“Filarmónica Fraude” regressa em Junho com novos temas após quarenta anos de paragem
Fitas de 1969 foram encontradas e prepara-se disco com temas gravados mas nunca editados
Em Junho de 2007 O MIRANTE foi a um primeiro ensaio da “Filarmónica Fraude”. Agora recupera e desenvolve o tema do regresso aos palcos de um grupo que teve existência efémera mas que deixou saudades. A conversa é com o compositor de Serviço, Luís Linhares, que a maior parte das pessoas conhece actualmente por António de Sousa. No cine-teatro Paraíso, em Tomar, a 26 de Junho, pelas 21h30, reúne-se a formação original com uma baixa e dois reforços, para um recomeço.
Um, dois, três, quatro. Júlio Patrocínio conta em voz alta enquanto bate com as baquetas da bateria uma na outra. Da porta da garagem vê-se o casario. Quatro músicos, já entradotes, ensaiam canções que não são tocadas há quarenta anos. Músicas de um grupo chamado “Filarmónica Fraude”. “Aos peregrinos que chegavam crentes/Dava a cura e ela era tamanha/Que os imbecis dantes tão doentes/Se rebolavam na lama em altos gritos”. Antunes da Silva, nome artístico Toneca, guitarra Fender Mustang nas mãos, canta “Sebastião Morreu”, uma crítica mordaz aos curandeiros e à crendice popular, que o letrista António Avelar de Pinho, escreveu para o único álbum do grupo, “Epopeia”. Um tema actual como quase todos os outros que o conjunto lançou durante a sua curta duração, 1969 e 1970. Tudo começou no final da década de sessenta. Uns rapazes de Tomar e do Entroncamento juntam-se e formam um conjunto. Pouco depois conseguem um contrato para animar as noites de Verão de um hotel algarvio. Nas noites brancas do Alvor, amealhando tostões para pagar os instrumentos, vão tocando versões dos êxitos da altura. Pelo meio vão metendo uns originais seus. “Flor de Laranjeira”, “Animais de Estimação”, “O Milhões”. Dão nas vistas e acabaram por gravar dois EP (disco com 3 ou 4 canções) e um álbum. António Pinho que mais tarde viria a estar na génese da “Banda do Casaco” e António Sousa (que na altura usava o nome Luís Linhares) eram os compositores. António Luís Linhares Corvêlo de Sousa conta que a Filarmónica Fraude nunca fez, durante a sua curta existência, um concerto apenas com temas seus. “Tínhamos que tocar coisas que estavam na moda. Os nossos originais apareciam pelo meio”. Dia 26 de Junho, sexta-feira. No Cine-Teatro Paraíso, em Tomar, o grupo promete tocar apenas as suas canções. “Para além do reportório antigo temos prontos mais quatro temas originais. Eu contactei o António Pinho para lhe pedir letras e já compus as músicas. São temas à Filarmónica Fraude embora tratando assuntos mais actuais”. “Ó teias de aranha/Aqui a seu lado/ Ó eterna escola/Do mal ensinado”. A manhã de domingo vai-se escoando lentamente. O grupo tenta colar várias canções do disco “Epopeia” num “medley”. “Por vós (Desgostoso, Carrancudo e Magro), “Centenário”, Os Bem-Aventurados. Luís Linhares levanta os olhos dos teclados e vai dando indicações. É o maestro. O ambiente é de grande concentração. Ensaiam-se sugestões, que cada um vai dando, para encontrar novas sonoridades. No centro do grupo, rodeado de suportes de microfones e partituras está José Ricardo. Não fez parte da “Filarmónica Fraude” mas é ele o responsável pelo que está a acontecer. “Desafiei-os há uns meses para voltarmos a tocar. Somos amigos há muitos anos e já tocámos juntos vezes sem conta. Nos “Pedra & Cal” por exemplo. Juntamo-nos aqui na minha garagem. Começámos por tocar “standards”, swing, jazz, coisas de que gostamos. Há dois meses surgiu esta ideia de voltar a pôr de pé canções da Filarmónica que eu não conhecia bem. Para mim é uma novidade”. Ricardo ocupa na nova formação o lugar do baixista João Parracho, há muitos anos afastado das músicas. Paulo Serafim (voz e instrumentos vários) é o segundo reforço. A colaboração de outros músicos não é inédita. Nos discos gravados há 40 anos é possível ouvir metais, sopros, cordas. Há mesmo um tema da “Epopeia” em que os elementos do grupo nem sequer tocam. Mas na altura era mais difícil assegurar aquelas participações. Era obrigatório que os instrumentistas da música clássica fossem dirigidos por um maestro. No caso da “Filarmónica Fraude” foi Jorge Machado. “Eu e o António Pinho íamos a casa dele explicar o que queríamos e ele depois trabalhava com os músicos”, conta António Sousa.O grupo acabou com a ida dos músicos para a tropa. Alguns deles passaram pela guerra colonial. António Pinho, o letrista pela Guiné. Luís Linhares, o compositor por Moçambique onde chegou a ser corneteiro da companhia antes de se escapulir do mato para Nampula onde animava os jantares dos oficiais ao piano. Luís Linhares recusa a ideia de revivalismo e saudosismo. Ficámos sempre com a sensação que o projecto ficou inacabado. Agora que estamos na reforma ou pré-reforma das nossas vidas profissionais achámos que é uma boa altura para recomeçar onde ficámos. É isso que vamos fazer. Sem pressões nem pretensões. O nosso objectivo não é já sermos famosos ou chegarmos ao topo. Fazemos isto como sempre fizemos. Pelo gozo. Longe vão os tempos do lançamento do primeiro disco, em 1969. “O cocktail era na Galeria 48, na Avenida. Mandámos fazer uns smokings brancos e umas botas brancas de um mesmo modelo que tínhamos visto ao Paul McCartney, de meia canela, com elástico. A roupa foi feita no alfaiate “Piló”, no Chiado. Tudo à grande. Gastámos o dinheiro todo naquilo e depois tivemos que ir a pé de Campo de Ourique para lá. As bocas que nós ouvimos pelo caminho
ficámos de tal maneira que a Vera Lagoa escreveu no Diário Popular que éramos uns rapazinhos um bocado tímidos”, lembra a sorrir Luís Linhares.Nota: Texto feito com base na reportagem de O MIRANTE editada a 13 de Junho de 2007.
Mais Notícias
A carregar...