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Na Ucrânia as prendas chegam no Ano Novo e o Pai Natal chama-se Avô do Frio

Na Ucrânia as prendas chegam no Ano Novo e o Pai Natal chama-se Avô do Frio

Na ceia com doze pratos não entra carne nem qualquer gordura animal

Quando Lyudmyla Belmega era criança as cerimónias religiosas estavam proibidas e a única igreja da terra servia como armazém da cooperativa agrícola.Alberto Bastos

O Natal celebra-se na Ucrânia a 7 de Janeiro, de acordo com o calendário da Igreja Ortodoxa, mas é um Natal sem prendas porque o Pai Natal continua a ser o mesmo dos tempos da União Soviética. Chama-se Did Moroz, Avô do Frio, é ajudado pela sua neta Snihurochka, Menina da Neve, e distribui presentes, apenas às crianças, na madrugada do primeiro dia do Ano Novo, como foi imposto pelo regime de outrora que não permitia celebrações religiosas. Lyudmyla Belmega, a viver em Portugal há seis anos, nasceu na pequena aldeia de Barvinkovo, nos Cárpatos, Distrito de Ivano-Frankivsk, zona ocidental do país. Recorda que as suas melhores prendas de Ano Novo lhe foram oferecidas quando andava na segunda classe. Uma caixa de chocolates e uma caixa de lápis de cor. “Eram doze lápis. Nunca mais me esqueço da alegria que senti. Geralmente as caixas de lápis de cor eram de três ou seis lápis. A caixa de chocolates tinha a imagem de uma menina a estudar matemática e ao lado a nota que ela teve na escola. Um cinco, que era o máximo”.Naquele tempo a única igreja da aldeia servia de armazém à cooperativa agrícola local, o Kolhosp. Mas o Natal ortodoxo era celebrado de forma semi-clandestina por quase todas as famílias, na noite de 6 para 7 de Janeiro. “Mesmo na casa dos militantes comunistas com responsabilidades, como era o caso da minha mãe”, refere.Quando aconteceu a independência da Ucrânia, a 24 de Agosto de 1991, Lyudmyla já vivia em Kobaky, uma outra aldeia a 40 quilómetros da sua terra, onde o Natal é agora celebrado livremente, como em todo o país. Na terra há três igrejas. Duas ortodoxas e uma greco-católica. Dia 7 de Janeiro é feriado nacional.“Eu posso falar do Natal da minha aldeia. A Ucrânia é um país muito grande e não sei como é o Natal noutras regiões”. Em Kobaky, zona próxima das florestas, a árvore de Natal ainda não é de plástico. É uma árvore de Natal a sério. “Chama-se yalenka e não é como os pinheiros aqui de Portugal. Mas é enfeitada como aqui, com bolas coloridas, chocolates, fitas, bonecos e lâmpadas. A neve carbónica em spray veio substituir o algodão que espalhávamos pelos ramos a fingir neve”.A ceia de Natal é composta por doze pratos diferentes. Em nenhum deles entra gordura animal. Também não há nenhum prato de carne. O prato principal e imprescindível é Kutya. Grãos de trigo cozidos que se servem com sementes de papoila trituradas e nozes picadas. Quem gosta adiciona-lhe mel. “É servida uma pequena porção deste prato a todos os animais da casa, para lhes dar saúde para todo o ano”. Antes de ser colocada a tradicional toalha branca, o tampo da mesa é coberto com erva seca que ainda mantém o aroma do campo (tráuka). Depois é feita uma cruz com linha vermelha a todo o comprimento e largura, antes de serem colocados os pratos e talheres. Há sempre um lugar reservado para os que já partiram. No centro da mesa acende-se uma vela.Para além do Kutya é servido o Uzvar, uma espécie de compota de frutas secas cozidas (maçãs, peras e ameixas), com açúcar); o Perohé, uma espécie de rissóis redondos cozidos com recheios que podem ser de couve ácida estufada, puré de batata com refogado de cebola ou sementes de papoila trituradas e o peixe no forno, pechéna rêba, geralmente pescada com cenoura ralada, cebolas às rodelas e cogumelos secos. Na maior parte das casas a comida é confeccionada em forno de lenha. A bebida que acompanha a refeição é vodka. Para as crianças há sumos e refrigerantes. A família senta-se à mesa quando surge no céu a primeira estrela. Todos envergam as suas melhores roupas. Em alguns lares usam-se ainda as roupas tradicionais da região. No fim da ceia não se levanta a mesa. Fica tudo como está.O Natal é frio na aldeia de Lyudmyla Belmega. Geralmente as temperaturas variam entre os 10 e os 15 graus negativos. Por vezes descem aos 20. Neva quase sempre naquela altura do ano. Apesar disso as crianças saem para a rua em grupos e vão de porta em porta cantar canções de Natal, kólyadnekê, sendo recompensadas com bolos, chocolates, nozes e pequenas quantias de dinheiro. No dia de Natal à tarde, também há canções de porta em porta, mas aí quem canta são grupos de adultos.O próximo Natal de Lyudmyla, dia 7 de Janeiro de 2010, vai ser passado na extensão de saúde de Alcoentre, concelho de Azambuja, onde está a fazer uma parte do estágio para a concessão de equivalência ao grau de licenciado em enfermagem da Escola Superior de Saúde de Santarém. Tal facto não a afecta. “Em Portugal o Natal é celebrado de 24 para 25 de Dezembro. É nessa altura que se sente aquele ambiente próprio da época. Muitos ucranianos que estão cá continuam a juntar-se na noite de 6 para 7 mas já há aqueles que celebram o Natal nas duas datas”. Uma outra coisa que vai ser diferente é a saudação entre os dias 7 e 14 de Janeiro. Em Portugal continuará a dizer bom dia. Se estivesse em Kobaky diria: “ Jesus Nasceu! Viva Jesus!”
Na Ucrânia as prendas chegam no Ano Novo e o Pai Natal chama-se Avô do Frio

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