As cheias do Tejo
Tenho recordações espectaculares das cheias do Tejo nos campos da Lezíria. Em criança andava de jangada nas águas da cheia; atávamos com arame de fardo três molhos de canas de valado e fazíamos uma jangada com a qual experimentávamos o prazer de navegar nas águas onde a corrente não nos parecia perigosa.Por razões de saúde de um familiar atravessei de barco desde a ponta da Chamusca até à vizinha Golegã a maior cheia de que tenho memória. Francisco Salter Cid, que na altura era o meu chefe de trabalho, registou por acaso em fotografia essa aventura que o barqueiro resolveu também assumir num gesto de solidariedade.Viver em tempos de cheia no campo é para mim uma emoção; saber que o rio saltou as margens e que a água derrubou os arbustos; que atravessou a maracha pela cintura; que derrubou valados e não respeitou as extremas das propriedades.Quando a água do Tejo salta as margens e inunda os campos da Lezíria o meu sono volta a ser de criança sobressaltada que só quer dormir depressa para no outro dia poder saber tudo sobre como o tractor foi salvar a tempo as ovelhas ou os porcos; como os bombeiros resgataram as últimas pessoas e animais; quem é que andou com água pela cintura por se ter metido à estrada de forma irresponsável; É impossível saber quantos animais sobem as árvores para não morrerem afogados; mas do ponto mais alto da minha terra, de onde se avista a Lezíria como em mais nenhum lugar do Ribatejo, lembro-me de olhar os campos alagados ouvindo as mulheres do campo rogarem a Deus para que fosse misericordioso para com os homens e os animais e acalmasse as águas de forma a que a terra do milho e do trigo voltasse a sorrir depois da cara lavada.Há um lado de tragédia associado às cheias do rio Tejo que está longe de corresponder à realidade. O que não quer dizer que não conheça bem o desconforto e as situações difíceis que vivem as famílias que moram à beira do Tejo.Por boas razões ando por outras paragens a ver outras cheias de outros rios noutras aldeias e cidades. E quase sinto remorsos por não poder ser testemunha das alegrias da água do meu rio quando salta as margens. JAE
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