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O bairro das torres e das bandas que se ergueu no lugar de um Olival

O bairro das torres e das bandas que se ergueu no lugar de um Olival

Parque Residencial de Vialonga surgiu para criar habitação a custos controlados

Há cerca de 40 anos erguiam-se em Vialonga, no lugar de um antigo olival, as primeiras casas de habitação a custos controlados do então Fundo de Fomento de Habitação. Chegaram os trabalhadores de unidades fabris da grande Lisboa à procura de uma casa mais barata. Depois foram também realojados os munícipes dos bairros problemáticos dos arredores da capital e o bairro ganhou a conotação social e um estigma que ainda hoje luta por afastar. A história de um bairro de arquitectura peculiar construído pela já extinta Icesa.Ana Santiago

Quem passa na auto-estrada do norte, pouco depois da saída de Lisboa, vislumbra à distância, do lado esquerdo, o Parque Residencial de Vialonga. Está plantado numa zona alta da freguesia do concelho de Vila Franca de Xira. É um bloco de torres altas e apartamentos em banda de cor castanha a contrastar com os tons claros das novas urbanizações. Há mais de 40 anos existia ali um olival. Hoje erguem-se 18 bandas e 13 torres de janelas estreitas. Há quem ainda lhe chame o Bairro da Icesa. Um termo depreciativo, na opinião do anterior presidente da junta, Manuel Valente (CDU), que comprou um apartamento na banda 2 em 1979. O nome da empresa ficou associado ao bairro porque foi a construtora, entretanto falida, que construiu a primeira, segunda e parte da terceira fases da urbanização que não chegou a acabar.“A Icesa utilizava um tipo de construção por placas, técnica alemã. A estrutura era feita no estaleiro de uma fábrica da Póvoa de Santa Iria. Vinham num camião. Chegavam ali e encaixavam. As casas ficavam mais baratas”, explica Manuel Valente, torneiro mecânico de profissão. A arquitectura peculiar é semelhante a bairros que foram construídos na altura em Santo António dos Cavaleiros, Olivais, Sacavém e Leiria pela mesma empresa ao abrigo de um programa do extinto Fundo de Fomento de Habitação. O objectivo do Governo, que adjudicava à empresa o trabalho, era criar habitação a custos controlados. Os interessados adquiriam a casa por uma quantia inferior ao valor de mercado e por isso a transacção era condicionada. “O objectivo era arranjar a casa para as pessoas. Não era que as pessoas ganhassem com o negócio”, esclarece o antigo autarca. Na fase inicial era preciso uma autorização para vender a casa, o que veio a ser alterado há 15 anos. Cada um passou a poder vender a casa livremente. Tal como Manuel Valente fez há 13 anos para comprar casa no centro da vila. Noventa e cinco por cento dos munícipes que escolheram então o bairro para viver – chamados pelo baixo preço das casas – não eram de Vialonga. Nem havia qualquer relação entre os funcionários das fábricas da corda industrial da zona e o bairro. “Eu trabalhava na Amadora e morava na Damaia”. Manuel Valente ouviu falar do bairro por intermédio de uma amiga da mulher chegada do Ultramar que adquiriu a casa com a ajuda do Instituto de Apoio aos Retornados Nacionais.Algumas autarquias contribuíam com o terreno e por isso alguns apartamentos também iam à posse da câmara, como aconteceu com Vila Franca de Xira. A componente social do bairro, que também existe, é apenas uma parte da realidade. O bairro acolheu população das ex-colónias e também parte de populações de bairros como a Pedreira dos Húngaros ou Chelas que foram ali realojadas. Em algumas casas as portas eram cortadas ao meio. Para imitar o postigo. Na fase de realojamento outros trouxeram das barracas tudo o que tinham. Incluindo animais. “Os problemas não foram causados pelos que se instalaram cá, mas pelos filhos de alguns revoltados com o que a sociedade não lhe deu”, interpreta Manuel Valente que foi responsável por algumas acções para ensinar determinadas populações a viver em comunidade e a gerir um orçamento até final do mês. UMA COMUNIDADE DE SEIS MIL PESSOASLuís Fernandes, 65 anos, engenheiro técnico de cerâmica, reformado, presidente da Associação dos Africanos do Concelho de Vila Franca de Xira, chegou em 1985 ao bairro embora estivesse desde 1969 em Castanheira do Ribatejo. O antigo quadro da “Metal Portuguesa” não gosta da expressão “parque residencial”. Prefere chamar-lhe Bairro Olival de Fora e sublinha que a sede da associação, na torre 14, fica na Praça Bento Gonçalves. Comprou na Torre 12 uma casa de “habitação resolúvel”. Começou a pagar 5.370 escudos. A última renda que pagou, antes de decidir comprar a casa, custou-lhe 10.720. Hoje tem o apartamento alugado. No prédio onde viveu 19 casas foram adquiridas pelos actuais proprietários. Vinte e uma são habitação social. “Há quem precise de viver aqui por dificuldades económicas”, reconhece.O presidente da associação já não vive no bairro, mas o ambiente actual não se compara àquele que vivenciou quando chegou ao prédio. “Deu uma volta de 380 graus”. Muito graças ao programa “Viver o Bairro” que ajudou a limpar o estigma e a tirar os miúdos da rua, como muitas outras iniciativas dinamizadas pela junta e câmara. O centro comunitário e o ninho de empresas também ajudaram a dar outra cara ao bairro ao serem construídos numa zona de mato utilizada até ali para tráfico de droga. “Antes riscavam o carro e acontecia ter um vidro partido às vezes. Agora toda a gente entra e sai à hora que quer”, admite.A associação apoia muitos dos habitantes do parque. O antigo presidente da junta estima que vivam nos bairros seis mil pessoas. A esmagadora maioria são munícipes de origem africana, calcula Luís Fernandes. A última fase a ser construída, sobretudo as torres 12, 13 e 14, continuam um pouco abandonadas. Um dos últimos parques infantis da freguesia nasceu numa urbanização nova e os meninos das torres continuam a jogar à bola no espaço livre entre os prédios. Um parque infantil chegou a existir nas imediações do bairro, mas foi levantado pela câmara depois de ser vandalizado. O verde dos espaços públicos também se esbate nas imediações. O actual presidente de junta, José Gomes (CDU), diz que não está prevista a construção de um novo parque infantil, mas os moradores vão ser convidados em breve a participar na manutenção dos espaços públicos. Por agora as ervas estão em tom castanho. A condizer com a tonalidade dos prédios.A luta pelos transportes a seguir ao 25 de AbrilEm 1979, quando Manuel Valente veio morar para o apartamento que comprou na banda 2 do Parque Residencial de Vialonga, os transportes eram escassos. “Quando cheguei a Vialonga havia uma camioneta de manhã e outra à tarde da estação da Póvoa de Santa Iria. Como trabalhava por turnos a maior parte das noites vinha a pé da estação porque não havia transportes”, recorda. Manuel Valente juntou-se por isso a outros para exigir transporte mais regular que servisse a vila. “Fui um daqueles que me meti dentro da camioneta, num dia em que estava de folga, arregimentei algumas pessoas e não saímos de dentro da camioneta enquanto o autocarro não foi lá acima”. Se no início o autocarro só ía até ao largo certo é que a reivindicação deu frutos e os transportes mais frequentes passaram a servir o bairro construído pela Icesa.Naquela altura Vialonga era uma terra saloia que se dedicava à produção de cebola, recorda Manuel Valente. “E ainda hoje, mas menos. Nesses tempos havia malta que vivia aqui e trabalhava na corda industrial. Quem trabalhava por turnos e tinha mais liberdade vinha para a cebola. Depois acumulava com o salário da empresa”, diz o antigo presidente de junta que foi sindicalista, munícipe activo e fundador da ABEIV (Associação de Bem Estar Infantil de Vialonga). Associação de Africanos distribui cabazes de alimentos a 45 famílias A Associação de Africanos do Concelho de Vila Franca de Xira, com sede em Vialonga, iniciou uma campanha de distribuição de cabazes de alimentos e está a apoiar actualmente 45 famílias carenciadas. O projecto tem a colaboração do Banco Alimentar da Luta Contra a Fome.“É uma ideia que já tenho há seis meses, mas que só agora consegui concretizar”, explica o presidente da associação, Luís Fernandes, que explica que ainda só foi feita uma primeira entrega.Os alimentos são guardados num armazém nas imediações da associação. Cada família tem uma prateleira de um armário atribuída. A distribuição é feita à segunda semana de cada mês. A entrega é efectuada mediante a apresentação de um cartão onde constam os nomes das pessoas autorizadas a levantar o cabaz. O pedido de ajuda das famílias pode ser feito na secretaria da associação que funciona na Praça Bento Gonçalves, Olival Fora Torres, 12, 3º direito, em Vialonga.
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