uma parceria com o Jornal Expresso

Edição Diária >

Edição Semanal >

Assine O Mirante e receba o jornal em casa
31 anos do jornal o Mirante

Fazer passar a mensagem nas salas de audiência

Rui Onofre é tradutor e intérprete de língua russa e ucraniana ligado aos tribunais

Tem como missão fazer as traduções em língua russa e ucraniana para pessoas que são arguidas ou testemunhas de processos em tribunal.

É nas salas de audiências dos tribunais da região que Rui Onofre tem passado boa parte da sua vida profissional desde que há sete anos regressou da Rússia. Não é funcionário judicial nem advogado, juiz ou magistrado, mas tem trabalhado ao lado desses profissionais e de testemunhas e arguidos como tradutor e intérprete das línguas russa e ucraniana. Faz ainda tradução de castelhano.Desde os 21 anos na então União Soviética, para onde foi estudar com direito a bolsa de estudo, Rui Onofre regressou ao seu país com 42 anos, em 2002. Em Moscovo tirou o curso de filosofia e técnicas de tradução. Ali trabalhou como jornalista, tendo sido colaborador da TV, rádios e jornais e até redactor e tradutor da agência noticiosa russa TASS. Regressou a Portugal casado com uma cidadã ucraniana e com três filhos hoje com 22, 18 e 10 anos. Os primeiros trabalhos foram prestados na delegação do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) na cidade. A ligação aos tribunais chegou de seguida e não a estranhou dado o interesse que sempre manifestou para trabalhar na área do Direito. Desde essa altura pode ver-se Rui Onofre trabalhar nos tribunais de Santarém, Cartaxo e Rio Maior com maior frequência, mas também nos tribunais de Benavente e Vila Franca de Xira.Tem como missão fazer as traduções em língua russa e ucraniana para pessoas que são arguidas ou testemunhas de processos em tribunal e facilitar a comunicação destes com os funcionários judiciais, advogados, magistrados do Ministério Público e juízes. Para trabalhar na área da justiça Rui Onofre teve de assumir um compromisso de honra de reprodução fidedigna das declarações dos protagonistas e de cumprimento de reserva dos dados que se encontram em segredo de justiça. A ausência de regulamentação do trabalho de tradução é um dos problemas da profissão, por isso Rui Onofre é um profissional freelancer. Lamenta que o Ministério da Justiça tenha metido na gaveta há cerca de cinco anos um projecto de regulamentação da actividade do grau de tradutor/intérprete na área judicial por um grupo de técnicos. “Nalguns casos trabalha-se junto de associações criminosas e de máfias, em situações em que existem muitas pressões e uma desprotecção processual do tradutor-intérprete”, constata. Não sendo tão pouco habitual ver representantes desses arguidos porem em causa o seu trabalho. “As gravações são a minha melhor defesa”, refere Rui Onofre.Nos tribunais é o ucraniano a língua mais falada, fruto das muitas dezenas de milhares de cidadãos da Ucrânia a viver no país e na região. E falar russo não é falar ucraniano. “Pode haver grandes distâncias linguísticas quase como do português para o italiano”, exemplifica Rui Onofre. E vivem-se diferentes situações. Desde o arguido que insistiu com o tradutor que o termo que ele dizia ao tribunal não era o que ele queria significar em português, passando pelo ucraniano que achava que estava a ser insultado por lhe chamarem de doido. Palavra que tem um conotação bem mais depreciativa naquele país. “Se alguém em Portugal chamar vaca a uma mulher trata-se de um insulto grave, enquanto na Ucrânia esse palavra significa mais dizer que alguém tem um comportamento provinciano ou é uma pessoa corpulenta”, diz como exemplo.É esse tipo de adaptações que o tradutor tem muitas vezes de ter em conta e explicar aos arguidos, às testemunhas e aos causídicos e magistrados. A par do trabalho em tribunal, Rui Onofre tem também de, em algumas ocasiões, levar documentação para casa nos processos mais complexos e também conhecer legislação de outros países. A frequência de trabalho é incerta. Rui Onofre tanto pode ter uma semana cheia nos tribunais como apenas um par de audiências por mês. Por isso ministra aulas para adultos em russo em escolas particulares e de português através do Instituto de Emprego e Formação Profissional. Colaborou ainda com o gabinete de apoio ao imigrante em Santarém ao longo dos anos.Esse conhecimento da comunidade e das línguas eslavas já lhe valeu também alguns convites curiosos. Como o de ajudar a realizar o baptizado de uma família ucraniana em Alcanena. “O padre até sugeriu em tom de brincadeira que eu fosse para seu sacristão”, recorda com um sorriso. Aos 48 anos, Rui Onofre confessa que a sua actividade, apesar de difícil, lhe tem proporcionado a convivência com pessoas de mais de 100 países de todos os continentes.

Mais Notícias

    A carregar...