“A região de Santarém precisava de líderes fortes”
Álvaro Pinto Correia fala das raízes, das memórias e do futuro
Tem uma vida cheia, um currículo impressionante como gestor e, aos 77 anos, não pensa em parar. Álvaro Pinto Correia é uma figura respeitada na nossa região e não só. A sua vida profissional foi feita em Lisboa. Mas todos os fins-de-semana regressa à Portela das Padeiras, onde alimenta a sua costela de agricultor.
A sua ligação a Santarém e ao Ribatejo faz-se actualmente de que vínculos?A minha ligação a Santarém e ao Ribatejo sempre existiu. Nasci em Tremês (Santarém) em 4 de Junho de 1932. A minha mãe era daquela zona. O meu pai era madeirense. Foi estudar para Coimbra, formou-se em medicina, depois concorreu para médico municipal em Santarém e foi parar a Tremês. Conheceu a minha mãe, casaram e ficou ali toda a vida. Os quatro filhos nasceram lá. Fizemos lá toda a instrução primária. Depois vim estudar para Lisboa para o Liceu Camões, ingressei no Técnico e formei-me. O meu pai, Jacob Pinto Correia, fez sempre vida em Santarém, como médico e como presidente da câmara, onde esteve 12 anos. Foi ele que comprou o edifício onde está hoje a câmara municipal. Como é que uma pessoa que não gosta da exposição pública chegou a secretário de Estado?É muito simples. Naqueles primeiros governos após o 25 de Abril havia gente de todos os partidos. O Ministério das Obras Públicas era comandado por um ministro comunista, o Veiga de Oliveira. E começou a tentar fazer-se um Ministério da Habitação e Urbanismo para toda a parte social ligada à habitação. Estivemos a fazer uma lei orgânica para constituir esse ministério e foi a única altura no país em que houve um Ministério da Habitação separado do das Obras Públicas. Como eu tinha estado na origem do estudo juntamente com outros colegas, um dia recebi um telefonema a perguntar se alguma vez tinha pensado em ser Governo. Respondi que não. Disseram-me que a posse era no dia seguinte e no dia seguinte eu lá estava.O convite partiu de quem?Já não me lembro, para dizer com franqueza. Nessa altura (1976) o primeiro-ministro era o almirante Pinheiro de Azevedo, no VI Governo Provisório. O ministro da Habitação passou a ser o Eng.º Eduardo Pereira. E eu fui secretário de Estado da Construção Civil e depois da Habitação e Urbanismo no I Governo Constitucional, com o dr. Mário Soares como primeiro-ministro.O socialismo é a sua área ideológica?Não tenho propriamente uma área ideológica. Sou independente, sempre fui, nunca me quis filiar num partido. Mas na altura estava próximo do PS. Fiz parte da Assembleia Municipal de Santarém após as primeiras eleições autárquicas, em que foi eleito presidente da câmara o senhor Ladislau Botas. Hoje parece ter algumas reservas em pisar os terrenos da política.Não sou político nem quero ser. Tenho as minhas opções como toda a gente, mas já estou reformado dessas coisas.Uma opinião recorrente é que a região de Santarém não tem tido líderes fortes. Partilha dessa ideia?A região de Santarém precisava de líderes fortes. Durante anos a cidade e o concelho evoluíram pouco. Por exemplo: quando se queria implantar indústrias no concelho de Santarém não havia terrenos disponíveis para esse efeito.Um problema que ainda se mantém, curiosamente.Um problema que ainda se mantém e que tenho tentado resolver enquanto presidente do conselho de administração da Parquiscalabis - Parque de Negócios de Santarém. Felizmente parece que o assunto está quase resolvido. Mas Santarém, neste momento, está a mexer. É o efeito Moita Flores?É possível que seja. Porque o presidente da câmara tem sempre um efeito muito importante na evolução das cidades e dos concelhos. Nota-se que efectivamente há ali uma cidade viva. As comemorações do 10 de Junho são um exemplo disso? Essas comemorações vão trazer Santarém para a ribalta. Isso é muito importante em termos de imagem pública. E se for feito o que está previsto na recuperação da cidade isso é muito importante.Santarém pode tornar-se uma cidade diferente para melhor, aproveitando essa embalagem?Penso que já ganhou essa embalagem há uns anos e com a exposição que vai ter agora e com tudo o que se fez para o 10 de Junho pode estar dado o pontapé de saída para um desenvolvimento muito melhor. “Cnema podia ser melhor aproveitado”A Feira da Agricultura/Feira do Ribatejo continua a ser um símbolo de Santarém?A Feira do Ribatejo foi constituída quando o meu pai era presidente da câmara. Assisti desde a primeira. E sempre estive em todas. Tenho pena porque está um bocadinho a decair, na minha opinião. Hoje vê-se que a Ovibeja está a ter um grande impacto. Em todo o caso espero que a Feira do Ribatejo volte a ter de novo um grande impacto. Aquele largo da feira onde não se fazia nada, e que está agora a ser recuperado, pode ser um incentivo. Embora pense que o Cnema (Centro Nacional de Exposições), que representa um investimento enorme, podia ser melhor aproveitado para feiras e eventos. O Cnema não tem sido devidamente potenciado?Não conheço aquilo bem, porque não estou lá durante o ano. Mas a Feira do Ribatejo podia ser uma coisa muito grande e eu noto que não tem crescido como se esperava. Acha que a feira estaria melhor lá em cima, no antigo local?Não sei se estaria, porque aquilo não tinha espaço. Pôr cá em cima o gado e a maquinaria é praticamente impossível. Mas de facto nos primeiros anos da feira lá em baixo houve um boom extraordinário que depois se perdeu um bocadinho. Espero que recupere. O senhor é coordenador da equipa de projecto para a implementação do novo aeroporto de Lisboa. Ficou desiludido com a opção do Governo de mudar a localização de Ota para Alcochete?Não. Os estudos feitos concluem que é a melhor solução para o país. É a melhor solução em termos financeiros e de desenvolvimento, já que o aeroporto vai ser feito por fases.Mas é difícil para a opinião pública entender como se muda tudo de um momento para o outro.Entendeu-se que havia questões que deviam ser corrigidas e ainda bem que foram.Que influência é que esta mudança de planos pode ter na região envolvente?Penso que não vai ter grande influência. É evidente que se o aeroporto ficasse na Ota a zona mais próxima desenvolvia-se muito mais. Porque as cidades próximas de aeroportos desenvolvem-se muito. Mas o país é tão pequeno que isto não vai ter um reflexo muito grande. Por outro lado foram já acertadas compensações com alguns municípios. Daí há também algum benefício para a região. Um currículo impressionanteÁlvaro Pinto Correia, 77 anos feitos no dia seguinte a esta entrevista, formou-se em engenharia civil pelo Instituto Superior Técnico, em Lisboa, onde foi assistente. Foi ainda professor na Academia Militar na segunda metade da década de 60. Ingressa no mundo da banca em 1968 como director do Banco Borges & Irmão. Passa depois por vários cargos de administração e direcção até chegar a administrador da Caixa Geral de Depósitos (1985-2000). Foi presidente da Companhia de Seguros Fidelidade entre 1992 e 2000. Ainda na área dos seguros foi administrador da Companhia de Seguros de Macau (1983-1985 e 1992-1997). Foi também coordenador da comissão de negociações da dívida de Angola. Preside desde 2000 à administração da Fundação Cidade de Lisboa e é administrador não executivo da Sociedade Hidroeléctrica de Cahora Bassa (Moçambique). Lidera a equipa de projecto para acompanhamento da implementação do novo aeroporto de Lisboa. Preside à comissão de vencimentos da Portugal Telecom e ao conselho de administração (não executivo) da SOFID – Sociedade para o Financiamento do Desenvolvimento.Na região, foi presidente da Tagusgás (1997-2008) e actualmente preside à administração da Parquiscalabis – Parque de Negócios de Santarém. É presidente do conselho geral da Nersant, presidente do Definitório da Misericórdia de Santarém. Foi ainda presidente da assembleia-geral da Escola Profissional do Vale do Tejo e da Casa da Europa do Ribatejo.No Governo, desempenhou funções como secretário de Estado da Construção Civil do VI Governo Provisório de Fevereiro a Julho de 1976. Foi depois secretário de Estado da Habitação e Urbanismo do I Governo Constitucional entre Julho de 1976 e Março de 1977.Casado, pai de três filhas e tio de duas conhecidas figuras públicas (Clara e Margarida Pinto Correia), foi condecorado pela Presidência da República como Comendador da Ordem de Mérito Agrícola e Industrial em 10 de Junho de 1982 e como Grande Oficial da Ordem do Infante D. Henrique em 20 de Janeiro de 2006. A nível local e regional recebeu o galardão de “Scalabitano Ilustre” da Câmara de Santarém, a menção honrosa de Cidadão de Mérito da Freguesia de Tremês e a distinção de “Ribatejano Ilustre” pela Casa do Ribatejo.“Santarém está a mudar muito”Saiu de Tremês com que idade?Com 10 anos, mas passava os três meses de férias de Verão em Tremês. Que memórias tem da sua infância?Foi uma infância óptima. Tinha três irmãos e vários amigos na terra, alguns já morreram, e dava-me bem com todos. Mesmo quando estava a estudar em Lisboa ia sempre passar as férias a Tremês e tinha uma ligação à terra e à cidade de Santarém muito grande. E hoje?Tenho uma casa na Portela das Padeiras, onde vou todos os fins-de-semana e onde tenho uma parte agrícola que é gerida por mim. E também gosto de fazer as tarefas agrícolas. É um adepto da festa brava?Gosto muito, embora haja muitas críticas à festa brava. É uma festa como outra qualquer e bonita. Ainda hoje vou às largadas de toiros em Santarém. O cavalo é o animal que considero mais bonito. Nunca pensou ser toureiro?Foi coisa que nunca me passou pela cabeça. Santarém continua a ser uma cidade que merece o estatuto de capital de distrito?Acho que sim. Houve um período em que muitas coisas que se podiam fazer em Santarém fizeram-se noutras cidades talvez por falta de terrenos. Por exemplo: Santarém é a única capital de distrito em que a associação empresarial não tem lá a sua sede. A existência de duas associações de municípios dentro do mesmo distrito revela que houve da parte de outras cidades da região um inconformismo relativamente à capitalidade de Santarém?Acho que isso já está ultrapassado. Santarém está a mudar muito. Era muito crítico no passado, porque não se via fazer nada. As indústrias não se implantavam.A Câmara de Santarém vendeu terrenos a um escudo o metro quadrado para a instalação das Cervejas Cintra. Concorda com essa política de captação de investimento?Tem que se ver qual é o custo e o benefício. A câmara até pode oferecer o terreno, com determinadas condições. Com determinadas cláusulas nos contratos. Tudo tem que ficar bem qualificado para depois não haver oportunidade de dar mais valias sem contrapartidas. Concordo que as câmaras façam o possível para captarem empresas que criem emprego e que ajudam a desenvolver o tecido industrial da região, mas com métodos e contratos.Santarém está numa encruzilhada de auto-estradas e vias ferroviárias. Isso tem sido bem aproveitado?Está pelo menos bem situada para isso, mas penso que o aproveitamento destas vias pode ser melhor. No entanto o grande problema é a falta de terrenos. Têm aparecido empresas que se querem instalar e não têm espaço.Foi falta de visão?Não sei se é falta de visão ou falta de tempo. Nós andamos para instalar o parque Scalabis há sete anos e a situação ainda não está resolvida. Mas penso que agora já está a caminho de se resolver. Tem havido uma falta de estratégia para o crescimento da cidade?Há quantos anos é que Santarém está estagnada?Santarém foi a última capital de distrito a receber o 10 de Junho. A que se deveu?Andei a bater-me por isso durante muitos anos, ainda com o anterior Presidente da República Jorge Sampaio. Não calhou ser em Santarém antes. Talvez houvesse outras com mais interesse ou empenho. É uma questão relativa. Mas é óptimo ser agora. Atendendo ao peso histórico e patrimonial de Santarém a cidade não tem estado esquecida?Tem estado estagnada. O convento de S. Francisco está para se recuperar há quantos anos? Quando estive no Governo arranjei uma verba para arranjar o espaço. Depois saí e caiu outra vez. É importante recuperar-se o edifício. Já fui para ver a capela de Nossa Senhora do Monte e estava fechada. Mas penso que agora a cidade está a levar uma grande volta e há algum património que tem sido recuperado.“A banca não é uma instituição de caridade”A Nersant pediu alguma contenção à comunicação social no relato sobre os efeitos da crise nas empresas da região. Revê-se nessa posição? Às vezes é bom falar e às vezes é melhor estar calado. Mas penso que é bom haver alguma contenção, senão pode-se criar um clima de desânimo que é péssimo. Porque nestas alturas mesmo as pessoas que têm liquidez querem guardá-la e não fazem investimentos. Sem investimentos não há emprego. Não havendo emprego há problemas sociais e isso para mim é que é o grande drama. A associação tem lidado bem com a crise nas empresas?Presto homenagem ao presidente da Nersant, José Eduardo Carvalho, que no meu ponto de vista tem tido uma acção notável na defesa das empresas da região.Ainda usa o seu tempo e o seu currículo para influenciar apoios para a região?Desde que sejam projectos válidos que possa ajudar, faço-o sem qualquer dificuldade. E acompanho o José Eduardo Carvalho em visitas e iniciativas. A crise tem servido de desculpa para algumas situações? Não estou convencido disso. As pessoas quando não criam ou não têm emprego é porque não podem mesmo. Duvido que alguém goste de contribuir para o desemprego e para os problemas de ordem social, que são complicados. Tem tido uma vida ligada ao mundo da banca, da finança. Nesse sentido que análise faz deste momento que estamos a atravessar?Todos os períodos de crise são períodos de oportunidades e, contrariando o que as pessoas dizem, acho que deve haver oportunidades. Neste momento sou presidente do conselho de administração da Sofid - Sociedade Financeira para o Desenvolvimento e o que digo aos clientes é que as oportunidades são muitas, nem tudo é mau.A banca ficou com grande parte do odioso da crise perante a opinião pública. É justo?Não. A banca teve problemas como tiveram os outros sectores. Foram problemas de liquidez que levaram a que houvesse uma grande retracção. Neste momento a banca tem que ajudar a ultrapassar esta situação, apoiando as empresas em condições atractivas. Hoje é difícil convencer os portugueses que ao lidarem com os bancos estão a lidar com gente de boa fé…É verdade, mas os bancos também foram apanhados pela crise. Em relação aos países da Europa e da América, Portugal foi dos países onde ocorreram menos problemas. Infelizmente tivemos problemas em dois bancos, mas que estão a ser ultrapassados. Também houve uma situação de sobre-endividamento das famílias…A banca facilitou bastante essa situação. Foi uma questão que ocorreu em função da conjuntura. Ou seja, algo entre a febre consumista e a ganância da banca.Não lhe dava esse nome. Estive na banca 40 anos e tínhamos um cuidado enorme. Mas a banca não se fez para instituição de caridade, tem que emprestar dinheiro e fazer análises objectivas se o dinheiro é recuperável ou não. Porque o dinheiro não é nosso, é do povo. Mas houve algum facilitismo.Às vezes houve um bocadinho de falta de cuidado. As pessoas que estão hoje a comandar o sistema bancário são pessoas idóneas. O pior da crise já passou?Nota-se uma evolução no bom sentido. Estamos a tentar sair da crise. As coisas não se vão normalizar no imediato mas vão melhorar.
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