“A escola tem de repensar novas formas de trabalhar e de aprendizagem”
Armandina Soares, presidente do Agrupamento de Escolas de Vialonga
A escola não é a mesma de há 30 anos e precisa de se adaptar às novas realidades e aos novos saberes. Há que encontrar soluções individualmente e não uniformizar o ensino. Esta é a convicção da presidente do Agrupamento de Escolas de Vialonga. Em entrevista a O MIRANTE, Armandina Soares, defende uma escola inclusiva para todos como forma de diminuir a insegurança. Avança que as instalações da EB 2,3 estão em ruptura e espera em 2011 ter ensino secundário. Lembra à câmara de Vila Franca que ainda faltam construir mais escolas na freguesia. Jorge Afonso da Silva
Como está a decorrer o projecto de inclusão nas escolas de Vialonga?Algumas coisas correm menos bem nas escolas. Temos mais de mil alunos durante o dia, só aqui, na EB 2,3 de Vialonga. É evidente que há permanentemente problemas. Os jovens são contestatários, reivindicativos e têm, muitas vezes, dificuldades em cumprir regras. Há sempre a necessidade de gerir estas situações que vão surgindo. Desde que estou aqui temos áreas profissionalizantes e percursos curriculares alternativos que se ajustam aos diferentes perfis dos alunos. Ultimamente temos feito um trabalho direccionado para as crianças de etnia cigana (ver caixa). Em muitas situações também servimos o concelho com ofertas para crianças que estão em risco de insucesso repetido e de abandono escolar e que vêm frequentar as nossas formações.Isso não acaba por criar uma certa instabilidade? Estes alunos têm que estar na escola como todos os outros. São gente e existem. Não os podemos meter num caixote nem debaixo do tapete. A sociedade também não pode fazer isso e tem que encontrar as formas mais eficazes de integração. Se encararmos frontalmente o problema e formos acompanhando esses percursos reduzimos as tensões sociais e contribuímos para a solução de um problema. Não inventamos estes alunos que têm comportamentos mais complicados. A questão é: vamos ignora-los ou dar-lhes um espaço de aprendizagem? Nós optamos pela segunda.Isso é alguma crítica implícita a outras escolas que não seguem esses princípios?É uma opção e um entendimento do que deve ser uma escola inclusiva. Não faço ideia se as outras escolas têm condições para o fazer ou não. Nós tínhamos uma população complexa que precisava de respostas diferenciadas. A escola pública deve encontrar respostas e formas de formação para todos os alunos. Deve ser cada vez mais uma escola inclusiva onde todos tenham espaço. Essa é a sua e nossa obrigação.Mas tem conhecimento que há vários agrupamentos que não seguem essa política.Essa não é a minha preocupação nem um assunto que me diga directamente respeito. Mas por vezes tenho a necessidade de encontrar respostas para alunos que não eram nossos. Haverá alguns colegas que não encontraram soluções, têm outras dificuldades ou faltam outros recursos. Não sei e só respondo pelo nosso trabalho.Mas haverá pais que discordarão deste rumo…Se estão em desacordo estão enganados. Porque os próprios meninos que eles gostariam que vivessem em espaços mais protegidos não existem. Todas as crianças, num determinado momento, são factores de perturbação. Uns mais graves e outros menos. Mas a escola pública é isto. Se os pais querem outro tipo de escola terão de optar pelo privado. Aí sim, há uma selecção de alunos.Continua a acreditar no projecto da integração?Claramente. Senão tenho que pedir mais polícias e prisões. E isso é o que não quero. É complexo mas temos de trabalhar nesse sentido. Aqui ninguém quer mandar um aluno embora nem desistir. Olhamos para cada um deles como um ser individual que nos merece respeito e compreensão. Às vezes é muito duro. Era mais fácil fechar a porta e esquecer-se o problema. Que opinião tem dos encarregados de educação?Temos muitos pais excelentes. Outros não são tão bons ou têm mais dificuldades em ser pais. É difícil educar e construir família. Muitos fazem um esforço para melhorar. Por vezes temos de trabalhar com pais que não têm tempo para ser pais. Este é um problema complicado. São mães, por exemplo, sozinhas, que têm de trabalhar em horários desencontrados dos filhos. Há uma série de alunos nossos que estão quase em autogestão. Muitas dessas crianças causam-nos alguns problemas e às próprias famílias. Concorda que os alunos não levam a escola a sério? No final do ano lectivo esta escola deve ficar com 10 por cento de alunos de excelência. Depois temos miúdos que trabalham pouco. Mas sempre houve. Estão cá todos. Os que gostam e os que não. Não é provocação para ninguém mas é preciso que a escola volte a olhar para si e pense que, se aquilo que propõe aos alunos é aquilo que de facto deve ser proposto no século XXI. A escola de agora não pode ser igual ao que já foi. Os desafios são outros. A televisão e a internet competem fortemente com a escola. Às vezes somos pouco interessantes. A educação tem de repensar novas formas de trabalhar e de aprendizagem. Não concordo com essas frases generalistas.Então o que defende?Defendo há muito tempo que a escola tem de se reorganizar e repensar de uma forma diferente. Os públicos são diferentes. A sociedade é distinta. As necessidades de resposta são outras. Não pode continuar a ter a mesma visão que tinha há 30, 40 anos. Tem de haver mudanças de fundo. Quando se coloca a questão da responsabilidade das escolas pelo resultado dos alunos – é verdade que temos essa responsabilidade – há que encontrar as melhores soluções para o sucesso educativo, que não pode ser alheio à escola. Não pode depender só dos alunos e das famílias. Também depende de nós. Fala dos programas curriculares?Os programas curriculares são a parte menos importante. São uma definição de princípios e necessidades para toda a gente. Refere-se a quê?As metodologias têm que ser mais activas e diferenciadas. É preciso descentrar o trabalho do professor e centrá-lo no aluno. Há que ter um olhar diferente sobre tudo isto. Sei que é difícil mas é preciso encontrar um percurso para cada um deles. Estes são os desafios que se nos colocam e que entram muito em colisão com a forma como a escola genericamente se organiza. Orienta-se muito para uniformizar. E as realidades são cada vez mais diferentes. Quando era aluna a população escolar era semelhante e a uniformização assentava-nos bem. Tínhamos quase a mesma formação familiar, falávamos mais ou menos a mesma linguagem. Hoje em dia isso já não acontece. A população escolar é muito diversificada e as respostas têm que ser muito diferentes.Acha que as escolas estão a trabalhar nesse sentido?Nós procuramos trabalhar nesse sentido. Espero que nos outros locais também se interroguem e reflictam sobre o trabalho que estão a fazer. Tenho de pensar que os profissionais da educação reflectem sobre a educação e que os professores têm consciência de que as coisas não são fechadas e que há outras formas de abordagem.E os professores têm essa mente aberta?É suposto que os professores reflictam sobre isto. Mas como em tudo na vida há quem resista mais. Estas questões vão-se fazendo progressivamente. Criam-se alguns movimentos de reflexão, há escolas que vão inovando e adaptando novas experiências. Este conjunto terá de dar uma escola diferente com novos saberes.EB 2, 3 ampliada dentro de seis meses e Secundário em 2011Para quando o ensino secundário em Vialonga?Neste momento temos o secundário profissional diurno. Leccionamos os cursos de ourivesaria, multimédia e fotografia. Não temos mais ofertas porque não há espaço. Temos 56 turmas a trabalhar connosco. Já não cabe mais nada. Mas a escola (EB 2,3 de Vialonga) será intervencionada dentro de seis meses. Vai ser triplicado o espaço de funcionamento. Se tudo correr bem em 2011 teremos oferta de secundário de ensino regular. Essas obras serão suficientes?Nesta fase sim. Passaremos a ter seis turmas de Secundário por ano de escolaridade. Três regulares e três profissionais. Isto responde a quase todos os alunos da freguesia em termos de Secundário. Mas não considero que o Secundário seja uma prioridade. Nunca foi uma batalha minha. O importante é criar melhores condições para o funcionamento do primeiro ciclo e do ensino básico. No caso desta escola era preciso intervir porque estamos em ruptura grave com turmas de 5º ano com 28 alunos. Ter 56 turmas nestes espaços exíguos é uma coisa terrível. Temos muitos constrangimentos logísticos e era fundamental ampliar a escola. Esta obra traz por acrescento o ensino do Secundário.Mas há mais obras em perspectiva?A câmara tem ainda uma série de equipamentos escolares para construir em Vialonga. Somos a única freguesia que ainda tem primeiro ciclo em regime de desdobramento e esta questão é da competência da Câmara de Vila Franca de Xira. Este ano foi construída a escola da Quinta das Índias, mas não chega. Temos 46 turmas de primeiro ciclo e dessas, 26, estão ainda em desdobramento. Ou têm aulas de manhã ou de tarde. Tem alguma data?Aguardamos com muita ansiedade. Penso que a câmara tem isso presente e que dentro de pouco tempo se iniciará a construção de mais uma escola que permita progressivamente se passar a regime normal.“Orquestra de Vialonga não é uma escola para elites”O projecto da orquestra de Vialonga, iniciado por si em 2004, tem cariz educativo ou social?Tenho dificuldade em separar as duas coisas. As questões educativas cruzam-se com as questões sociais que têm a ver com os comportamentos. Educar não é apenas ensinar e tem esta dimensão de desenvolvimento de competências, atitudes e de aprendizagem. A orquestra deve cumprir essa função tal como qualquer projecto desenvolvido na escola. Só que tem como actividade principal a música.Mas quer uma escola de música de excelência ou enquadrar os mais desfavorecidos?É um projecto aberto a todos, independentemente do seu estatuto social. Temos actualmente cerca de 160 alunos na orquestra. Há uns que se destacam, que atingirão grau de excelência e farão disto uma actividade profissional. Há outros em que isso não vai acontecer, mas pelo menos tiveram uma aprendizagem que possibilitaram os seus saberes. Agora não é uma escola para elites nem uma escola pública o pode ser. O objectivo é preparar os alunos com quem se trabalha e não elites.Como reage às críticas de alguns pais que discordam com a imagem de intervenção social conotada à orquestra?É uma questão que de vez em quando surge. Somos a orquestra de Vialonga mas pertencemos a um projecto mais amplo que é o da orquestra Geração. Que inclui crianças de outras zonas geográficas, nomeadamente Amadora, mas que se vai alargar a outras áreas. O projecto da Amadora é de intervenção social da câmara, dirigido a público de risco e desfavorecido. Connosco isso não acontece. Desde o início que a orquestra foi aberta a todos os nossos alunos. Temos crianças com famílias estruturadas e outras com dificuldades, tal como no conjunto dos nossos alunos. Mas que leitura faz dessas críticas?Acho que é natural que as pessoas fiquem um pouco incomodadas quando ouvem isso. Mas têm de perceber que este projecto na Amadora surge com uma dimensão mais forte de integração destas crianças. Os próprios pais sabem disto e é uma coisa que iremos ultrapassar progressivamente e não vale a pena estarmos a valorizar esta questão.“É uma tentação para todos ignorar os problemas que nos rodeiam”Como tem corrido o trabalho com as crianças de etnia cigana?Está a correr bastante melhor do que eu esperava em tão curto espaço de tempo (este é o quarto ano), mas com muitas dificuldades. Conseguimos que passassem a vir à escola e que muitas atitudes de integração e de relacionamento se fossem ajustando. Mas é um processo longo, difícil mas há progressos assinaláveis.Tais como…Sempre tivemos um ou outro miúdo de etnia cigana que fazia o percurso normal. Mas a generalidade quase não ia à escola. Temos actualmente perto de 80 crianças a partir do pré-escolar. Começámos por ir buscar as crianças com 12, 13 anos que não liam uma letra. Depois pegámos em crianças à volta dos 10 anos que estavam com grandes dificuldades ao nível das aprendizagens e criamos um projecto diferente. Temos já uma série de crianças em jardim-de-infância perfeitamente integradas. No ano passado iniciámos a passagem de alguns meninos do primeiro ciclo para aqui. Depois há adultos a estudar à noite…Estão a fazer programas de alfabetização. Entre 15 a 20 adultos.Acha que alguns frequentam as aulas só por causa do rendimento de inserção?Os meninos vão adquirindo progressivamente vontade em aprender. Mas os adultos provavelmente. Não há perspectivas de trabalho e é um problema complexo. Enquanto não se começar pelos mais pequenos e se for fazendo um trabalho que lhes permitam adquirir competências sociais e profissionais o mercado de trabalho fecha-lhes as portas. Não sabem fazer nada. São analfabetos. Este é um problema que tem estado escondido e que nos esquecemos facilmente porque é mais cómodo. Acredito que este trabalho tem de ser feito preferencialmente a partir do pré-escolar ou mesmo em termos de infantário. Mas há muita gente que prefere fechar os olhos…(Silêncio.) É muito cómodo para todos nós, enquanto sociedade, afastarmo-nos do sítio onde há qualquer coisa que pode constituir um problema. Podemos escolher o caminho mais fácil. É uma tentação para todos nós ignorar os problemas que nos rodeiam. Mas gosto de desafios, procuro estar atenta e resolver as situações até onde posso. É a minha forma de estar na vida. Quero uma sociedade mais justa e acho que é importante olhar para todas as bolsas de pobreza e exclusão. Como gosto de viver numa sociedade segura penso que só se resolve o problema da segurança incluindo as pessoas e promovendo a integração. Caso contrário estamos sempre em risco que provém das exclusões que vamos provocando. Quando mais incluirmos menos riscos temos.Distinguida pelo Governo e defensora de uma escola inclusiva para todosArmandina Soares tem 66 anos e em 1998 assumiu a presidência do Agrupamento de Escolas de Vialonga, concelho de Vila Franca de Xira, numa altura em que a violência ditava leis e ninguém queria assumir os destinos do Agrupamento. Em 2004 foi a impulsionadora da Orquestra Juvenil de Violinos, que neste momento conta com cerca de 160 alunos.Determinada e frontal, a professora de português, estudos sociais e história é das pessoas mais respeitadas no seio do mundo académico e a sua opinião é ouvida com atenção por todos. Já participou em vários debates televisivos e conferências sobre o fenómeno educativo. Em 2007 foi distinguida com o Prémio de Mérito – Liderança, numa cerimónia onde esteve o primeiro-ministro, José Sócrates, e a ex-ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues, que considera ter sido “uma excelente ministra” e com quem “genericamente tem pontos de vista semelhantes sobre a educação”. Sobre a nova titular da pasta refere que é ainda “prematuro” fazer qualquer avaliação. Armandina Soares via assim, publicamente reconhecido o seu trabalho desenvolvido na freguesia de Vialonga, em defesa de uma escola pública inclusiva onde tem procurado lutar contra o insucesso e o abandono escolar numa zona com conhecidas desigualdades sociais. Defende que a escola deve ser vivida num clima democrático que garanta, a todos, o direito à participação, e onde todos trabalhem, de forma empenhada, em prol da igualdade de oportunidades e do sucesso escolar dos alunos.
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