Os jornalistas têm um sindicato para “facilitar descontos em camionetas”
Orlando Raimundo foi convidado para iniciativa do Clube de Leitores de O MIRANTE
O Sindicato dos Jornalistas existe, mas não serve para nada. Quem o diz é Orlando Raimundo, convidado de uma iniciativa do Clube de Leitores de O MIRANTE. O jornalista fala em défice de debate na área da comunicação e diz que os investigadores andam arredados da realidade a debitar teorias “disparatadas” sobre o que não conhecem.
“O Sindicato dos Jornalistas não serve para nada, a não ser para nos facilitar o desconto numas camionetas”. As palavras são do jornalista Orlando Raimundo, convidado de O MIRANTE para uma conversa depois de uma visita do Clube de Leitores a duas exposições no Museu do Neo-Realismo, em Vila Franca de Xira, que decorreu na tarde de sábado. “Nem a carteira profissional passa pelo sindicato porque existe uma comissão própria. A própria história esvaziou o sindicato que negociava os contratos colectivos. Com a criação do jornal «Público» os contratos individuais foram generalizados”, continua.Da mesma maneira, o Clube dos Jornalistas não tem qualquer utilidade para a classe, diz o jornalista sénior. “O clube caiu na asneira de aceitar um prédio generosamente oferecido pelo Krus Abecassis quando era presidente da Câmara de Lisboa na zona da Lapa. A zona da Lapa é completamente desastrosa. Nenhum cidadão, a começar pelos que lá vivem, consegue estacionar”.Para Orlando Raimundo há um défice de debate na área da comunicação. “Falta um espaço de reflexão onde as pessoas possam debater os desenvolvimentos que estas coisas sofrem a toda a hora. Sobre qual é o nosso papel no meio disto tudo”, argumenta. O jornalista traz à conversa o caso Watergate [uma investigação jornalística que levou à queda do presidente Richard Nixon nos Estados Unidos da América, passada a filme], exemplo paradigmático para os teóricos estudiosos do jornalismo de investigação. Orlando Raimundo defende que a situação hoje tem que ser vista de uma outra maneira, o que gera inquietação nos meios académicos e jornalísticos. “O caso Watergate foi um trabalho de investigação ou foram dois jornalistas a fazer de idiotas úteis para derrubar o Nixon, que está a ficar na história como um dos maiores presidentes de sempre dos Estados Unidos?”, questiona criticando a postura dos investigadores da área que criam teorias arredados da realidade. “Os investigadores das ciências da comunicação estão noutra onda. Acham que desenvolvem teorias que são importantes e a maior parte delas são disparatadas porque eles não têm nenhuma ligação à realidade”, acrescenta.Orlando Raimundo pegou numa declaração curiosa de José Sócrates para dizer que considera que a maior parte dos jornalistas adormeceu no tempo e muitas vezes não acompanha o ritmo da mudança. “O mundo não mudou só nos últimos 15 dias, como disse o primeiro-ministro José Sócrates em entrevista. O mundo muda todos os dias. E nós temos que estar atentos às mudanças que se estão a operar”, conclui. Orlando Raimundo lembra a responsabilidade da função de jornalista que em Portugal ainda continua a ser uma das actividades com mais credibilidade, ao contrário do que acontece em França. “As pessoas pensam aquilo que nós quisermos que elas pensem. Estamos a formar opinião pública. O MIRANTE faz isto num universo. O Expresso faz isto noutro universo, mas fazem os dois”, diz Orlando Raimundo sublinhando que o leitor tem o direito de saber aquilo que aconteceu e não apenas aquilo que o jornalista pensa sobre aquilo que aconteceu. O jornalista, que durante 20 anos se dedicou à investigação no Expresso, falou sobre independência e sobre a paixão que constitui a actividade de uma profissão “que é um modo de vida e não um modo de morte”. Questionado pelo director geral de O MIRANTE, Joaquim António Emídio, contou ainda como sempre geriu a relação com as fontes de informação, protecção das mesmas e como ao longo de uma carreira defendeu, de forma convicta, as histórias que foi passando para o papel, mesmo na afronta aos mais poderosos. “A liberdade de Imprensa, tal qual está na constituição, só se aplica verdadeiramente nos jornais que tenham independência no estatuto editorial, que é o caso de O MIRANTE”, disse confessando-se fiel leitor do semanário.Os pombos ao serviço do jornalismoNo início dos anos 60, depois da reabertura do Campo de Concentração do Tarrafal, em Cabo Verde, na altura já só para nacionalistas africanos, Salazar conseguiu que a NATO convidasse os jornalistas portugueses para uma operação de charme para sensibilizar a população portuguesa.Orlando Raimundo recorda que a organização mandou um grande porta-aviões, que fundeou ao largo de Lisboa, para levar os repórteres a acompanhar uma operação. “Era a primeira vez que isto acontecia. Nunca os jornalistas tinham tido esta oportunidade. Quando começam a entrar para o barco aparece um tipo gordo, careca, com dois cestos cheios de pombos. Um em cada mão. Ficou tudo parvo a olhar e a pensar: «este gajo é maluco»”. O cidadão chamava-se Urbano Carrasco e foi, para Orlando Raimundo, um dos maiores repórteres com quem teve o privilégio de trabalhar no Diário Popular. O que Urbano Carrasco fez foi uma lição para todos os jornalistas seus contemporâneos. “Quando eles voltaram a reportagem estava toda escrita no Diário Popular. Todos os dias ele mandava um pombo que ia parar a um contínuo do jornal que depois levava a mensagem para a redacção”, conta. À época a lentidão destes processos era uma coisa contra a qual não havia nada a fazer. Eça de Queirós, o único repórter português na abertura do canal do Suez, publicou a reportagem três semanas depois, exemplifica. Quando aqueles repórteres foram escrever já estava tudo escrito. Moral da história, conclui Orlando Raimundo: “A velocidade da informação é uma mudança fabulosa e importantíssima”. Orlando Raimundo fez questão de relacionar a conversa com as exposições do Museu do Neo-Realismo, em Vila Franca de Xira (Tarrafal – o campo da morte lenta e António Borges Coelho), visitadas no âmbito de uma iniciativa do Clube de Leitores de O MIRANTE, a que se seguiu uma conversa com o jornalista.Orlando Raimundo elogiou o trabalho do espaço de cultura e felicitou O MIRANTE pela iniciativa que fez recordar “os passeios de Helena Vaz Silva do Centro Nacional de Cultura que fizeram história”.
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