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Alexandre Herculano, a força das convicções e a ideologia da acção

A passagem de Alexandre Herculano pela vida parlamentar, embora retratada por Columbano nos “Passos Perdidos da Assembleia”, foi — em boa verdade — pouco fulgurante, breve e sem a paixão de um Garrett, de um Passos Manuel ou de um José Estêvão.Eleito pelo círculo do Porto, ocupou as funções de deputado em 26 de Maio de 1840 e somente um mês e meio depois usou da palavra no Parlamento, durante a discussão da “resposta ao discurso da Coroa”.A cadeira da Assembleia era, para o autor de Eurico o presbítero, a verdadeira marca do poder que as maiorias ambicionam “sem se lembrarem de que elas [as cadeiras do Parlamento] se convertem muitas vezes em instrumentos de martírio”, pois podem vir a tornar-se “recordação de remorso que nos acompanhe por todo o resto da vida”, caso se traia o compromisso assumido para com os eleitores.A postura “silenciosa” de Alexandre Herculano no Parlamento tem a ver com o modo como este encarou a vida política em Portugal. Herculano foi, sobretudo, um homem de acção, quer como soldado, quer como escritor e revolucionário. Toda a sua ideologia é uma ideologia de acção, uma acção vigorosa contra o absolutismo, contra o centralismo, contra os interesses particulares dos partidos e, ainda, contra os fundamentos mágicos ou mitológicos da História.As suas escassas intervenções parlamentares revelaram, porém, grande independência de espírito e de acção, não se vergando ao clientelismo, nem à incoerência política. Defendeu a integridade do território ultramarino português relativamente às pretensões francesas sobre a Guiné, insistiu na conservação dos monumentos pátrios, secundou Garrett nas questões ligadas à propriedade literária, criticou os abusos contra a liberdade de imprensa, protegeu os docentes da Academia do Porto e dignificou os professores primários em Portugal.Com a sua “oratória dos silêncios”, em dois anos de Parlamento, Herculano sobrepôs-se às questiúnculas que dividem governos, partidos e respectivas clientelas, colocando-se, invariavelmente, numa perspectiva orientada pelo interesse nacional, privilegiando as questões essenciais da vida portuguesa, em detrimento da politiquice e das “intrigas de faca na liga”.Saiu do Parlamento em 1842, para jamais voltar. Preferiu, onze anos depois, assumir a presidência da Câmara Municipal de Belém, onde se notabilizou pela organização (em 1853) deste novo concelho (entretanto extinto). A redacção das suas posturas depressa se tornou num modelo de orientação normativa para os restantes municípios. No que toca à defesa da legalidade pública e à salvaguarda da autoridade local, mesmo que o contraventor fosse o Governo, a voz e a pena de Herculano ainda hoje ecoam e perduram nas autarquias portuguesas.O Parlamento representava, para Herculano, a política de gabinete, do caciquismo e dos interesses partidários, enquanto que uma Câmara Municipal implicava acção, proximidade e envolvimento directo na vida dos cidadãos.Como presidente da Câmara, nunca vacilou perante o Governo. Fervoroso adepto da descentralização e da autonomia municipalista, preferiu abandonar a cadeira presidencial de Belém a aceitar a mão pesada do centralismo e os meandros obscuros do compadrio e da politiquice.Alexandre Herculano completou 200 anos de idade. Só morre quem não vence o esquecimento!

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