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O coveiro que quer ser engenheiro agrónomo

O coveiro que quer ser engenheiro agrónomo

Sérgio Neves é dono de uma empresa que trabalha em tudo o que esteja relacionado com funerais.

O empresário faz de tudo um pouco e se o serviço for muito dá uma ajuda a abrir as covas para as sepulturas.

Não gosta do título de “coveiro” porque diz vir associado a todo o tipo de preconceitos. Sérgio Neves, 34 anos, é dono da empresa “Hoje e Sempre”, detentora da marca Jazicampa, trabalhando em tudo o que esteja relacionado com funerais. Afirma gostar do que faz, mas sonha vir ainda um dia a concretizar um sonho antigo, que é o de tornar-se engenheiro agrónomo.Natural de Riachos, Torres Novas, estudou até aos 14 anos e completou apenas a 6ª classe. “Por problemas familiares, senti-me na obrigação de ir trabalhar”. Começou numa empresa de serralharia e mecânica, que faliu passados alguns anos. Empregou-se então na Câmara de Torres Novas como cantoneiro de limpeza. “Depois surgiu uma oportunidade para entrar no mundo dos cemitérios e tornei-me responsável dos cemitérios”. Em 2006 abandona a câmara municipal e em 2007 monta a empresa. “Foi a primeira empresa privada na área dos cemitérios, que fazia tudo o que era o know-how dos cemitérios e temos andado a crescer”. Faz de tudo um pouco, desde construção de campas e jazigos, serviço de coveiro, gestão e construção de cemitérios, limpeza e manutenção, formação de operadores cemiteriais, entre outros. E se no início contava apenas consigo e com mais um funcionário, hoje tem quatro empregados e presta os seus serviços em 25 cemitérios da região.Sérgio Neves reconhece que esta é uma profissão que suscita alguma curiosidade mórbida. É ainda um sector onde não se aceita com facilidade a mudança. Quem chega com ideias novas é encarado com desconfiança. “Temos estado sempre a evoluir, temos uma máquina mas não está ao serviço porque os cemitérios não estão preparados para receber máquinas” e as pessoas estranham se as vêem a trabalhar.Nem sempre é um serviço fácil, por vezes são acusados de coisas que não têm culpa, refere. “É um serviço que é feito dentro da dignidade, mas por vezes estamos tão habituados a trabalhar com aquilo que há certos pormenores que nos escapam”. Por exemplo, mesmo estando tudo limpo, basta deixar um pouco de terra esquecido numa campa. “Isso é o suficiente para levantar logo um alarido. Ainda não está inserido um sistema de qualidade para este tipo de serviços, porque dantes era tudo disperso. Havia agências funerárias, coveiros, os marmoristas e agora englobaram tudo. Está-se a dignificar mais o sector, mas não sei se existe certificação para a empresa”. Do ofício, não gosta da sensação de ter 500 pessoas a olhar para si quando está a enterrar o caixão. “Quando temos excesso de serviço também vou abrir as covas, mas deixo tudo preparado para um funcionário vir fazer o resto do serviço. E não gosto de ser chamado de coveiro, porque ainda está muito associado aos bêbedos”.Há cemitérios que são limpos uma vez por mês, outros duas vezes por semana. “Mas é como tudo, isto é um negócio”. No momento da manutenção vão-se ouvindo todo o tipo de desabafos, desde pessoas a lamentarem-se a outras a comentarem o estado das sepulturas. Há histórias que ficam e que os funcionários da empresa partilham entre si com algum humor. Desde comentários que as famílias fazem sobre os que morreram a outras situações que prefere não revelar. “Lá não me podia rir, mas depois contamos as nossas histórias entre todos”.Sérgio Neves esteve nos bombeiros 11 anos, mas as guerras dentro do quartel fizeram-no desistir da actividade. Chegou a iniciar os estudos à noite, mas também acabou por desistir. Mas não esqueceu ainda o sonho de se tornar engenheiro agrónomo e pensa talvez enveredar pelas novas oportunidades. Inicia o seu dia pelas 06h30 e afirma que muitas vezes o tempo não chega para tudo. O telemóvel está sempre disponível e vai tendo em média um funeral por dia. A ocasião mais complicada de que se recorda foi um dia em que teve cinco funerais. “Até bati com o carro, mas não ficou ninguém por enterrar”. Para o futuro tem vários projectos, é uma pessoa de ideias e dinamismo. Para já, um atelier de campas. Na gaveta está a criação de um cemitério com gestão privada, que funcionasse tipo condomínio, com as campas já devidamente montadas, fornos crematórios, incinerador de resíduos e todo o tipo de condições exigidas por lei, “com preços muito mais baixos que os que se praticam”. “Um cemitério democrático, em que tudo é igual”. Falta encontrar o parceiro certo para essa aventura.
O coveiro que quer ser engenheiro agrónomo

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