“Ao contrário do que se pensa Vila Franca de Xira não foi o berço do Neo-Realismo”
Escritor Joaquim Lagoeiro visitou a cidade para falar da sua obra
O escritor Joaquim Lagoeiro esteve em Vila Franca de Xira e fez questão de sublinhar que a cidade não foi berço do movimento neo-realista.
Ao contrário do que se pensa a cidade de Vila Franca de Xira não foi o berço do Neo-Realismo nem tão pouco representou o seu expoente máximo. A opinião é do conceituado escritor Joaquim Lagoeiro, um dos pioneiros da escrita neo-realista portuguesa, que de visita a Vila Franca de Xira não perdeu a oportunidade de ser crítico.“Existe muito a ideia que foi em Vila Franca que nasceu o Neo-Realismo português, mas isso não está correcto. Além de existirem escritores neo-realistas por todo o país, muitos com igual ou melhor qualidade do que o Alves Redol, a verdade é que essa corrente literária nasceu por todo o mundo, quase em simultâneo, fruto de um ambiente operário propício ao nascimento desta corrente literária”, defendeu Joaquim Lagoeiro.Escritores como Artur Portela e Urbano Tavares Rodrigues classificam Lagoeiro como o pioneiro do Neo-Realismo português, começando a escrever textos ainda antes de José Cardoso Pires, e traçam-lhe rasgados elogios. O escritor esteve em Vila Franca de Xira na noite de 21 de Janeiro, a convite da Cooperativa Alves Redol e da Associação Promotora do Museu do Neo-Realismo, para apresentar a sua vasta obra literária. A sessão decorreu no auditório da Junta de Freguesia de Vila Franca de Xira.O escritor diz gostar da cidade, mas guarda algumas reservas. “Sinto-me sempre muito feliz em Vila Franca de Xira, a cidade faz-me lembrar a terra de onde sou natural (Veiros, Estarreja). É pena que algumas tradições culturais não estejam a ser salvaguardadas e que o crescimento populacional esteja a aumentar a grande ritmo. Também é pena que o museu do Neo-Realismo convide muitas personalidades para darem palestras que nem lá mereciam estar”, critica a O MIRANTE.Joaquim Lagoeiro nasceu em 1918, estudou etiologia e foi funcionário bancário em Lisboa onde ainda hoje reside com a esposa. A sua primeira obra literária saiu para a estampa em 1947, chamada “Viúvas de Vivos”. O autor continuou a publicar até ao ano 2000. “Eu nem sabia que era neo-realista. Eu apenas escrevia sobre a gente da minha terra. Quando o Urbano Tavares Rodrigues me chamou pioneiro do Neo-Realismo fiquei surpreendido”, referiu. Escrever no tempo do Estado Novo ditou que algumas das suas obras acabassem riscadas pelo lápis da censura. Na cidade de Vila Franca de Xira, Lagoeiro emocionou-se, contou histórias de vida, declamou poemas e conta que chegou a chamar “ignorante” ao actual director do jornal Público. “Um dia escrevi-lhe porque ele recusava-se a colocar bons autores portugueses nas suas páginas e eu não tenho problema nenhum em dar as minhas opiniões”, rematou. A apresentação da sua obra foi feita por Domingos Lobo, também ele escritor, vencedor do prémio de teatro Bernardo Santareno e actual animador cultural do concelho de Benavente. “O trabalho literário de Joaquim Lagoeiro merece e justifica uma reedição urgente e empenhada, assim como um estudo necessário de uma obra que define a literatura portuguesa. O que nos tem morto é a nossa falta de respeito pelas nossas grandes obras, das quais o Lagoeiro é um grande exemplo”, afirmou. Domingos Lobo terminou a sua apresentação defendendo que Lagoeiro é “um artesão” da escrita e um “exímio contador de histórias”.A terminar a noite o director do museu do Neo-Realismo, David Santos, informou que está a ser preparada uma exposição bio-bibliográfica sobre Joaquim Lagoeiro para Fevereiro de 2011.Os jornais e os autores nacionaisNa apresentação da obra literária de Joaquim Lagoeiro estiveram perto de 50 pessoas, que no final da sessão embarcaram num pequeno debate sobre o estado da literatura portuguesa. O papel da imprensa nacional foi duramente criticado. “Com excepção de poucos jornais, a maioria não dá visibilidade aos pequenos escritores, aos que mesmo tendo uma grande obra literária não a podem publicar porque os agentes não a vendem”, criticou António Redol, presidente da Associação promotora do museu do Neo-Realismo. “É estranho e bizarro ver autores de livros comerciais serem vendidos ao lado de vencedores de prémios Nobel. Algumas bibliotecas do concelho tinham a obrigação de promover e divulgar mais os autores menos conhecidos e mais importantes, e não apenas a literatura comercial que não tem sumo nem substância”, defendeu. Arlindo Gouveia, da Cooperativa Alves Redol, lamentou “não conseguir fazer frente à grande corrente de interesses literários” e chegou mesmo a dizer que “isso levará à morte da literatura portuguesa”. O também escritor Domingos Lobo tomou a palavra para acentuar a dureza da crítica, considerando o actual trabalho dos media nacionais como “parco e insuficiente”. “Além de terem desaparecido os suplementos literários, a favor dos desportivos e económicos, os jornais colocam críticas literárias que são sempre residuais, deixando os editores como meros agiotas subservientes do grande capital”, criticou. Quanto ao escritor Joaquim Lagoeiro os media “estão entregues às mãos de meia dezena de patrões” que acabarão por ser, na sua óptica, “responsáveis pela extinção da cultura literária portuguesa”.
Mais Notícias
A carregar...