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“Fazer política com questões de segurança pode ser perigoso”

“Fazer política com questões de segurança pode ser perigoso”

Intendente Luís Simões é o comandante distrital da PSP desde Maio deste ano

O comandante distrital da PSP diz que as cidades da região são seguras e que terão problemas bem mais graves do que os relacionados com a segurança. Nesta entrevista o intendente Luís Simões, natural de Torres Novas, fala das funções que assumiu já este ano e ainda da sua experiência enquanto oficial de ligação da Selecção Nacional de Futebol e do período em que foi responsável pela segurança dos estádios.

Santarém é onde está instalado o comando distrital e é de todas as cidades do distrito onde existe a PSP aquela que tem mais arrumadores de carros. A Polícia não tem capacidade para acabar com esta situação?Acabar não consegue, porque este não é um problema exclusivamente policial. É bom que os cidadãos tenham expectativas em relação à sua polícia, mas devem ter as expectativas correctas. A questão dos arrumadores está associada a outros fenómenos como a toxicodependência, pobreza ou exclusão. Tem que ser um trabalho coordenado e a polícia está disponível para colaborar, mas a solução não passa só pela PSP. Porque é que nas outras cidades não se vêem tantos arrumadores na rua?Não há nenhuma explicação. Cada cidade tem as suas especificidades. Parece que a polícia não tem autoridade suficiente para lidar com estes casos.Há um conjunto de comportamentos que são designados por incivilidades, que não chegam a ser crime, não chegam a ser contra-ordenação. São comportamentos que causam perturbação aos cidadãos e a polícia tem alguma dificuldade em lidar com estas situações, porque os instrumentos legais para as combater não existem. Qual seria então a solução?Não defendo um Estado policial. Portugal em termos de segurança é um dos melhores países para viver, apesar das pessoas não se aperceberem desta realidade. Para vivermos num Estado democrático há sempre alguns incómodos com os quais teremos que aprender a viver.Assim que iniciou funções teve que lidar com duas situa-ções graves pouco habituais na zona. Uma do homem que sequestrou a mãe e a irmã em casa e a outra do tiroteio para capturar elementos de um grupo que tinha agredido uma patrulha da PSP. Parece que a grande criminalidade começa a aumentar nas cidades mais pequenas. Estes dois incidentes mostraram que a PSP, independentemente dos recursos que tem local, tem sempre outros recursos disponíveis para fazer face a qualquer situação. Nestes dois casos a unidade especial de polícia reforçou o comando de Santarém e ajudou a resolvê-los. Hoje em dia há o problema - que tem passado um pouco ao lado de Santarém, mas não estamos livres de que não venha a acontecer amanhã - da criminalidade violenta que se desloca rapidamente para qualquer parte do país.O seu início de funções em Santarém também coincidiu com a realização frequente de operações stop. Essas acções são para continuar?A acção policial tem uma vertente importante que é a gestão do sentimento de insegurança ou segurança. No Verão o sentimento de insegurança aumentou devido a situações mais mediáticas noutros pontos do país. E foi decidido a nível nacional fazer um controlo policial mais visível. Na área das operações de trânsito, para além dessa visibilidade, tanto ou mais importante é verificar que os números da sinistralidade estão a diminuir.Apesar das boas relações entre as várias forças de segurança ainda não há uma eficaz partilha de informações…Os sistemas de informações das diferentes policias ainda não estão ligados. Isso está a ser tratado a nível nacional. Mas no distrito a colaboração no terreno entre a PSP, a GNR e a Polícia Judiciária, que infelizmente não está sedeada no distrito, funciona bem.Defende que devia de haver uma delegação da Judiciária na região?Isso é um problema da Polícia Judiciária e não me compete falar sobre a sua organização. É óbvio que havendo situações na nossa área que são competência da PJ temos que contactar ou Lisboa ou Leiria conforme a zona onde ocorrem os casos e temos tido uma resposta atempada.Esquadras precisam de reforçosPouco tempo após ter sido empossado comandante distrital assumiu publicamente que a PSP na região tem poucos meios humanos, o que nos últimos anos nunca foi dito claramente. Chegou ao ponto em que é preciso dizer as coisas publicamente para estas se resolverem?Para as situações se resolverem tem que se falar com verdade e frontalidade e foi isso que fiz nas comemorações do dia do comando, no Cartaxo. E é isso que pretendo fazer no futuro. É óbvio que o distrito necessita logo que possível de um reforço. Porque é que o distrito tem sido esquecido nos últimos anos?Quando falo com outros comandantes distritais o que me dizem é que em Santarém não se passa nada, está tudo calmo e não são precisos mais meios. Há essa ideia que corresponde à verdade em relação a outras zonas que têm índices de criminalidade mais elevados.Não há demasiados polícias em tarefas administrativas?No comando de Santarém isso não acontece. Devemos ser a capital de distrito com menos polícias em tarefas burocráticas.Precisa de mais quantos agentes?É na ordem das dezenas. Mas qualquer reforço será bem-vindo. A média de idades dos agentes no distrito é elevada e os níveis de absentismo por doença atingiram mais de dez mil dias em 2007. Isto é preocupante. Temos esse problema em comparação com outros comandos distritais. Santarém tem uma média etária acima dos comandos vizinhos. Em termos do absentismo, infelizmente, as faltas que são dadas são por doenças graves e muito graves de alguns profissionais. Temos um conjunto de pessoas que durante um ano não trabalham um único dia devido a doenças prolongadas. Em relação a isso nada podemos fazer. É o excesso de trabalho…Penso que não. São coisas que podem acontecer a qualquer um. A Câmara de Abrantes recentemente tomou uma posição pública pedindo mais vigilância policial no centro histórico. Isso é algo que se pode resolver sem ser necessário um aumento do efectivo policial. Das sete cidades do distrito sob a responsabilidade da PSP, Abrantes em termos de efectivos é a que está menos má. Tal como Torres Novas. Curiosamente, também em Torres Novas uma força política, neste caso o PCP, manifestou a sua preocupação com uma recente onda de assaltos. Compreendo que os políticos procurem defender os interesses das suas terras. A polícia não quer fazer política e queremos passar à margem disso. Mas fazer política com questões de segurança pode ser perigoso. Nenhuma das sete cidades da PSP tem problemas graves de insegurança ou criminalidade violenta. Em todas as cidades haverá problemas bem mais graves do que os relacionados com a segurança. Pode não haver criminalidade violenta, mas os furtos em veículos, em habitações, criam um sentimento de insegurança nas populações que as leva a dizer que a polícia não faz nada…Temos a perfeita noção que todo o crime é grave para a vítima. A questão é o que é tolerável ou não. Apercebemo-nos que às vezes há um surto de criminalidade associada a furtos de veículos ou no interior de veículos e procuramos tomar medidas para identificar os autores. Só que às vezes não é com a rapidez que o cidadão quer e que nós também desejaríamos. O que pedimos é que os cidadãos se queixem à polícia e façam chegar as situações ao nosso conhecimento.Está a dizer que as pessoas se queixam menos?Esse é que é o problema. Fizemos recentemente buscas domiciliárias no âmbito de uma investigação que envolve um grupo de indivíduos suspeitos de crimes de roubo. Um dos problemas neste processo é que as vítimas embora conhecendo os autores não os denunciam, não os identificam. É este ciclo de medo que temos de quebrar. O cidadão tem que compreender que a segurança é uma questão que diz respeito a todos. Se não colaborar com a justiça e com as autoridades torna-se muito difícil à polícia apanhar os suspeitos e aos tribunais condená-los. Porque é que se está a instalar esse clima de medo?As pessoas têm uma percepção da insegurança superior à que realmente vivem, devido à exploração de alguns casos pela comunicação social.Até parece que não há problemas…Não dizemos isso. Há problemas. Mas para os resolver precisamos de ter a colaboração dos cidadãos para que possamos responsabilizar os autores dos crimes.Qual é cidade na região com maiores níveis de criminalidade?É Santarém, que representa 37 por cento de toda a criminalidade denunciada na área do distrito da responsabilidade da PSP. Talvez por ser uma cidade maior, onde há um certo anonimato. Em cidades onde toda a gente se conhece é muito mais difícil alguém cometer um crime e não ser descoberto.O facto da Polícia ter saído de Fátima, que passou a ser policiada pela GNR, não se reflectiu no contingente?Houve uma melhoria, mas desde então praticamente não existiu mais nenhum reforço. Não gostaria de bater na tecla dos efectivos porque para o cidadão isso é o menos importante. Ele quer é ver os seus problemas resolvidos. E temos que fazer isso com os meios que existem, temos que nos reorganizar, definir prioridades e arranjar formas de resolver as situações que surgem. Alguns agentes queixam-se da brandura dos tribunais para com os delinquentes. O que pensa disso?Não nos compete a nós queixarmo-nos da brandura ou não dos tribunais. A polícia tem que fazer bem o seu trabalho, temos que estar bem coordenados com o Ministério Público e trazer para o processo todas as provas. Depois é a justiça que tem que funcionar. E funciona?Funciona. É frequente ouvir dizer que se leva a mesma pessoa a tribunal várias vezes e ela sai ainda primeiro que o agente…Isso é um discurso frequente, mas os polícias não se podem deixar levar por esse tipo de discurso. Trabalhamos com as leis que temos, com os polícias que temos, com os tribunais que temos. Todos procuram fazer o seu melhor. Os verdadeiros polícias têm que saber alhear-se do resultado final. É mais fácil ser polícia no Ribatejo do que em Lisboa?O volume de trabalho e a complexidade das situações são diferentes. O trabalho policial é sempre difícil porque não sabemos o que vai acontecer. Trabalhei numa divisão de Lisboa que tinha por ano três vezes mais criminalidade do que a denunciada em todo o distrito de Santarém. Nessa situação o perigo é mais iminente.O oficial de ligação com a selecção nacionalFoi oficial de ligação junto da selecção portuguesa de futebol. O que faz um oficial de ligação?Faz os contactos prévios com as autoridades dos países onde vai estar a selecção no sentido de informar o que é expectável em termos de segurança. Como é que os nossos emigrantes reagem à presença da selecção, os cuidados que pretendemos ter no hotel, nos acessos ao hotel, a segurança nas deslocações. Os padrões entre as polícias dos vários países são variáveis. Faz-se todo o trabalho de preparação e depois a ligação entre a selecção e as autoridades locais na tentativa de prevenir problemas de segurança.Lidou de perto com os jogadores da selecção nacional. Com que ideia ficou deles? São homens como nós.Fez alguns amigos?Tenho consideração pela generalidade dos jogadores com quem lidei. Em termos de relação humana houve vários que se destacaram. Mas realçava dois que me impressionaram e com quem fiquei com uma admiração especial. O Rui Costa pela maneira de ser dele. E o Fernando Couto pelo seu profissionalismo. Ele fazia o que se chama treino invisível. Levantava-se muito mais cedo que os colegas e ia para o ginásio fazer exercícios específicos, por exemplo. Gostar de futebol ajudou nessas funções?Acho que fui nomeado por isso. Joguei futebol quando era jovem. Fui júnior do Benfica, no ano antes de entrar para a Escola Superior de Polícia. O facto do director nacional da PSP conhecer esse meu passado terá tido alguma influência na minha nomeação. O Europeu de 2004 em Portugal marcou-o?Foi uma experiência única. Portugal continua a ser um exemplo e uma referência a nível internacional. Fizemos coisas muito boas que continuam a ser estudadas, sobretudo no que diz respeito ao controlo de multidões e de adeptos fora dos estádios. Há teses publicadas em Inglaterra sobre a forma como trabalhámos a segurança. Foi complicado lidar com os adeptos ingleses?Foi muito simples. Não trabalhámos com base em estereótipos ou ideias preconcebidas, mas sim na perspectiva de tratar cada adepto da forma que cada um merecesse. A nossa actuação fazia-se em função do comportamento dos adeptos. E se facilitarmos o seu acesso aos estádios, se conseguirmos compreendê-los e tratá-los de forma respeitosa e amigável recebemos o mesmo tratamento da generalidade deles. Se verificarem que a polícia está a ser correcta e justa os adeptos problemáticos que possam surgir são facilmente isolados e controlados.A atitude dos ingleses surpreendeu-o?Era isto que esperava deles. Houve um trabalho de preparação muito grande. Fui com outros colegas várias vezes a Inglaterra contactar associações de adeptos e explicar o que íamos fazer, qual era a nossa filosofia. E passar a mensagem que se o comportamento deles fosse correcto iriam ter também da parte da polícia a melhor colaboração. A mensagem passou.O polícia que foi jogador do Benfica e gosta de touradasO intendente Luís Filipe Cardoso de Sousa Simões assumiu funções como comandante distrital de Santarém da Polícia de Segurança Pública em Maio. Antes tinha sido o segundo comandante da Escola Prática de Polícia em Torres Novas, cidade onde nasceu “por acaso” segundo diz. O pai era na altura militar e estava colocado na cidade vizinha do Entroncamento. Fez sempre a sua vida em Lisboa, mas há pouco tempo veio viver com a família para a região, no concelho de Salvaterra de Magos, onde diz que existe mais calma. Sente que vive numa zona segura.Entrou para a polícia em 1985 e fez o curso de oficiais. Chegou a comandar a esquadra de Évora e em Lisboa esteve três anos na divisão da Amadora onde foi comissário operacional e comandante de divisão. Depois esteve três anos na divisão de Benfica sendo também o responsável pela segurança dos estádios de futebol entre 2001 e 2004. Participou em duas missões no estrangeiro. Uma das Nações Unidas em Moçambique em 1994 e outra no âmbito da UEO – União da Europa Ocidental na Bósnia, em 1995/96.A experiência do controlo de multidões no europeu de futebol já fez com que antes dos Jogos Olímpicos na China fosse ao país falar sobre a preparação de grandes eventos. Com 41 anos tem quatro filhos e não é pessoa de ter uma vida social muito activa. Mas gosta de saber o que se passa na região e nesse sentido não dispensa a leitura dos jornais regionais. Sente-se seguro na zona onde vive e que é policiada pela GNR. Gosta de futebol. Jogou enquanto júnior no Benfica, clube do seu coração. Mas também gosta de touradas e ainda mais de largadas de toiros. Quando vai ao estrangeiro e fala com os colegas polícias estes não acreditam que em Portugal há homens que pegam toiros. Situação que já o fez levar cassetes de vídeo para desfazer as dúvidas. Acredita que se todos os portugueses seguissem o exemplo transmitido pelos forcados havia menos problemas. “Temos que olhar para as dificuldades de frente, encarar os problemas como eles encaram os toiros e procurar dominá-los”, sublinha.
“Fazer política com questões de segurança pode ser perigoso”

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