“Uma alimentação saudável é o melhor seguro de vida”
Helena Cid é natural de Santarém e uma das mais reconhecidas nutricionistas nacionais
A crise pode ser uma oportunidade para as pessoas começarem a comer melhor, diz Helena Cid. A nutricionista, nascida e criada em Santarém, fez da investigação e do combate aos excessos alimentares o seu modo de vida. E como não se limita à teoria lançou recentemente um livro com cem receitas saudáveis, algumas delas da sua autoria. Nesta conversa ficam alguns conselhos e alertas.
António Palmeiro / João CalhazOs portugueses começam a interessar-se mais pela qualidade do que comem?Começam a querer produtos de qualidade e de qualidade em termos nutricionais. Muitos estudos mostram que as pessoas já procuram alimentos enriquecidos, já se preocupam com as calorias, com o valor energético. Mas não nos podemos esquecer do prazer na alimentação. Não podemos oferecer às pessoas alimentos muito saudáveis mas que não tenham sabor. Como é que se consegue conjugar isso?É difícil. Cabe à indústria alimentar esse desafio porque sabemos que alimentos muito saudáveis sem sabor são um insucesso. Ou seja, continua a ser necessário o açúcar, o sal, as gorduras…Gorduras, as de boa qualidade e de preferência de origem vegetal em detrimento das de origem animal. Podemos escolher alimentos que transmitem um sabor doce, como a fruta. Nalguns alimentos, se misturarmos mais fruta podemos reduzir a quantidade de açúcar. Podemos acreditar nos alimentos que aparecem com rótulos a dizer light ou diet?Em alguns podemos acreditar, mas com outros temos que ter algum cuidado. Por exemplo, as margarinas light têm mais água e menos gordura. Portanto são mais saudáveis. Diz-me o que comes dir-te-ei quem és. Este ditado faz sentido?Sabemos que determinado tipo de população ingere determinado tipo de alimento. Às vezes basta olhar para a pessoa e para o carrinho do supermercado. Às vezes faço esse exercício. Olho para a pessoa e penso mais ou menos que tipo de alimentos prefere e confirmo quando olho para o carrinho. Isso tem a ver com estratos sociais?Até tem. Os carrinhos de compras de pessoas de estratos sociais mais baixos têm muitos refrigerantes. Têm muitos alimentos de prazer rápido, muitos bolos.Isso está ligado a algum fenómeno em especial?É uma forma de compensação e as pessoas precisam também de alimentos que não estão ligados, entre aspas, ao estrato social. Ou seja, por exemplo, o feijão ou o grão estão muito ligados aos trabalhadores agrícolas, aos mais desfavorecidos.Pode-se confiar nas marcas brancas?São cópias, às vezes de pior qualidade, das boas marcas. Toda a investigação é das grandes marcas e muitas vezes perde-se anos a investigar. Os supermercados apercebem-se de quais são as marcas que mais vendem e fazem cópias. A Becel esteve dez anos para provar que os esteróis vegetais reduzem o colesterol, com muitos estudos em vários países do mundo. Teve que se identificar a dose ideal. Foi o primeiro alimento racional aprovado na União Europeia. E toda a gente pode copiar. Já aparecem algumas embalagens de marcas com a identificação de que não produzem marcas brancas de hipermercados.Isto vai ser um drama, porque os supermercados querem ganhar dinheiro e fazem cópias baratas que colocam a preços muito acessíveis. As marcas, para terem os produtos nas prateleiras do supermercado pagam um balúrdio. E os deles, sabendo que a maioria das pessoas tem pouco dinheiro, metem-nos em destaque. O sector alimentar não está na mão de quem produz mas de quem distribui.E vai ser pior porque com a crise as pessoas vão recorrer a produtos mais baratos e a indústria vai sofrer muito.“Santarém acordou para a vida”Costuma visitar o Festival Nacional de Gastronomia em Santarém? Há dois anos que não vou lá. Aquele festival é mais para intercâmbio da nossa gastronomia. As pessoas quando vão lá é para irem provar, para cometer excessos alimentares.Continua a acompanhar o que se passa em Santarém?Vou a Santarém praticamente todos os fins-de-semana. Nos últimos tempos nota-se diferenças. A cidade acordou para a vida. Era uma cidade muito adormecida e as pessoas viviam muito fechadas na sua concha. Foi sempre esse o problema de Santarém. Está perto de Lisboa e as pessoas da capital podiam aproveitar para fazerem aquelas escapadelas de fim-de-semana, mas não aproveitavam.E a nível gastronómico, como classifica o concelho?Não existem restaurantes de referência. Colegas que às vezes iam de passagem por Santarém e queriam almoçar não encontravam um restaurante que gostassem. Santarém apostou pouco na restauração, sobretudo na restauração diferente. No concelho vizinho de Almeirim há a famosa sopa da pedra. É um prato saudável?Pode ser. Às vezes tem muitos enchidos, mas também tem o feijão, que é bom. É mais saudável que muitos alimentos que se servem por aí. Tem hoje mais orgulho em ser scalabitana?Sempre tive orgulho, mas tinha pena de a cidade estar muito fechada apesar de ter potencial e ser muito bonita. Sou uma pessoa muito virada para a frente e sempre achei que não queria viver em Santarém por causa daquela mentalidade fechada. Mas tem havido mudanças. De onde é que surgiu este interesse pelo nutricionismo, pela alimentação saudável?Na altura em que tive de escolher o curso, e como gosto de fazer coisas diferentes, achei que era uma área diferente e com futuro. Achei que o meu contributo nesta área podia fazer a diferença. Ao longo do curso percebi que há uma ligação muito forte entre a alimentação e a saúde e podemos prevenir muitas doenças com a alimentação. Depois de acabar o curso foi fácil arranjar emprego numa área que era pioneira na altura?Foi relativamente fácil. Estagiei no Porto na unidade de transplante renal. Era nutricionista na equipa. Há uma alimentação específica para o doente, há um controlo enorme porque um alimento pode causar a morte a quem está a fazer hemodiálise. Basta comerem determinados minerais, por exemplo. Há um controlo enorme nos líquidos.É uma das áreas onde ainda há mercado de trabalho…Poupava-se muito em termos de saúde se houvesse mais nutricionistas nas escolas, nos centros de saúde…É uma boa cozinheira?Não sei se sou boa, mas gosto muito de cozinhar. Gosto mais de fazer os chamados pratos normais do que sobremesas. Cozinho para a minha família todos os dias. Gosto muito de inventar, experimentar, fazer coisas novas. Muitas receitas do livro são de experiências que faço em casa.A obesidade infantil é um caso de saúde públicaA obesidade é um problema de saúde pública?Neste momento, Portugal, a par de Itália, está nos primeiros lugares em termos de obesidade infantil. Isso tem a ver com mudanças de hábitos alimentares. É o facilitismo dos pais também. É menos exercício e mais playstation. E a tendência em consumir-se alimentos de confecção mais rápida. Quais são as consequências disso?A obesidade é uma doença que infelizmente não anda isolada. Que traz muitas outras doenças, algumas que se vão formando silenciosamente. Muitas das crianças obesas podem ter um enfarte aos vinte e poucos anos. É uma bomba relógio. O Estado parece também não dar o exemplo. Muitas ementas escolares têm muitos erros alimentares…Tem havido um grande esforço nessa área. Tem havido um grande esforço em educar as crianças para a alimentação. Já foi pior. Muitas vezes não se pode controlar é o café e o restaurante ao lado da escola.Há escolas que dão hambúrgueres com batatas fritas às refeições…Uma vez de vez em quando não faz mal. Não é preciso cortar radicalmente. Todos os dias têm é que ter vegetais no prato. Quais são as virtudes e os defeitos da dieta mediterrânica?A dieta mediterrânica tem mais benefícios que prejuízos. Temos uma coisa espectacular que às vezes não sabemos dar valor e que é um leque variado de fruta com sabores agradáveis. Também a variedade de vegetais e sabermos cozinhá-los de muitas formas. Fazemos sopa como não se faz em qualquer outro lado do mundo. A questão é que nos esquecemos de alguns aspectos importantes. Os pratos com alto valor calórico eram antigamente consumidos em dias de festa, em ocasiões especiais. E hoje fazemos isso diariamente o que é um erro. O cozido à portuguesa é um bom prato?Até é um prato saudável. Tem muita variedade, tem vegetais, os alimentos são cozidos. Temos é que ter cuidado com os enchidos e a parte gorda das carnes. Tem que se comer com peso e medida. O sal pode ser considerado uma toxicodependência?Pode! Em Portugal estamos muito ligados ao sal, somos os campeões no seu consumo. As doenças cardiovasculares são a primeira causa de morte e estão ligadas ao sal. Não percebo porque é que o sal continua com um IVA a seis por cento. Devíamos premiar os mais saudáveis em termos de impostos e aumentar naqueles que se deve reduzir o consumo. Não se percebe como é que as manteigas que são desaconselhadas pela Organização Mundial de Saúde estão com um IVA de seis por cento e as margarinas que são saudáveis estão a 13 por cento.A crise pode ser uma oportunidade para os portugueses começarem a comer melhor?Às vezes os alimentos mais simples são os mais saudáveis. Como as leguminosas, que devem ser reabilitadas. Não quer dizer que se coma todos os dias feijoada, mas pode-se introduzir o grão e o feijão na sopa, nas saladas. É uma forma de ingerir proteínas mais baratas que a carne e o peixe. Mas também o arroz ou o pão, que é mais barato que os bolos. Consegue convencer as suas filhas a seguir este tipo de alimentação?Às vezes tenho algumas dificuldades, pois são mais resistentes aos vegetais. Tem algum ódio de estimação em termos alimentares?Os dióspiros. Não os como.Pratica de vez em quando o pecado da gula?Não muito. Não costumo comer muito.Há algum alimento que goste muito?Chocolate. É um alimento simpático que actua a nível do sistema nervoso, é relaxante, dá prazer. É pessoa de andar cem quilómetros para ir comer um petisco a determinado restaurante?Às vezes. Gosto muito de restaurantes que servem vegetais de forma criativa. Há um restaurante perto de Santarém que tem uma salada óptima. Às vezes parece que é quase impossível comer um bife ou um peixe grelhado num restaurante que não esteja cheio de sal. Os restaurantes servem o que as pessoas querem. Se houver tendência para pedir coisas diferentes também há tendência para haver uma mudança nos estabelecimentos. Uma coisa que me irrita é as pastelarias, a maior parte, não terem fruta, ou iogurtes. Vou lanchar e muitas vezes acabo por comer um bolo porque não há alternativa. As pessoas magras também precisam de dietas?Há falsos magros. Muitas vezes uma pessoa magra tem muita massa gorda. Tem pouco músculo e muita massa gorda. O nosso organismo está programado para ser poupador, para guardar. No início havia épocas que havia muita fartura de comida e o organismo armazenava para as épocas em que havia menos. Isso ficou gravado nos nossos genes. As pessoas magras e que comem, comem… pertencem a uma franja da população que não é poupadora. São organismos que estão pouco adaptados para poupar.Uma nutricionista que é também boa cozinheiraHelena Cid, 42 anos, nasceu e foi criada em Santarém, onde estudou até ingressar no ensino superior, na Faculdade de Ciências da Nutrição, no Porto. Actualmente é directora de nutrição na Unilever tendo como missão, em conjunto com cientistas e universidades, fazer com que os alimentos colocados por esse grupo no mercado sejam cada vez mais saudáveis. “Reduzir a carga de açúcar e de gordura e integrar chocolate de melhor qualidade” são alguns dos objectivos em produtos como margarinas ou gelados.A vida profissional de Helena Cid desenvolve-se sobretudo em Lisboa, onde reside, mas passa muitos fins-de-semana com a família em Santarém, onde está a construir uma casa. Casada e com duas filhas, tem também entre as suas atribuições enquanto nutricionista intervir em congressos, dar palestras em escolas, contactar com os consumidores. É também directora do Instituto Becel, da Associação Portuguesa de Nutricionistas e integra a Fundação Portuguesa de Cardiologia.A forma expressiva como se expressa quando fala da sua área de conhecimento revela a paixão pelo que faz. É uma combatente pela alimentação saudável que recentemente apresentou a sua mais recente arma escrevendo um livro, intitulado “Todos para a mesa”. Adepta de uma dieta equilibrada sem fundamentalismos nem restrições, Helena Cid é também uma boa cozinheira partilhando algumas das suas receitas no livro que agora publicou. Receitas onde os legumes e o peixe são dissimulados para mais facilmente serem engolidos pelas crianças. “Tenho constatado a dificuldade dos pais em dar hortaliças e também peixe aos filhos. Foi por aí que senti necessidade de escrever este livro. Quando a criança entra na alimentação da família, por volta dos dois anos, é que começa o descalabro. O livro tem vários capítulos e cem receitas, todas com vegetais ou fruta e muitas com peixe”, explica.A nutricionista alega que a obesidade infantil “é um dos maiores problemas de saúde do nosso século”, movimentando inúmeros profissionais de pediatria e de nutrição em todo o mundo. “Tentar travar este flagelo é, sem dúvida, uma causa social”, afirma Helena Cid, alegando que uma alimentação saudável é um dos melhores seguros de vida que se pode fazer pelos filhos.
Mais Notícias
A carregar...