Quarenta anos depois, a Filarmónica Fraude continua... um conjunto diferente!
Concerto comemorativo dos 40 anos no Cine-Teatro Paraíso em Tomar
O concerto exclusivo de Tomar, terra da naturalidade da maioria dos músicos, teve um conceito, original, da autoria do actor João Mota (Comuna), natural também da cidade nabantina.
A Filarmónica Fraude recusa a facilidade e o óbvio, ignora a nostalgia e o revivalismo e reinventa, de novo, a modernidade da tradição musical portuguesa, seja lá o que isto quer dizer...Tudo isto aconteceu no Cine-Teatro Paraíso, em Tomar, perante as 439 pessoas que esgotaram a sala. Era - e foi - o concerto comemorativo dos 40 anos de uma das mais prestigiadas (e injustiçadas) bandas portuguesas dos anos 60/70.Com o sentido estético que caracterizou o grupo em 1969, o concerto exclusivo de Tomar, terra da naturalidade da maioria dos músicos, teve um conceito, original, da autoria do actor João Mota (Comuna), 66 anos, natural também da cidade nabantina.Tudo muito simples. Um palco negro, luzes para um rádio de válvulas onde se ouviam notícias de 1969: uma viagem de Marcelo Caetano às colónias, a inauguração da Gulbenkian, a guerrilha urbana na Irlanda do Norte e o nascimento da Filarmónica Fraude. (Eu teria dado ênfase à crise académica de 69).Com aspecto excelente, saídos de um qualquer Spa, os músicos, todos de camisa branca, entram em palco às 21h55 de 26 Junho e dão logo nas vistas com “Orícia”, que deu o tom do que viria a ser o concerto: agarrar o passado para reviver o presente. Foi uma opção arriscada, assumida, com os seus perigos, mas que se revelou, afinal, eficaz, eficiente, a provar que a Filarmónica Fraude nem à sua designação faz jus.A opção por arranjos mais modernos, por roupagens novas, nalguns casos a roçar o sabor latino, foi por demais evidente em canções tão populares como “A Flor de Laranjeira” e “Animais de Estimação”, que se seguiram.Foi divertido ver a malta - tudo fã da Filarmónica como é natural (conheço um casal que veio propositadamente de Viana do Castelo para o concerto) - à pesca nos primeiros acordes - o que é isto? - e depois entrar em êxtase, cantando a plenos pulmões os respectivos refrões.Não entendo nada de música, mas percebi uma atitude deveras inteligente nos novos arranjos: as coisas parecem diferentes, mas o refrão mantém-se intacto, permitindo a adesão emocional e emocionante da plateia, balcão e camarotes.Em “Animais de Estimação”, há um vibrante solo de guitarra de Antunes da Silva (Toneca) que nos remete para as caverns de Liverpool. Brilhante!Luís Linhares, o cérebro da música da Fraude, actual director da Casa-Museu de Fernando Lopes Graça, compositor clássico internacionalmente premiado sob o nome (também verdadeiro) de António Sousa, emociona depois com um belo trecho ao piano que serve de banda sonora às divertidas imagens dos Inkas, os pais da FF.“O Milhões” fez pele de galinha, após o que se seguiu um sexteto dedicado ao LP “Epopeia”: “Epopeia (1ª Profecia)”, “Na Ilha Virgem”, “Digo Dai” (com o povo a cantar em uníssono), “Por Vós (Desgostoso, Carrancudo E Magro)”, “Só Marinheiros E Escravos Se Afundam Com A Nau” (com vibrantes imagens das partidas das tropas para a guerra colonial no “Uíge”) e “25” (das mais aplaudidas, com piano e baixo e harmonia vocal à Crosby, Stills Nash & Young (Teresa Lage dixit).Finalmente, Antunes da Silva (uma bela voz, que ganhou com os 40 anos decorridos) resolveu falar com o povo da plateia para introduzir as novas canções da Fraude, da inimitável dupla António Pinho/Luís Linhares, “País Aprendiz”, “Sexo de A a Z”, “Talvez da Próxima Vez” e “Sacode” (canção com assobio, o que já não é vulgar).Como Tó Pinho (como era carinhosamente apelidado por Toneca) assinalaria em notas escritas para a produção, “o país de hoje não é muito diferente de há 40 anos”. Ou seja, António Avelar de Pinho (como hoje é conhecido) mantém a veia mordaz e Luís Linhares ou António Sousa, se preferirem, também não deixa por mãos alheias a sua particular e peculiar veia para a bela música popular portuguesa.O concerto terminou em êxtase com “Menino”, num uptempo deslumbrante, praticamente a fazer esquecer a versão (mais aguerrida) contida no primeiro EP do conjunto.A banda ainda viria a palco para saciar uma vontade de Tó Pinho (que não se calava na plateia), outra vez “Sexo de A a Z”, contra a vontade do meu vizinho do lado que berrava que queria ouvir (e eu também) “Canção de Embalar”.Todos os músicos foram exímios, Zé Ricardo (discreto, mas eficiente, no baixo), Paulo Rodrigues (percussões e uma voz fantástica), Júlio Patrocínio (bateria à Ringo), Antunes da Silva (guitarra e voz e que guitarra! e que voz!) e Luís Linhares (um génio no sentimento de atitude no abraço às teclas). No final, nenhum dos músicos dizia coisa com coisa. Cansados, extasiados, estavam delirantes, incrédulos: “mas vocês gostaram mesmo?”. Ó meu Deus, se gostámos!
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