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O homem com ar de vagabundo que corre à chuva e ao sol é canadiano e dá aulas em Santarém

O homem com ar de vagabundo que corre à chuva e ao sol é canadiano e dá aulas em Santarém

Brando Hill aprende português a falar com amigos e a ler

Só não corre os seus vinte quilómetros diários quando está doente. Prefere enfrentar a chuva e o frio do que o calor intenso.

Corre desengonçado, com ar de quem vai desfalecer a qualquer momento. Os carros passam por ele em grande velocidade e ele segue indiferente. A imagem que fica é a de um vagabundo demente. Magro, ossudo, hirsuto. Calções, camisola e sapatilhas. Por vezes chove copiosamente. Noutros dias o sol abrasa. E ele corre, corre, corre. Corre religiosamente vinte quilómetros naquela triangulação intermunicipal. Há dias em que se concede uma ou outra pausa. Dobra-se ligeiramente e apoia as mãos nos joelhos. Fica a arfar uns momentos. Depois ergue a cabeça e recomeça.Quando lhe travamos o passo não se aborrece. Não anda a tentar bater qualquer recorde. Nem sequer traz relógio consigo para cronometrar o tempo gasto no percurso. Calcula que a corrida dure duas horas. Um cálculo apenas. Brando Hill é o nome com que se apresenta. Canadiano, 52 anos, divorciado e sem filhos, a viver há três anos em Portugal. Dá aulas de inglês e espanhol. Fala um português aprendido nas conversas quotidianas com amigos portugueses e nas leituras. Diz que gosta de ler José Saramago, Mia Couto e José Eduardo Agualusa. Três escritores de três nacionalidades diferentes que têm em comum a língua portuguesa.Atravessa a ponte D. Luís, passa na Tapada e segue até Almeirim. Dali vai até Alpiarça e regressa pela estrada do campo. Árvores centenárias cujos ramos fazem um túnel verde que os automobilistas não vêem, tão concentrados que estão no fio da estrada e nos retrovisores. A beleza do Tejo em que poucos reparam. Um peixe que salta e reluz como prata por um segundo. Vinhas a perder de vista. Campos. O chilrear de pássaros na Primavera que já ninguém ouve. Tap, tap, tap. Brando atravessa o rio e ataca a Estrada Nacional 114 no troço agora encerrado ao trânsito. Dois dedos de conversa e um sorriso para a fotografia antes de concluir a etapa do dia. O que ganha dá-lhe para comer e para pagar o alojamento. Vive num quarto no centro de Santarém. Na zona histórica. Antes de Portugal esteve em Inglaterra. Sobrevivia do mesmo modo. Ensinava. Cabelo e barba compridos. Um sorriso que não ostenta quando corre. “Confundem-me com um mendigo. Já me aconteceu atirarem-me com garrafas de cerveja. Acontece, principalmente aos sábados e domingos de manhã”, conta sem revolta. Por vezes pode ser encontrado no jardim da República a apanhar sol e a ler. Gosta de ambientes tranquilos. “Gosto da natureza. De estar em contacto com a natureza. No Canadá passeava e corria muito pelos campos”, explica. Não fuma mas gosta de beber uma cerveja de vez em quando. Não corre com qualquer objectivo especial. Corre porque gosta de correr. E a vida seria tão simples se todos fizessem o que gostam realmente de fazer, sem constrangimentos e sem darem importância a aparências ou ao cruel julgamento dos outros. “Nunca tive jeito para desportos como o futebol mas sinto-me bem a correr”, confessa. “Já entrei numa corrida. Ganhei uma camisola por ter participado”, acrescenta com um sorriso, antes de retomar a corrida.
O homem com ar de vagabundo que corre à chuva e ao sol é canadiano e dá aulas em Santarém

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