
“Papa-reformas” resistem ao tempo mas não às novas leis
Condução sem carta cessou há três anos
Utilizadores mais antigos mantêm licenças, mas novos condutores só com carta. Vendedores e responsáveis de escolas de condução aplaudem pedagogia. Condutores não compreendem mudança.
José Adelino Picanço, 63 anos, regressa a casa depois de um final de tarde de convívio no seu micro-carro. O condutor, residente em A-dos-Loucos, freguesia de São João dos Montes, concelho de Vila Franca de Xira, guia com licença camarária. José Picanço faz parte de um grupo em vias de acabar, desde que foi publicada, há três anos, uma lei que insere os micro-carros, também apelidados como “papa-reformas” na carta de condução B1, que implica um exame de código para os novos condutores. “Acho que não era preciso carta. O carro anda sempre muito pouco, no máximo a 50 quilómetros por hora. Trava-se bem e é seguro”, garante o sénior. A escolha do veículo, para quem já conduzia há vários anos uma motorizada, era óbvia. “Queria não apanhar chuva. Tive sempre motorizadas e queria ir com a esposa para um lado e para outro. O carro tem mais segurança e permite fazer viagens a ouvir música. Anda é muito devagarinho”, relata. Para aprender a trabalhar com o veículo, António Picanço praticou em casa. “Aprendi a fazer marcha atrás e a manobrar. Nunca bati”. O caso de António Picanço é um entre muitos, que já não se voltarão a repetir. Júlio Bessa, proprietário de uma loja de motas e quadriciclos em Casais das Comeiras, freguesia de Aveiras de Cima, concelho de Azambuja, ainda recorda como ensinou a conduzir alguns condutores que adquiriam mico-carros antes da nova lei em locais pouco habituais. “Levava o cliente dentro do micro-carro até ao campo da bola nos Casais Penedos e ensinava-os a manobrar o carro e a fazer marcha atrás. As pessoas não tinham noção do que era um volante e andavam com os carros aos “esses”. A solução era usar as marcações do campo como referência”, conta. O comerciante ficou satisfeito com a nova lei, ao nível da segurança, mas nota que o mercado “quase desapareceu”. Frederico Bento, proprietário de um stand em Alcanede, concelho de Santarém, também nota a quebra do mercado mas concorda com a lei. “Acho muito bem o que se fez, passando-se a tirar o código com o mínimo de credibilidade. Antes a licença era obtida sem se saber muito bem como”, conta. Quem ficou a ganhar com a mudança foram as escolas de condução. António Matos, proprietário de várias escolas de condução e vereador na Câmara Municipal de Azambuja, também considera “positiva” a mudança, “independentemente de dar aulas de condução”. A lei que permitia a condução sem carta, refere, foi resultado de “uma vontade de ajudar a indústria e facilitar o acesso a um transporte mais confortável a pessoas que se sabia que não teria capacidade intelectual para tirar a carta de condução”. Ao que apurou O MIRANTE, são raras as candidaturas em escolas de condução de pessoas que se insiram no perfil do utilizador de micro-carros da altura: sénior, com pouca instrução e utilizador de motorizada. A inserção dos micro-carros na nova classe de carta de condução atraiu, no entanto, novos utilizadores em zonas de maior poder de compra. São jovens e adultos que procuram um meio de transporte. “Por fora, são micro carros, mas por dentro parecem-se com automóveis”, relata António Gouveia, que comercializa uma marca dos novos veículos em Samora Correia, concelho de Benavente. Alguns atingem 160 quilómetros por hora. “São veículos direccionados para carta B1, mas com caixa de velocidades. Permite aos jovens que tenham tirado o código para a carta B1 aos 16 anos conduzir até ter carta definitiva de classe B aos 18, depois de fazer só o exame de condução porque o de código fica feito”, conta. Sobre os micro-carros que não necessitavam de carta, António Gouveia é pragmático. “As pessoas não estavam preparadas para andar na estrada, entravam em contra mão”, relata. “E pediam para fazer uma alteração nos automóveis que lhes aumentava a potência. Mas perdiam logo a garantia de três anos, porque o carro está preparado para andar a uma certa velocidade e assim podia ganhar folgas e problemas com o óleo”.Lei das 125 estimula condução de motasFoi publicada em Diário da República a 13 de Agosto e está a agitar o universo das duas rodas. A nova lei 78/2009 permite que todos os portadores de carta de condução de categoria B (automóveis) possam conduzir motociclos até 125 centímetros cúbicos (cc) e 15 cavalos (cv) sem necessitar de mais algum exame de condução. No caso do automobilista ter menos de 25 anos, terá de fazer um exame prático numa escola de condução. Para António Matos, proprietário de várias escolas de condução, a lei “não garante uma maior segurança na condução, por pessoas que nunca conduziram uma mota na vida”. Júlio Bessa, proprietário de uma loja de motas em Casais das Comeiras, já vendeu seis exemplares de cilindrada 125 cc num mês. Antes, nem uma. “Quem a procura são pessoas como eu que já andavam de motorizada 50 cc e querem um veículo melhor”, garante.

Mais Notícias
A carregar...