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O miliciano que impôs condições a Otelo para fazer a revolução

O miliciano que impôs condições a Otelo para fazer a revolução

Luís Pessoa foi o elo militar do PCP no levantamento militar

Depois das celebrações, a revolução vista com um cunho pessoal. Luís Pessoa revela as condições impostas pelo PCP aos militares para participar na revolução e conta como foi participar na revolta no Porto Alto e em Vila Franca de Xira.

“Tenho um pecado original. Sou o único oficial miliciano que na noite de 24 para 25 saiu a comandar tropas e com objectivos, sem ser enquadrado por nenhum oficial do quadro, o que até há três anos nunca tinha sido admitido pelos capitães”. O relato, em voz compassada, é de Luís Pessoa, capitão miliciano e antigo militante comunista, que liderou duas companhias de militares rumo às antenas do Rádio Clube Português, no Porto Alto e, coordenou com o tenente Anderson a guarda à ponte Marechal Carmona, em Vila Franca de Xira, durante a revolução de Abril de 1974. Militar formado em Abrantes e na Guiné, Luís Pessoa foi o elo do PCP com a hierarquia militar que preparou o golpe de 25 de Abril. O antigo militante comunista, que deixou em 1972 o secretariado do MDP/CDE após a prisão de Lino de Carvalho e Fonseca Ferreira após uma denúncia, entrou na instituição militar no mesmo ano. Já em 1974, faz chegar a Otelo Saraiva de Carvalho a mensagem de “dez companhias comandadas por tenentes milicianos que poderiam vir a estar ao serviço do Movimento das Forças Armadas (MFA)”, impôs condições ao então tenente-coronel para aderir ao movimento dos capitães. “Otelo garantiu-me ter como objectivos acabar com guerra, negociar a independência dos países africanos, soltar os presos políticos, mas não sabia bem quando, e legalizar os partidos políticos”, relata Luís Pessoa. O acordo significava para o líder do MFA contar com a estrutura do PCP na instituição militar. “Então perguntou-me se conseguia arranjar maneira de entrar na Emissora Nacional e disse-lhe que tinha um oficial miliciano que lá tinha trabalhado”, relata Luís Pessoa. A 15 de Abril, no café Califa, em Benfica, Otelo, o capitão Frederico Morais e os tenentes milicianos Luís Pessoa e Miguel Amado encontram-se para planear a tomada da Emissora Nacional. Três dias depois, em casa do então tenente-coronel, Luís Pessoa pedia para ter como objectivo “cercar a PIDE na sede da rua António Maria Cardoso”, em Lisboa. A missão entregue foi outra. “Tens que assegurar que a rádio funciona sempre, com segurança próxima, e homens na ponte e no cruzamento”.Para a missão, Luís Pessoa sai na madrugada de 25 de Abril do quartel de Santa Margarida ao comando de duas companhias, por uma porta lateral que o conduzia a uma zona de pinhal. “Tínhamos condutores tão inexperientes que não conseguiam acender os faróis dos blindados Unimogs”, conta. O encontro com a Escola Prática de Engenharia, vinda de Tancos, na ponte da Golegã aconteceu com meia hora de atraso. Em presença de oficiais de patente mais elevada, Luís Pessoa quis ceder o comando, mas a resposta viria célere”. Vais tu a comandar que és o operacional”. Já junto das antenas do Rádio Clube Português, o então tenente conseguira acalmar os ânimos do técnico que tomava conta do equipamento. Depois de lhe perguntar como se desligaria o equipamento, o militar responde estar ali para que aquele cenário não aconteça. E nem as exigências de Botelho Moniz, responsável do RCP, primeiro pelo telefone depois pessoalmente, o demoveram. As operações prosseguiam sem problemas e som do RCP propagava a mensagem da revolução. Um regresso inesperado das tropas de engenharia ainda provocaram um susto ao militar, mas os lenços amarelos permitiram reconhecer os aliados. “´Íamos resistir”, conta. O que Luís Pessoa não sabia era que, nem todas as forças do regime se rendiam. “Fiquei a saber, mais tarde, e por um programa de televisão, que um grupo de agentes da PIDE decidira subir de lancha o Tejo até Vila Franca de Xira e atacar as antenas do RCP. Só que ao chegar ao local, viram toda aquela tropa e desistiram”, conclui.“A revolução come os seus filhos”Luís Pessoa descobriu, horas depois de participar no golpe militar de Abril que “a revolução come os seus filhos”. Logo no regresso a Santa Margarida, o oficial seria acusado pelo general Craveiro Lopes de “desinfiltração”, por sair com militares sem autorização. Depois de uma conversa com o coronel Vasco Lourenço, Luís Pessoa mantinha a posição e Craveiro Lopes abandonava o comando do campo. Meses depois, era altura de partir para África. Destacado para Moçambique, junto à fronteira com a Rodésia, deu caça à PIDE mas sem sucesso. “Quando cheguei, havia lá 60 agentes da PIDE. Quatro dias depois, o general de Vila Pery, onde ficava a prisão para onde os tinha mandado, pedia-me para os recapturar por terem fugido. Ao ver as facilidades que lhes deram, nem me esforcei”, conta. De regresso à metrópole em Abril de 1975, Luís Pessoa é preso no âmbito da contra revolução de 25 de Novembro, num relato que promete não recordar até ao próximo ano. De volta à vida civil, dedica-se à gestão e sai, durante os anos 80, do PCP. Hoje, ao fim de vários anos dedicado à consultoria estratégica, decidiu encerrar a empresa que dirigiu e dedicar-se a tempo inteiro ao cargo de professor universitário no Instituto Superior de Comunicação Empresarial (ISCEM). Até há três anos povoava a mente do antigo oficial um diferendo com a instituição militar. Até então, relata, “a versão apresentada fora a de que os oficiais milicianos tinham trabalhado sob o comando dos oficiais do quadro”. Um telefonema do coronel Vasco Lourenço, anunciando a condecoração antes de ser público, firmou o reconhecimento. Em 2006, o presidente Jorge Sampaio quis impor ao militar, entre dez outros oficiais, a Ordem da Liberdade.
O miliciano que impôs condições a Otelo para fazer a revolução

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