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Há vinte e dois anos a formar futebolistas no CADE

Luís Grácio garante que a Associação está a prejudicar o desenvolvimento do futebol jovem

Luís Grácio começou a treinar, aos 18 anos, uma equipa de infantis do CADE. Passou para os iniciados e tornou a equipa do Entroncamento na mais representativa do distrito de Santarém. Confessa-se um treinador exigente. Não recebe um cêntimo do clube. E acusa a Associação de Futebol de Santarém de prejudicar o desenvolvimento do futebol jovem no distrito.

Há quantos anos é treinador de futebol?Sou treinador há 22 anos.Começou muito jovem?Comecei com 18 anos. Estava na última época de júnior como jogador de futebol quando os dirigentes do Clube Amador de Desportos do Entroncamento (CADE) me pediram para tomar conta da equipa de infantis. Aceitei e aqui estou até hoje.Foi sempre treinador do CADE?Sim estive sempre nas camadas jovens do CADE. São 22 anos a formar jovens no Entroncamento.A opção por ser treinador não tirou um bom jogador ao futebol?Não. Nunca fui um grande jogador. Joguei nas camadas jovens do CADE, mas nunca me destaquei como jogador, e quando se pôs a oportunidade de passar a treinador não hesitei. Agarrei-a com vontade e felizmente tenho tido algum êxito.Aos 18 anos os seus conhecimentos de futebol eram muito precários?Sim, quando comecei os conhecimentos eram muito poucos, mas o entusiasmo era muito grande. E comecei logo a procurar adquirir conhecimentos. Ainda não tinha 20 anos tirei o curso de treinador de primeiro nível. Posteriormente tirei o curso de segundo nível, que me habilita a treinar na segunda divisão nacional de seniores. Mas chegar a treinador de segundo nível não o fez parar de progredir?Não, de modo nenhum. Hoje em dia há muitas formas de continuar a aumentar e actualizar os nossos conhecimentos. Troco muitas experiências com outros técnicos amigos. A própria aprendizagem no dia-a-dia é importantíssima. Hoje tenho consciência de que sou melhor treinador do que fui ontem, porque emendei o que de mal fiz no treino do dia anterior.Sente-se mais um treinador de jovens do que seniores?É evidente que sim. Toda a minha experiência se restringe ao trabalho com jovens. É mais fácil trabalhar com jovens ou com seniores?Muito honestamente acredito que um treinador é um treinador, seja de jovens ou de seniores. Nunca surgiu a oportunidade para treinar uma equipa de seniores?Pode parecer caricato, mas a verdade é que nunca fui convidado para treinar uma equipa de seniores a qualquer nível.Tem tido êxito com os jovens. Porque é que acha que nunca repararam em si para os seniores?Não sei. Talvez por as pessoas me identificarem com o CADE. Talvez por me ligarem exclusivamente ao futebol juvenil e não ao sénior. Sinceramente nunca me preocupei com isso, nunca me ofereci. Mas sinto-me capaz e habilitado para treinar uma equipa de futebol sénior.Tem uma grande dedicação ao futebol e ao CADE?É verdade. Tenho 40 anos e mais de metade da minha vida tem sido feita com o futebol e com o CADE. Nunca ganhei um tostão ou um cêntimo, ando nisto por gosto, pela amizade às pessoas com quem trabalho. Não tenho dúvida em assumir-me como um carola a cem por cento.Não é um treinador remunerado?Em todos estes 22 anos de treinador, nunca recebi um tostão do clube. Posso mesmo dizer que tenho investido algum dinheiro meu, principalmente na minha formação. Mas não é por isso que me queixo. Faço o que gosto e sinto-me bem assim.Não há técnicos remunerados no CADE?Que eu saiba não. Todos trabalham por amor ao clube e à causa. Porque se houvesse alguém remunerado eu também tinha que ser. Aceito trabalhar de borla no CADE porque sempre trabalhei nestas condições e porque sei que todos os meus colegas assim trabalham. Há pessoas que não acreditam nisso, mesmo colegas meus de outras equipas ficam admirados quando lhes digo que trabalho por gosto.O que é que afinal ganha com isto tudo?Ganho grandes amizades. Qualquer dia já irei treinar filhos de jogadores que treinei. São essas memórias e esses bons tempos que me fazem continuar a correr.Como é que consegue conciliar a sua vida profissional e familiar com o futebol?Primeiro porque tenho uma família extremamente compreensiva. Primeiro os meus pais, e agora a minha esposa e as minhas filhas. Posso dizer, a título de exemplo, que no sábado fiz 40 anos, tinha um baptizado de uma familiar muito próxima e não fui. Estive aqui num torneio. Almocei com a minha esposa e depois vim para aqui, e ninguém se queixou.A família não lhe diz que gosta mais do futebol do que dela?Não, nunca diz. A minha família sabe bem que eu a amo mais do que tudo. Gosto muito do futebol, mas esse gosto fica muitos furos abaixo da família. Tem duas filhas, faltou o filho para o seguir no futebol?É verdade. Mas eu costumo dizer, um pouco a brincar e um pouco a sério, que ainda bem. Nós já somos alvos de tantas críticas, porque colocamos a jogar o filho deste e do outro. E se alguma vez tivesse um filho a jogar numa equipa que treino seria ainda pior.De onde é que surgem as críticas mais intensas?Presentemente e o que às vezes me leva a perguntar a mim próprio o que é que me faz correr. É verificar que as maiores críticas vêm dos adeptos e de alguns pais dos jogadores. Os tempos de hoje são muito difíceis, é muito mais difícil treinar agora no futebol juvenil do que era há dez anos atrás. Os pais são cada vez mais exigentes, são pouco compreensivos, demasiado protectores em relação aos seus filhos, e depois são injustos, para os treinadores e para os restantes jogadores.Então é preciso começar a trabalhar mais com os pais?Talvez. É preciso que compreendam uma coisa, estão aqui porque têm cá o filho, e para eles é o seu filho e mais dez. Para mim não é assim, todos os miúdos que formam o grupo são meus “filhos”. O objectivo de qualquer treinador é ganhar e para isso tenta sempre escolher os melhores, com certeza que às vezes erro. Mas de certeza absoluta nunca errei no sentido de prejudicar um ou outro jovem, independentemente de ser filho de um pai que só vejo de ano a ano ou de um pai que está sempre no treino e nos jogos. Isso é uma coisa que por muito que custe a muita gente terão que engolir.Escolhe sempre os melhores, nunca foi pressionado para colocar um determinado jogador?Pressões há muitas. Mas comigo isso não pega. Jogam sempre os que estão em melhor forma. O ano passado tinha na minha equipa um excelente jogador, que era irmão da enfermeira da equipa, teve dificuldade em atingir uma boa forma e passou meia época no banco. Não era por ter a irmã, que como nós trabalha gratuitamente, ao meu lado que tinha um comportamento diferente em relação àquilo que é a minha forma de estar no futebol. O jogador acabou por treinar com mais vontade e ganhou lugar na equipa, fazendo uma parte final do campeonato excelente. Nunca me vendi a ninguém, nunca coloquei a jogar um jovem por ser filho de um director, de um vereador ou de outra pessoa qualquer. Sempre escolhi a equipa de entre os jogadores que na minha opinião estão em melhores condições.É fácil trabalhar assim porque não tem a pressão de receber ordenado do clube?Isso não evita que sejamos muito criticados. As pessoas socorrem-se de tudo e mais alguma coisa para nos atingirem. Na Internet as pessoas a troco de uma mensagem anónima aproveitam tudo para bater no treinador. Até para sugerir a equipa que devia ter jogado. Na maior parte das vezes nós até conseguimos saber quem escreve as mensagens. Muitas vezes até tratam os jogadores por um nome que só é conhecido pelos pais ou por quem acompanha a equipa nos treinos e nos jogos. É verdade que em noventa e cinco por cento dos casos eu tenho os jogadores controlados e os jovens percebem. O pior é que nós falamos com eles no balneário e a seguir eles entram no carro do pai e ele faz-lhes a cabeça de uma forma totalmente diferente. É um bocado difícil gerir esta situação porque nós nunca podemos colocar um filho contra o pai, temos que saber gerir isto com pinças para que o próprio jogador não se sinta ferido entre a mentalidade do treinador e do pai.Já teve algum caso de miúdos problemáticos nas suas equipas?É evidente que se considerarmos 22 anos vezes, pelo menos 20 atletas, e se juntarmos que nos últimos anos temos sempre dois plantéis, existem sempre várias situações. Há bons e maus alunos, com famílias perfeitamente regulares e outras que não funcionam, acontecem sempre alguns casos menos correctos. Mas felizmente que ainda estamos a trabalhar com jovens numa idade em que é relativamente fácil tê-los controlados. E nunca houve um caso demasiado grave.“Formação do CADE está bem e recomenda-se”Como é que está a formação no CADE?A formação do CADE está bem e recomenda-se. Em termos de condições vamos entrar este ano numa fase nova, vamos ter um complexo com excelentes condições. Vamos poder concentrar os treinos e os jogos aqui no Bonito, vamos deixar de andar com a casa às costas. Nesse sentido tudo vai ser mais uma forma de ultrapassar dificuldades.Os iniciados que treina são a equipa com mais êxito no clube? É uma constatação. Nos últimos dez anos temos conseguido ser campeões de série ou pelo menos ir sempre à segunda fase do Campeonato Nacional. O que no caso é sempre um grande êxito. Mas isso é fruto da formação que vem desde as escolinhas, não somos nós que temos aqui uma varinha que faz com que os iniciados se destaquem das outras equipas. É fruto de um excelente trabalho que se faz em todos os níveis.Mas há também no ar a acusação de que o CADE alicia os melhores jogadores de outros clubes?Isso não é bem assim. Não temos culpa de muitos dos jovens do distrito queiram vir para o CADE. As críticas que nos fazem são injustas, porque os jovens vêm para o CADE porque gostam de jogar nas melhores equipas. Posso até dizer-lhe que não é verdade que a maioria dos jogadores não sejam formados aqui no clube. O plantel deste ano é formado por noventa por cento de jogadores que vêm das camadas mais jovens do clube.É daí que vem o êxito dos iniciados? Sem dúvida que sim. Mesmo respondendo a algumas críticas, que chegam ao ponto de dizer que afinal apenas somos campeões de um distrital alargado. Como é que se pode ter uma crítica destas quando jogamos com equipas de Leiria, Coimbra, Castelo Branco e Portalegre. E mesmo na segunda fase temos conseguido o feito de ombrear com os melhores, geralmente só ficam à nossa frente os grandes do futebol nacional.O nível de exigência na equipa é muito grande?Sim somos muito exigentes. Sabemos que para além de estarmos a preparar o jovem para o futebol também o estamos a preparar para a vida, por isso temos que ser exigentes. A vida é extremamente competitiva. Temos que ser competitivos nos estudos, no trabalho e na vida, por isso nós somos exigentes. É por isso que quando estamos a falar de uma forma mais acalorada com um jovem, não é por não gostarmos dele, pelo contrário gostamos de todos. Temos tido sucesso e por isso não vou arrepiar caminho. Vamos continuar a trabalhar da mesma forma como temos feito.Como reage quando um pai castiga um jovem tirando-o do futebol porque teve notas menos boas nos estudos?Tento sempre fazer ver aos pais que eles não estão a castigar o jovem. Estão a castigar o clube. Penso que um estudante não tem más notas por jogar futebol. Tem más notas porque não estudou o suficiente, não foi metódico, não organizou bem a sua vida e por isso não chegou onde devia ter chegado. Aliás para mim o futebol é um bom veículo para um jovem se tornar mais organizado. Se quer jogar futebol tem que organizar as coisas para que o tempo que está a treinar e a jogar não lhe seja necessário para estudar. Se quer ser jogador de futebol tem que retirar esse tempo a outras coisas da vida, nunca aos estudos. Associação não está de mãos dadas com a formaçãoComo é que está o futebol de formação no distrito de Santarém?O futebol de formação nos clubes da área da Associação de Futebol de Santarém tem evoluído muito favoravelmente. Há melhores condições em termos de espaços para treino e para jogos. Há clubes a trabalhar muito bem, há bons treinadores. Mas existe um distanciamento muito grande entre, o CADE, União de Tomar, Fátima, Académica de Santarém, Rio Maior e Cartaxo e os outros clubes.A criação de Academias ligadas aos grandes clubes é benéfica para o futebol do distrito?Penso que não. Isso é a parte económica a tentar dominar o futebol. É uma forma de tirar partido do nome dos clubes grandes, para que os miúdos se inscrevam, paguem uma jóia e uma mensalidade. Não é nada mais do que isso. Qualquer jovem que sobressaia os clubes grandes vão imediatamente buscá-lo.E a Associação faz alguma coisa para o desenvolvimento do futebol jovem?Às vezes penso que a associação quer agradar ao maior número de clubes possível, mesmo que com isso não favoreça a evolução do futebol. Porque diz isso?Dou-lhe um exemplo. Nós no CADE, queremos sempre jogar a um nível alto nos nacionais, por isso mesmo temos que ter sempre equipas B, para que no ano a seguir possam substituir os que jogadores que passam a juvenis. O ano passado fomos os vencedores da zona norte e não pudemos ir lutar pelo título com o Samora Correia, porque a equipa B não pode ir à final. Mais mais grave ainda, é o atentado que se vai fazer na próxima época, em que as equipas B, que mesmo que ganhem a primeira fase só com vitórias, nem sequer podem ir ao nível I, vão ter que andar a jogar com equipas, que têm muita vontade, mas não vão dar nenhuma competitividade ao seu futebol. Isto vai atrofiar o desenvolvimento da equipa, e os jovens vão chegar ao segundo ano, sem qualquer motivação competitiva. É uma grande tristeza o que se está a fazer na Associação de Futebol de Santarém. Só porque a direcção não tem coragem de dar um murro na mesa e dizer que isto não pode ser.Isso vai colocar o CADE e as outras equipas que estão nos nacionais ainda em mais desvantagem em relação aos clubes das outras associações?Sem dúvida que sim. Olhemos para o que se passa em Lisboa, onde o Benfica e o Sporting são geralmente campeões, e quem sobe é o Oeiras, o Real ou outra qualquer, o mesmo acontece em Coimbra e em Leiria. A nós nem sequer nos interessa ser campeões, queremos é continuar a jogar com os melhores do distrito.O CADE nunca se opôs a isso?Opusemo-nos sempre mas são decisões tomadas em assembleia-geral. E o que estranhamos é que muitas vezes sejam propostas do próprio gabinete técnico da associação, cuja função é fazer evoluir o futebol, mas tenha decisões destas. Só vejo uma justificação para isto, é o querer agradar à maioria possível dos clubes do distrito.A falta de árbitros nos jogos dos jovens é também uma preocupação?Sem dúvida que sim. Não calcula como é desmotivante para nós e para os jovens, chegarmos às nove horas da manhã a um campo de futebol e depois ficarmos todos a olhar uns para os outros a ver quem é que vai apitar o jogo. Mas dizer que isto está mau, mas ninguém apresenta soluções para ajudar a resolver o problema. Eu já sugeri que se fizesse jogos de jovens com dois árbitros, como já se faz em Lisboa. Ninguém ligou a isso, mesmo sabendo que assim havia muito menos jogos sem árbitros. Outra proposta que já fiz, foi a de não deixar fugir os árbitros que atingem o limite de idade e ainda estão em perfeitas condições de arbitrar jogos dos jovens e mesmo acompanhar jovens árbitros que tiram os cursos e são muitas vezes atirados às feras, mandando-os arbitrar sozinhos jogos de futebol de sete, sem policiamento, onde os pais andam a correr à volta do campo a ameaçá-los de tudo e mais alguma coisa. Isto é um convite a que eles se vão embora o mais rápido possível.

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