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“O toiro é que põe tudo no sítio”

“O toiro é que põe tudo no sítio”

José Manuel Duarte diz que há mercado para tantos cavaleiros tauromáquicos e que o talento faz o resto

Andava na escola no quinto ou sexto ano e já levava uma mala com as botas e as polainas para ir para o picadeiro quando saísse das aulas. José Manuel Duarte, 34 anos, sempre quis ser cavaleiro tauromáquico e realizou o sonho aos 18 anos quando tirou a alternativa na monumental de Santarém, cidade de onde é natural. Assume que é difícil viver exclusivamente das corridas de toiros, embora considere que há mercado para tanto cavaleiro. Quanto à concorrência feminina, diz que dá outro colorido às praças.

Como é que uma pessoa que não tem uma tradição familiar na tauromaquia entra nesta actividade?Não é fácil. O meu pai era muito aficionado e tinha cavalos. Desde cedo que comecei a montar. Tive umas aulas com o engenheiro Carlos Arruda no picadeiro junto à praça de toiros de Santarém, onde aprendi as bases da equitação. Tive o apoio incondicional do meu falecido pai e a felicidade de conhecer um grande homem, que era o senhor Gustavo Zenkl, que me apoiou bastante. Foi na sua casa que toureei a primeira vaca. Mas na altura não era fácil entrar nesse mundo…É sempre difícil. Qualquer cavaleiro que já tenha alguém na família nesta arte tem as coisas bastante mais facilitadas. Tem já toda uma estrutura montada e uma base bastante sólida para começar em termos de conhecimentos, de preparação dos cavalos, de chegar aos empresários. Não é fácil começar do zero. É como em qualquer outra actividade.Isso teve condicionalismos na sua carreira?Se voltasse atrás certamente iria conduzir a minha carreira de outra forma. Mas tenho orgulho da forma como a conduzi até ao momento. O que é que mudava?Muita coisa. Evitaria cometer alguns erros, embora pudesse cometer outros. Mas o que interessa é andarmos com dignidade na festa e sermos respeitados pelas pessoas. Sinto que sou respeitado nos sítios por onde passo e é o que me dá força para continuar.Há mercado para tantos cavaleiros?Sim. Hoje, em Portugal, fazem-se muitas corridas de toiros. Há lugar para todos, depois cada um tem a sua forma de tourear e aos poucos tudo se vai definindo. Se calhar alguns deviam tourear mais e outros menos, mas isso faz parte da política empresarial. Há um grande crescimento no número de toureiros, alguns que até são capazes de tourear gratuitamente. Isso não prejudica quem vive desta actividade?Poderá haver alguns cavaleiros que actuem gratuitamente, mas costumo dizer que o toiro é que põe tudo no sítio. E o tempo tudo traz e tudo leva. A verdade e a qualidade de cada artista vem sempre ao de cima.Quer dizer que há cavaleiros sem qualidade?Não digo isso. Por vezes, quando aparecem cavaleiros que são novidade, há interesse das empresas em apostar neles para ver como é a ascensão. Há muitos cavaleiros que aparecem, prometem muito e depois estagnam. Isto passa-se em todas as actividades, não é só na tauromaquia. O que acha da concorrência feminina?É saudável. Temos duas ou três cavaleiras que fazem um número muito razoável de corridas por ano e não é só por serem mulheres, é porque têm qualidade como é o caso da Ana Batista e da Sónia Matias, que chamam pessoas às praças. Pessoalmente gosto de as ver. Dão um toque feminino e outro colorido ao espectáculo. É possível viver unicamente da tauromaquia?À excepção de um ou dois toureiros, os outros têm que ter uma actividade paralela. Quem está de fora nem faz ideia do dinheiro que é necessário para sustentar toda uma máquina: os investimentos em cavalos, pagar às pessoas que nos ajudam… No meu caso tenho uma suinicultura e vou preparando cavalos. Vendo todos os anos um ou dois. As duas dezenas de corridas que faz por ano não dão lucro? Dá para nos sentirmos toureiros, porque quem nasce nisto depois é muito difícil sair. Por vezes mais vale ver uma praça com o público de pé e sentirmos o apoio das pessoas, sentirmos que estivemos bem nas lides.Já alguma vez teve que pagar para tourear?Nunca! Nunca foi essa a minha forma de estar na festa, nem será. Qualquer toureiro tem que ir para os espectáculos com dignidade e a empresa que monta o espectáculo tem que o respeitar. Quem paga para tourear não é respeitado pela classe nem pelas empresas tauromáquicas…Se isso acontecer não terá certamente o respeito das outras pessoas da festa nem ele próprio poderá dar-se ao respeito.Em que aspectos é que se começa a notar os efeitos da idade nesta actividade?Estamos numa actividade em que temos que trabalhar muito porque não é em dois dias que se prepara uma corrida. Com o decorrer da idade será muito mais desgastante. A idade traz também maturidade, calma, mais conhecimento e outra forma de encarar as coisas e um à vontade maior para avaliar os toiros e para gerir as coisas.Já imaginou quando deixar de ser cavaleiro o que irá fazer?Irei ficar ligado ao mundo dos toiros, ligado aos cavalos porque o que mais gosto é de preparar cavalos. Dá-me um gozo enorme ver a evolução de um cavalo.Quem é que foram os seus mestres nesta arte? Comecei a aprender com Carlos Arruda, depois com Gustavo Zenkl, passei por mestre João Lopes Aleixo, que é um equitador exímio. Foi meu professor também o D. Francisco Mascarenhas que muito me ensinou durante um ano. Juntei o que aprendi com estas pessoas e criei a minha forma de trabalho e de preparação dos cavalos.Há bons equitadores na região?Além de muita rapaziada nova que monta muito bem a cavalo, temos vários cavaleiros que são grandes preparadores de cavalos.“Ser toureiro é uma forma de estar na vida”Em Março, numa entrevista a O MIRANTE, Manuel Jorge de Oliveira dizia que o mundo dos toiros é corrupto ao mais alto nível. Concorda?Sou amigo do Manuel Jorge de Oliveira, que é uma pessoa que admiro muito. Ele se o disse sabe por que é que o disse. E está numa fase da carreira dele que certamente o pode dizer.O José Manuel Duarte ainda não tem estatuto para dizer o que pensa.Não gosto de o dizer, se calhar, neste momento, mas respeito a opinião dele. Gosto de dizer o que penso, mas há coisas nas quais não gosto de me meter. Mas respeito o que os outros dizem, se calhar com alguma razão. A tauromaquia está refém dos empresários que detêm várias praças?Refém não será o termo indicado. Agora é claro que um empresário que tenha três ou quatro praças terá outro poder de contratação. Assim como toureiros que estarão ligados a uma empresa que explora praças têm muito mais facilidade em serem colocados em cartéis. É preferível estar-se ligado a uma empresa e garantir à partida um certo número de actuações?Será mais fácil a quem estiver nessa situação, que terá o calendário logo no início da temporada mais preenchido. No meu caso, que não tenho essa ligação a empresários, também é agradável ver que consigo estar bem com todas as empresas e ser contratado por todas. Quem é que domina as touradas: são os empresários das praças ou os artistas?Quem deve dominar a festa é quem anda cá com dignidade e compostura. Há toureiros que têm mais força que outros, tal como há empresas com mais força que outras.Sempre quis ser cavaleiro?Tenho uma enorme admiração por todos os que se metem à frente do toiro, desde o forcado ao bandarilheiro, ao matador ou novilheiro. Todos merecem enorme respeito. Mas sempre tive uma enorme paixão pelos cavalos e foi sempre a minha ideia ser cavaleiro. Nunca desejou ter outra profissão?Ser toureiro é uma forma de estar na vida e foi essa que escolhi. Não seguiu os estudos porque não conseguia conciliá-los com a tauromaquia?Fiz o 11º ano de escolaridade. Andava no colégio Andaluz no 5º ou 6º ano e já levava uma mala com as botas e as polainas para quando saísse das aulas ir para o picadeiro. A partir de certa altura tornou-se difícil conciliar porque esta actividade requer muitas horas de trabalho e tive que tomar uma opção, boa ou má, está tomada e assumia-a. Os movimentos anti-tourada, as superstições e o sofrimento do toiroOs movimentos anti-tourada são uma pedra no sapato da festa brava?Tem havido algumas manifestações à porta das praças, mas tem-se visto pouca gente. Temos que respeitar. Há quem goste e quem não goste.Incomoda-o esse tipo de manifestações?Incomoda um bocado. Mas tenho uma forma de estar na vida em que prefiro afastar-me e cada um segue o seu caminho. Quando espeta um ferro não pensa no sofrimento do toiro?Não. O toiro quando está na nossa frente vem para nos colher. Não é a parte do sofrimento que me vem à alma. É sim a parte da arte e desta actividade tão bela para a qual nos preparamos para executar. Não é uma luta desigual?Penso que não.Quando entra na arena sente alguma angústia, algum medo do que lhe possa acontecer?Julgo que todos os toureiros têm medo pela responsabilidade. Entrar numa praça cheia perante pessoas que pagaram um bilhete para ver um espectáculo logo isso é uma enorme responsabilidade. Acima de tudo é o medo de falhar. A nossa grande vontade é triunfar. Há uma imagem dos toureiros de serem pessoas supersticiosas. Costuma rezar quando vai actuar?Rezo todos os dias antes de sair de casa e todos os dias à noite, mesmo que não tenha corridas. Na vida há algo que nos guia. Na vida apoiamo-nos sempre em alguma coisa. Julgo que a maior parte dos toureiros são católicos e rezam e isso é um apoio que temos e dá-nos uma certa força e faz-nos sentir mais acompanhados e protegidos.“Moita Flores deu uma grande força à festa dos toiros”A Monumental Celestino Graça, em Santarém, foi em 2008 a segunda praça do país em número de espectadores. É sinal de que com bilhetes baratos as pessoas aderem à festa?Penso que sim. Que a grande afluência de público no ano passado na Monumental de Santarém deve-se a um grande trabalho feito no ano anterior pelo dr. Moita Flores que com uma grande vontade baixou os preços dos bilhetes e deu uma grande força à festa dos toiros na nossa cidade. Trabalho esse que foi continuado pela empresa que ficou com a praça que fez um excelente trabalho. Manteve a mesma política em termos de preços de bilhetes, montou bons cartéis e seguiu esse trabalho que tinha sido começado. Neste caso, penso que nem todas as praças terão capacidades em termos de lugares sentados para fazer esse trabalho. A Monumental Celestino Graça esteve durante muitos anos mal aproveitada…Não sei se esteve mal aproveitada ou não. São políticas, são formas de conduzir as coisas. Agora o importante é estar em alta como está.Qual é a sua opinião sobre o futuro da Praça de Touros de Santarém? Deve ir abaixo ou ser remodelada?Penso que de momento, como está a ser cuidada, tem condições para fazer uma boa feira e para se fazerem bons espectáculos. Penso que neste momento, se se puder eventualmente melhorar, tudo bem. Mas está com condições e temos uma das praças mais importantes do país. Gosta de tourear naquela praça?Gosto muito. A praça de Santarém, além de ser a da minha terra, é uma praça que me diz muito. Toureei ali desde miúdo como cavaleiro amador, entretanto tirei lá a alternativa, sou de Santarém e tenho sempre uma grande receptividade por parte do público e das pessoas da minha terra, que me recebem sempre com grande carinho. Aproveito publicamente para agradecer, porque fui sempre recebido de uma forma muito especial.Não seria melhor uma nova praça em Santarém?Poderá ser uma hipótese. Não sei. Para se fazer uma nova praça seria mais pequena ou até provavelmente um pavilhão multiusos, que seria também uma coisa interessante para a cidade. Mas ver a praça cheia, como nós vimos agora, é agradável para qualquer artista ou aficcionado. O actual presidente da câmara ressuscitou uma réplica da Feira do Ribatejo em Junho junto à praça de toiros. O que pensa disso?Penso que isso é uma mais valia para a praça porque chama muitas pessoas. Toda essa envolvência cria ambiente à volta da praça. É uma coisa que faz falta à própria praça de toiros. Sente saudades da Feira do Ribatejo no Campo Infante da Câmara?É claro que sim. Ainda apanhei alguns anos a feira cá em cima. Tinha um ambiente diferente. A monumental tinha grandes casas. Havia dois ou três locais específicos onde os aficcionados se juntavam para falar de toiros. Via-se aquelas filas enormes de carros à volta das entradas de Santarém, toda essa envolvência que havia para vir para a feira e para as corridas. Penso que qualquer ribatejano se lembra e de alguma forma tem saudades disso.É um visitante habitual da Feira Nacional de Agricultura?Sou. E gosta de visitar aquele espaço?Gosto. Tem excelentes condições para se fazer muita coisa e sempre que posso vou lá. O que pensa dos actuais moldes da feira?Não serei a pessoa indicada para se estar a manifestar sobre isso. E o que pensa da actividade do CNEMA durante o ano?Não sou um visitante habitual devido à vida que tenho.
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