A escola e o maestro José Júlio foram importantes para me formar como toureiro e como homem. O maestro educou-me bem e ensinou-me a fazer o toureio puro. Graças a Deus cheguei a matador de toiros, mas ainda não consegui nada. Tenho muito que aprender e quero tourear sempre melhor. Sinto que ainda tenho muito para aprender. Temos de ter humildade.Para se ser figura é preciso muito esforço e capacidade de sacrifício?Tenho consciência que é muito difícil. Tenho de trabalhar todos os dias com muito respeito pelo toiro e pelo público. Cada dia é mais um no aperfeiçoamento da nossa arte. Quais são as características mais importantes para se vingar como toureiro?O toureiro tem de ter arte, valor, talento, uma boa condição física…Tem de ser uma figura elegante e fazer os passes com elegância. Depois temos de ter uma grande capacidade para sofrer, lutar contra as adversidades e estar preparado para tudo.Até, no limite, para a morte?Penso na morte sempre que estou diante de um toiro. Não posso dizer que não tenho medo. Tenho medo e um grande respeito pelo toiro. Ele pode matar-nos a qualquer momento se não formos fortes e inteligentes. Temos de estar bem preparados e concentrados. A história da festa também se fez de tragédia.Tenho consciência de que arrisco a vida sempre que estou diante de um toiro. Nunca se sabe o que vai acontecer, mas isso faz parte da nossa vida. Temos de estar preparados para tudo. A profissão é o risco.É esse risco que também desperta tanto interesse dos novos toureiros? A adrenalina que sentimos diante de um toiro com 500 quilos e em pontas é enorme. Temos um desafio permanente. Sabemos que podemos levar uma cornada fatal e pensamos fazer o melhor para conseguir uma boa lide.É o 36º matador de toiros português. Alguns foram figuras, mas outros ficaram pelo caminho. A alternativa era um objectivo. E agora?Chegar a matador de toiros é como um jovem que acaba um curso e tem um diploma para poder trabalhar. Agora que tenho uma profissão tenho que lutar para a defender e dignificar. Vou fazer tudo para tourear cada vez mais e tentar ser o melhor possível.Com a ambição de ser figura?É claro que quero ser figura do toureio. Foi para isso que trabalhei com ganas para chegar aqui, mas reconheço que ainda não consegui o que pretendo. Quero aprender mais, fazer mais e conquistar o público.Porque é que escolheu Mont-de-Marsans, em França, para tirar a alternativa?Não foi uma opção minha. Gostava de ter tirado a alternativa em Badajoz porque era uma praça espanhola onde temos a catedral do toureio e era mais fácil deslocar o público português. A minha alternativa foi em França, mas numa praça com força e respeito pelo toureio e com um público exigente e que sabe ver o toureio a pé. Tive a sorte de ter muitos portugueses, incluindo uma grande comitiva de Vila Franca, a apoiar-me e estarei sempre grato a estes amigos.Como matador já se apresentou no Campo Pequeno.Foi uma boa corrida. É um orgulho ter-me apresentado na principal praça portuguesa e com um público que gostou e foi carinhoso comigo. Agora espero que tudo corra bem na minha primeira apresentação como matador de toiros no sábado em Vila Franca. É o meu regresso depois do Colete Encarnado e numa corrida de grande responsabilidade.Vai estar na corrida dos matadores em Vila Franca de Xira com toiros de Pinto Barreiros.É a minha apresentação como matador de toiros na minha terra adoptiva. Vou estar com excelentes toureiros e com toiros de Pinto Barreiros que têm nome e qualidade. Espero que seja uma boa corrida e que eu possa agradar ao público que me tem apoiado muito.Em Portugal falta a sorte de varas e a morte do toiro para dar mais verdade e emoção à lide?Na verdade isso retira emoção e dificulta a vida dos toureiros. Um toiro que não é picado tem um comportamento diferente e não permite um toureio tão templado. É desolador ser matador de toiros e não poder matar no seu país?É muito frustrante. Um matador de toiros não pode concluir a sua lide com a morte do toiro. Espero que ainda seja possível matar toiros nas arenas portuguesas. É preciso haver uma grande união dos toureiros e de todos os profissionais da festa.Já alguma vez sentiu vontade de matar o toiro em Portugal?Já tive essa vontade várias vezes, mas depois penso nas complicações que posso ter. Uma vez, em Vila Franca - quando havia a polémica de Barrancos e o Pedrito tinha morto um toiro na Moita - senti ganas para matar o novilho e fiz o gesto. Mas pensei três vezes. Não matei porque seria mau para mim. Uma caminhada feita a pulso com trabalho e humildadeO corpo franzino de António João Ferreira (1,76m e 60 quilos) não revela um jovem cheio de ganas para triunfar nas arenas. ‘Tojó’, como carinhosamente o baptizaram os amigos da Escola José Falcão, não nasceu num berço de ouro e tem feito uma carreira a pulso com a ajuda da família e dos amigos e admiradores. Pela mão do maestro José Júlio deu os primeiros passos e toureou pela primeira vez num festival em Monforte. Tinha apenas 14 anos. “O maestro alertou-me que o novilho era mais forte que o habitual e tinha três anos. Quando o vi, respirei fundo porque era um toiro. “Pensei, agora é que é a valer”, refere.O rapaz que nunca gostou de futebol ligou-se de corpo e alma aos toiros. Fez o percurso de novilheiro com distinção e preparou-se para ser matador de toiros.“A alternativa é um diploma para exercer a profissão”. A caminhada para ser figura ainda agora começou. António devora informação sobre a festa. Gosta de ver as corridas de Espanha e França e os vídeos com faenas das grandes figuras e dos novos toureiros. Costuma rever as suas actuações para ver onde errou e tentar corrigir os erros.António João Ferreira vive em Nimes e Mont-de-Marsans, em França, mas vem com frequência a Portugal e nunca dispensa a visita dos amigos em Vila Franca e da família em Santarém. Elogia as mudanças que estão em curso nas duas cidades de coração. Uma deu-lhe a vida. A outra deu-lhe a oportunidade de se fazer toureiro.“Quero ser figura e ajudar a valorizar o toureiro a pé em Portugal”Para quando a apresentação na sua terra, em Santarém?Não está nada acertado, mas gostava de fazer um passeio em Santarém para mostrar a minha evolução como toureiro.Nasce em Santarém, mas é mais um filho adoptado por Vila Franca como o maestro Vítor Mendes? Apesar de ter nascido em Santarém fui muito pequeno para Vila Franca e foi lá que me formei como toureiro e como homem. Nenhum escalabitano deve levar a mal que digam que sou um toureiro de Vila Franca. Se as pessoas de Santarém tiverem orgulho em mim como algumas de Vila Franca é óptimo. Não quero alimentar esses ciúmes. O que importa é que seja um toureiro respeitado por todos.O público de Vila Franca é exigente e, por vezes, ingrato para os seus toureiros. Quando entra na Palha Blanco sente responsabilidade acrescida?Tourear numa praça como a de Vila Franca é sempre uma responsabilidade para qualquer toureiro. Para mim que estou a começar e sou filho adoptivo de Vila Franca é muito maior. Tenho a responsabilidade de estar com pessoas que gostam muito de mim e que sei que não posso defraudar. Vila Franca não tem uma figura do toureio. O António João Ferreira é a nova esperança. Sente isso?Os aficionados de Vila Franca habituaram-se a ter grandes figuras e viveram anos de ouro do toureio com matadores como José Falcão. Sei que depositam esperança em mim e vou procurar corresponder.A cidade está a recuperar importância taurina. Sente que contribui para esta mudança?Vila Franca sempre foi uma terra de aficionados duros, mas bons. Sinto que à minha volta está um grupo de pessoas a fazer muito pela festa dos toiros, mas há muita gente a contribuir para esta mudança. Continua a treinar na Escola José Falcão sempre que vem a Portugal?É a minha casa, sinto-me bem a treinar lá e gosto muito da companhia do maestro José Júlio, a quem devo muito do que sou.José Manuel Raínho, gestor da escola, e seu apoderado, é outro homem decisivo na sua carreira?O José é um grande amigo que me acompanha há muitos anos. Foi muito importante o seu suporte na escola e quando saí continuou a ajudar-me. É um aficionado de coração que tem feito muito pela escola e por mim. Tenho plena confiança nele. É o meu representante em Portugal e acompanha-me sempre.Espanha é a escola para as grandes figuras. Está radicado em França, mas vai tourear mais em Espanha?Não vou dizer que para o ano vou fazer 30 corridas em Espanha, mas vou fazer para tourear mais lá e conquistar o meu lugar. Temos de fazer vida em Espanha, mas em França temos boas feiras, bons cartéis e também é importante para mim tourear em França.A semana passada toureou numa praça de pouca importância no Alentejo. Também são importantes estas corridas?O toureiro tem de tourear em todas as praças que tenham dignidade. Há praças de primeira, segunda e terceira mas para mim a entrega é sempre a mesma porque o público merece respeito.O toureio a pé é pouco acarinhado em Portugal?Penso que o aficionado está habituado à corrida à portuguesa e deixou de se interessar tanto pelo toureio a pé. Se os empresários derem mais oportunidades aos matadores e novilheiros, o público vai gostar e vamos ter mais interesse no toureiro a pé.É uma lide para um público mais entendido?Para se apreciar um boa faena a pé tem de se perceber a arte e as dificuldades que o toureiro enfrenta. No toureio a cavalo, muitas vezes até o cavalo dá espectáculo e o público gosta disso.Gostava de ter mais corridas mistas em Portugal?Eu preferia corridas a pé com matadores e novilheiros. Temos que apostar mais nesta realidade e formar público para o toureio a pé. Os portugueses vão a Espanha e a França ver corridas, também irão em Portugal com toda a certeza.Em que tércio é que se sente melhor. Dizem que é exímio nas bandarilhas?Sinto-me muito bem na muleta. O tércio de bandarilhas está muito fantasiado e exige uma grande capacidade física. Não sou capaz de fazer esse espectáculo. Gosto mais de o fazer com pureza, mas isso não é tão apreciado. Sinto-me melhor na muleta.O toiro é fundamental para o triunfo do toureiro. As ganadarias portuguesas continuam a produzir toiros de qualidade?O toiro é o elemento principal da corrida, é ele que dá emoção. As ganadarias portuguesas estão a passar por uma fase complicada. Para o toureiro a pé o toiro tem de ter características diferentes. Temos dificuldades em tourear alguns toiros com investidas muito rápidas e que não podem ser sujeitos ao tércio de varas.Qual foi o objecto mais estranho que lhe atiraram para a arena?Foi uma pessoa vestida com um fato de urso que se atirou para a arena e pediu para dar a volta comigo. Já me atiraram malas e telemóveis.Há rituais que não dispensa antes de uma corrida?Costumo fazer as minhas rezas antes das corridas. Gosto de me isolar e reflectir à minha maneira. Gosto de sentir que tenho muita gente à minha volta, mas estar sozinho alguns momentos. E o que é que nunca faz antes de uma corrida?Não tenho superstições. Qual é o seu ídolo?O toureiro que mais admiro é o maestro José Tomás por quem tenho uma admiração tremenda. É um toureiro de corpo inteiro.Já ganhou dinheiro com os toiros ou ainda está a investir?Neste momento ainda continuo a investir na minha profissão. Tem sido muito difícil. Orgulho-me de ter feito uma carreira de novilheiro sem ficar a dever nada a ninguém, mas agradeço às muitas ajudas que tive. Sem elas não teria chegado aqui. É preciso muito dinheiro para se chegar a matador de toiros. Quem não tiver pais ricos tem muita dificuldade. Não basta ser bom toureiro é preciso ter muitos apoios.

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