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Uma vida no corte e costura

Uma vida no corte e costura

Modista Alda Silva apaixonou-se pela profissão que o pai escolheu para si

Lamenta que a profissão de costureira e modista esteja em vias de extinção. Na sua opinião os centros de emprego e até as escolas deveriam abrir cursos profissionais de costura.

O sonho de jovem era ser educadora de infância, mas há 50 anos a vida não tinha tantas facilidades e não existia tanta liberdade como acontece actualmente. Alda Silva sentiu essa falta de autonomia na pele. A mais nova de quatro irmãos não teve oportunidade de prosseguir os estudos uma vez que, como os irmãos também não estudaram, o pai achou que não seria justo dar outras oportunidades à filha mais nova.Aos 12 anos começou a aprender a costurar numa modista em Tremês, Santarém. Todos os dias fazia dois quilómetros – ida e volta – a pé da sua casa em Azóia de Cima para aprender o ofício. O que começou por ser um trabalho como outro qualquer tornou-se numa verdadeira paixão. Mas Alda Silva já em criança demonstrava muita aptidão para a costura.“Quando a minha mãe não estava por perto eu ia a uma arca onde estavam guardados lençóis de cama velhos e cozia-os à máquina. Outras vezes experimentava casear – fazer as casas para os botões – à mão e fingia que fazia bainhas. Quando a minha mãe, por vezes, ia à procura desses lençóis eles estavam todos estragados pelas minhas aprendizagens. A minha mãe nunca me ralhou porque sabia que eu estava a aprender algo que seria muito útil para a minha vida futura”, explica a modista de 56 anos.Os primeiros trabalhos de Alda Silva na modista em Tremês foram os mais básicos: tirar alinhavos, fazer bainhas, casear, mas tudo feito em pedaços de tecido para não estragar. Dois anos depois, quando já tinha adquirido experiência suficiente, foi trabalhar para uma boutique em Santarém onde ficou cerca de seis anos. A partir dessa altura começou a conciliar o trabalho na loja com as encomendas para vestidos que as moças e senhoras da sua terra lhe pediam.Alda Silva faz vestidos, saias, casacos, calças, vestidos de noiva, bainhas e arranjos. E trabalha com todo o tipo de tecidos desde seda, malhas, lãs, algodão, fibras e cetins. A modista confessa que o pior tecido para se trabalhar são as malhas de seda porque, diz, fogem muito das mãos e é necessário ter muito tacto para trabalhá-los.As peças que levam mais tempo a concluir são, na sua opinião, os casacos e vestidos de noiva. Um vestido de cerimónia, não muito complicado, demora cerca de seis horas a ficar pronto. Os vestidos de noiva são os que dão mais trabalho uma vez que são utilizados tecidos compridos, saias duplas que levam, na maioria das vezes, aplicações que têm que ser colocadas ao pormenor.Para se fazer um vestido são necessários vários passos até ao resultado final. Depois da cliente escolher o tecido e o modelo que pretende fazer, a modista coloca o tecido numa mesa de corte e corta-o sobre o modelo escolhido. Fazem-se as marcações, o vestido é alinhavado à sua medida e a cliente prova a peça para verificar se é necessário fazer algumas rectificações.Como qualquer profissional que trabalha na área da moda também Alda Silva acompanha as últimas tendências. “Este ano está a usar-se imenso as túnicas e os vestidos como se usava nos anos 70. Esta moda está bonita”, reconhece. Alda Silva diz que o problema é que nem todas as pessoas a sabem usar. “Existem pessoas que são muito fortes e querem usar vestidos porque estão na moda. A moda é para todos mas nem todos os corpos são para a moda e as pessoas, por vezes, não sabem adequar a roupa ao corpo que têm”, clarifica.Ao longo da sua vida de costureira, Alda Silva teve – e ainda tem – três máquinas de costura. Uma há mais de três décadas, outra com cerca de 18 anos e uma máquina portátil que comprou há mais de 20 anos. As duas mais recentes ainda estão actualizadas, mas são muito diferentes das mais antigas. As mais modernas já caseiam, chuleiam – ponto em zigzag que remata a costura - e embainham.Após a experiência em Santarém, Alda Silva resolveu mudar-se para Lisboa onde trabalhou numa boutique durante 14 anos. Foi nessa altura que as clientes começaram a aumentar significativamente. A amizade entre modista e cliente cresceu de tal maneira que Alda Silva ainda hoje tem clientes que vêm propositadamente a Santarém - para onde, entretanto, voltou – para a modista lhes fazer as peças de roupa que pretendem. Além disso, Alda Silva tem confiança suficiente com as clientes para lhes dar opinião sobre que tipo de modelo fazer consoante o tecido que vão utilizar.Actualmente trabalha só em casa, mas trabalho é coisa que continua a não faltar. A vantagem de trabalhar no seu lar é que pode conciliar a vida profissional com a vida doméstica. A modista gosta de trabalhar durante o dia mas confessa que à noite o trabalho rende mais porque é tudo feito com mais calma.Alda Silva apenas lamenta que a profissão de costureira e modista esteja em vias de extinção. Na sua opinião os centros de emprego e até as escolas deveriam abrir cursos profissionais de costura. “Os jovens não sabem cozer um botão nem fazer as bainhas de umas calças ou de uma saia. Daqui por alguns anos deixa de existir esta profissão que é mais importante do que as pessoas possam julgar”, alerta.
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