Uma mulher do campo que não gosta da política de gabinete
Isaura Morais protagonizou umas das surpresas das autárquicas ao conquistar a Câmara de Rio Maior ao PS
Para muitos é uma ilustre desconhecida. Isaura Morais fica na história das últimas autárquicas ao derrotar em Rio Maior um adversário de peso que se encontrava no poder há 24 anos. Mulher simples e assumidamente do campo, que ajudou muitas vezes o pai no trabalho da terra, fez teatro e dançou num rancho. Ficou viúva aos 33 anos e teve de reaprender a viver. Criou uma empresa, estudou e entrou na política de forma fulgurante. Há quatro anos foi eleita presidente de junta e já é presidente de câmara. João Calhaz / António Palmeiro
É uma mulher elegante. Até que ponto a imagem pode ter contribuído para o seu sucesso eleitoral?Sejamos realistas, sabemos que a imagem também conta, mas acho que não é por aí. Talvez tenha contado mais a juventude, apesar de já ter 43 anos, o efeito novidade, o facto de ser mulher. Acho que foi um somatório de vários factores.Qual foi a sensação que prevaleceu após ter ganho as eleições: alegria ou preocupação?Um misto. Senti alegria por ter alcançado os objectivos a que me propus. E, ao mesmo tempo, senti o peso da responsabilidade que vou ter nos próximos quatro anos. É uma responsabilidade muito grande, apesar de sempre ter estado consciente disso.Já começou a ter receio de defraudar as expectativas de tanta gente que confiou em si?É uma preocupação estar à altura das perspectivas que foram criadas. Isso faz parte da minha forma de estar e de ser. Trabalharei todos os dias para ir de encontro às expectativas que sei que foram criadas por mim e pela minha equipa.Passou a dormir pior desde que foi eleita?Não, passei a dormir menos. Mas as poucas horas que durmo presentemente são horas de sono profundo, porque quando me deito estou muito cansada. Durmo bem.Qual foi a primeira medida que tomou após ter iniciado funções como presidente da câmara?Eu e o meu executivo fizemos questão de ir ao estaleiro, aos equipamentos que temos fora da sede principal da câmara, apresentar cumprimentos aos funcionários. Depois fizemos o mesmo na câmara, cumprimentando cada um dos funcionários gabinete a gabinete. Foi tentar uma primeira aproximação, que acho importante, com todos aqueles que esperamos que colaborem connosco.Já sentiu resistências por parte de funcionários.Não. Logo nesse primeiro dia, às cinco horas da tarde, fiz questão que comparecessem no auditório da câmara para lhes dar algumas palavrinhas. Tenho noção que somos humanos e que é natural que haja resistência à mudança. Mas disse-lhes que aproveitassem esta mudança também para que, cada um por si, tentasse aproveitar para alterar alguns procedimentos e comportamentos do dia a dia. Senti boa receptividade e vontade de colaborar por parte dos funcionários. No dia do concelho não resistiu a lançar críticas à situação que herdou na câmara e ainda agora começou o mandato. A situação é assim tão má?Não se tratou de uma crítica mas de uma resposta a uma entrevista que o ex-presidente de câmara deu a um jornal local, onde dizia que estava tudo feito e que iríamos ter uma situação tranquila. Como não acho normal a quem perde eleições desvalorizar a vitória de quem ganhou e, por outro lado, dar a entender que não há muito a fazer, desvalorizando logo à partida o trabalho que irá ser feito nestes quatro anos, reagi dizendo que não tínhamos herdado uma situação tranquila.Designadamente ao nível das freguesias rurais...Quando as freguesias ainda reclamam iluminação pública, caixotes do lixo, saneamento básico e alcatrão, seguramente não está tudo feitoHouve uma discriminação das freguesias rurais relativamente à sede de concelho nos anteriores mandatos, em termos de investimento?Foi uma opção de quem cá esteve. E dou um exemplo: quando se diz Rio Maior cidade do desporto, eu tudo farei para que seja Rio Maior concelho do desporto.O desporto como factor estratégico de desenvolvimento do concelho é uma aposta para manter?Sim. Os equipamentos estão cá e têm de ser valorizados, rentabilizados e divulgados numa lógica de articulação com o meio rural. As crianças ou os idosos do meio rural devem ter as mesmas oportunidades que têm os da cidade. Claro que o desporto é uma aposta para manter. Eu própria fiquei com esse pelouro. Foi eleita por uma coligação entre PSD, CDS e independentes. Não deve ser fácil manter a coesão entre tantas sensibilidades.Acho que uma das razões da nossa vitória vem precisamente de termos conseguido criar essa unidade em torno desta candidatura protagonizada por mim. Foi muito fácil e continua a ser muito fácil, ao contrário do que se pudesse pensar. O projecto é comum, os modelos de desenvolvimento que queremos para o concelho também o são e as pessoas conhecem-se. Há afinidades pessoais também?Perfeitamente. Carlos Frazão, que é vice-presidente da câmara, além de ter sido meu professor foi meu padrinho de casamento. Alguns notáveis do PSD, como Pacheco Pereira e Passos Coelho, deram-lhe uma mão na campanha. Foi importante esse apoio?Claro que sim. Convidei Pacheco Pereira, muito antes de saber que seria cabeça de lista às legislativas pelo círculo de Santarém, por ser uma figura nacional que tem casa no concelho. Colaborou connosco e nunca deixou de participar nas nossas acções. O Pedro Passos Coelho veio porque acho que nestas alturas era importante dar uma imagem de unidade, quer a nível local, distrital e nacional. O presidente da assembleia municipal criticou a onda de boatos e maledicência, visando alguns autarcas, que assolou o concelho após as eleições. Essa situação perturbou-a?Ninguém gosta de ouvir, até porque se a verdade às vezes dói a mentira dói muito mais. Foram levantadas algumas questões, foi colocada em causa a capacidade e a competência das pessoas, o que não tem razão de ser. Houve pessoas que em vez de se preocuparem em fazer a própria campanha preocuparam-se mais com os outros.Foram levantadas dúvidas quanto ao seu património. Sente-se de consciência tranquila?Completamente. Viveu-se um clima de crispação em Rio Maior nesta campanha eleitoral que não era habitual. Sente-se co-responsável por esse facto?De maneira nenhuma. Mas viveu-se uma situação inédita nesta campanha em Rio Maior. Nunca tinha havido tanta gente envolvida num acto eleitoral. Da minha parte não houve crispação, foi tudo tranquilo. Acha que houve uma campanha para tentar denegrir a sua imagem?Penso que não. Saberiam que não tinha fundamento real nem verdadeiro. A tentativa foi mesmo de desespero quando perceberam que o resultado poderia ser aquele que foi.Ainda hoje há quem não se conforme com a sua vitória?Seguramente. O poder é viciante. Não me estou a referir a nível de cúpulas, mas foram muitos anos…Já começou a sentir pressões para arranjar empregos políticos?Muito francamente ainda não. Tenho neste momento apenas um compromisso, mas a meu desejo, com aquele que virá a ser o meu chefe de gabinete. Silvino Sequeira merecia sair pela porta grande da presidência do município?Acho que sim. Aliás outra resposta não poderia dar, sabendo-se que Silvino Sequeira geriu a câmara durante seis mandatos e Rio Maior ficou sem dúvida com uma grande marca dele. Será sempre lembrado. Conta com ele para a ajudar neste mandato?Conto, sem dúvida, com a experiência dele e com o amor a esta terra para ajudar a dar continuidade, inclusivamente, a muitas obras que foram iniciadas e que estão em curso. Silvino Sequeira esteve ausente da tomada de posse e da sessão solene do dia do concelho. O que pensa disso?Os actos ficam com quem os pratica. E os riomaiorenses saberão certamente avaliar essas situações.Gostava que Silvino Sequeira aparecesse na próxima reunião de câmara para tomar posse?Gostava.“Não entro em estado de choque às primeiras”Isaura Morais ficou viúva aos 33 anos e aprendeu a relativizar a dorQuem é Isaura Morais?A Isaura tem 43 anos de idade, nascida e criada num dos lugares de Rio Maior, que é Fonte da Bica, a 400 metros das salinas. Os meus pais sempre se dedicaram à agricultura e à exploração pecuária. Tenho uma irmã mais velha sete anos. Tinha que ajudar o meu pai na agricultura, nomeadamente na vinha. Habituou-se ao contacto com a terra desde cedo.Sempre gostei da terra. A minha irmã refugiava-se mais nas tarefas domésticas. Sou uma mulher do ar livre. Sabe distinguir um bom de um mau vinho?Sou! Gosto de um bom vinho tinto como ribatejana que sou. Qual foi o seu percurso de vida?Tirei o curso de Gestão de Recursos Humanos. Entretanto casei e tenho uma menina com 15 anos, que foi estudar para Santarém porque em Rio Maior não abriu a área de Economia, que era o curso do pai. Joga no Santarém Basket. A mãe consegue acompanhá-la nas actividades?É mais o namorado da mãe (risos)…Teve um grande desgosto na vida…O meu marido, tinha a nossa filha três anos, descobriu que tinha leucemia. Foram dois anos muito complicados e acabou por falecer. Tinha eu 33 anos. Tive que iniciar uma aprendizagem de voltar a viver. Em termos profissionais o que é que já fez?O meu cunhado trabalhava em artes gráficas e tinha uma empresa com a minha irmã, na área da impressão e acabamento. Desafiou-me para fazer uma empresa na área da pré-impressão e assim foi. Continuei a estudar à noite. Tirei uma pós-graduação em Gestão de Marketing. Há quatro anos aceitei o desafio para me candidatar à Junta de Freguesia de Rio Maior. O meu falecido marido tinha sido vereador do PSD na câmara no mandato de 1993. E a ligação mais próxima que tive à câmara municipal foi através da minha irmã que trabalhou durante 17 anos no gabinete do ex-presidente da câmara, Silvino Sequeira. Até há pouco tempo não tinha militância partidária.Fiz-me militante do PSD por volta de 2001 e aos poucos comecei a viver mais de perto as questões da política e a ter uma ligação maior quer com a concelhia quer com a distrital do partido. Quando me fizeram o convite para a junta, a princípio estranhei e depois achei que deveria ser interessante e que estava à altura. Ficou surpreendida quando ganhou a junta de freguesia?Fiquei. Era a primeira vez que estava num cargo público. Há quatro anos por esta altura estava muito mais insegura. Dormia pior. É uma mulher ambiciosa na política, ou pelo menos parece. Até onde pretende chegar?Já me perguntaram se quando me candidatei à junta foi com a câmara no horizonte. De forma alguma. O meu objectivo na junta de freguesia era desempenhar o cargo da melhor maneira possível com todas as minhas forças. Quando me colocaram a questão de me candidatar à câmara, fui aos poucos vendo se isso estava ao meu alcance. Se não estivesse, jamais pensaria nisso. Foi o então líder nacional do partido, Marques Mendes, que me laçou o desafio. A vontade de me candidatar partiu também do incentivo da população. Mas até onde gostaria de ir?As funções que agora assumi são de tamanha responsabilidade que presentemente nem quero pensar nisso. Parece ser uma mulher serena, reservada. As aparências iludem?O que me vai no coração e na alma transmito-o. Sou uma pessoa terra a terra. Quando sofremos percalços na vida, isso faz-nos ser mais serenos e tranquilos. Quando passamos pelos problemas achamos que tudo o mais tem solução. Aprendi a relativizar a dor. Não entro em estado de choque às primeiras. Sou ponderada e espontânea. É uma utilizadora habitual dos espaços desportivos da cidade?Com muita pena minha não. O meu maior desporto neste momento é andar de carro (risos). Tem tempo para ler?Pouco! Tenho um livro na mesa-de-cabeceira há meses. Mas gosto de ler. Gosto muito de Gabriel García Márquez. Costuma ir ao cinema?Agora pouco. Houve uma altura em que ia de propósito a Lisboa ao cinema. Vou às vezes às sessões no cine-teatro de Rio Maior. E música e dança?Gosto muito. Em pequena dancei num rancho folclórico e participei num grupo de teatro. Gosto imenso de danças de salão, mas não tenho técnica. Aprendi a dançar em cima dos pés do meu pai. De música costumo dizer que sou de bom ouvido. Que sítios gostava de visitar?Há uma viagem que tenho que fazer. Gostava de ir ao Mónaco. É a viagem que ficou por fazer. Mas já fui a Cuba, por exemplo. Há uns anos fazia umas férias muito mais didácticas. Mais férias para conhecer do que propriamente para praias. Apesar de gostar muito de praia. A minha preferida em Portugal é a de São Martinho do Porto.É uma pessoa crente?Graças a Deus sou. Fui educada para ser, numa altura em que era obrigada a ir à missa. Nunca me revoltei com a igreja em relação à morte do meu marido. Sou crente e praticante, apesar de falhar às missas de vez em quando. Às vezes é bom parar um pouco e dizer: oh meu Deus ajuda-me! E depois ver as coisas acontecer. Uma obra que gostasse de deixar em Rio Maior?Sem dúvida que era o museu municipal. Irei trabalhar para que seja exequível nestes quatro anos, se bem que estamos numa fase ainda de tomar conhecimento com os dossiês. E as finanças da autarquia como estão?Pedi relatórios e mapas e estou a analisá-los. À primeira vista as coisas estão controladas. Vai pedir uma auditoria às contas?Não é o que Rio Maior precisa neste momento. Já verifiquei que alguns colegas que entraram agora para a presidência de câmaras têm como primeira medida a realização de auditorias. Não acredito que seja uma prioridade e para Rio Maior não o será certamente. O que me vai no coração e na alma transmito-o. Sou uma pessoa terra a terra. Quando sofremos percalços na vida, isso faz-nos ser mais serenos e tranquilos. Quando passamos pelos problemas achamos que tudo o mais tem solução. Aprendi a relativizar a dor. Não entro em estado de choque às primeiras. Sou ponderada e espontânea. Fiz-me militante do PSD por volta de 2001 e aos poucos comecei a viver mais de perto as questões da política e a ter uma ligação maior quer com a concelhia quer com a distrital do partido.
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