O pintor de Alhandra que esperou quarenta anos para se dedicar às telas
Noel Bértholo, reformado das artes gráficas, não está arrependido de ter chegado tarde à pintura
Quarenta anos depois Noel Bértholo voltou às telas. O pintor de Alhandra - descendente de uma família de notáveis artistas - tem 66 anos e está reformado da área das artes gráficas. Dedica agora os tempos livres à arte e não se arrepende de ter espoletado uma paixão numa fase mais madura da vida.
O primeiro quadro que Noel Bértholo, 66 anos, apresenta é o “Meu meio mundo e o outro”. Nos bagos de uma romã cortada ao meio, pintou o rosto de várias figuras: Fernando Pessoa, Amália Rodrigues, Manuel de Oliveira, Paula Rego, Van Gogh, Picasso, Frida Kahlo, Salvador Dali, Picasso e Leonardo Da Vinci. Na outra metade - o seu mundo - estão os amigos e a família. Noel Bértholo não faz grandes estudos antes de ir para a tela: “Tenho uma ideia pré-concebida na cabeça, mas quando me sento para pintar é quase como se estivesse em branco”. Deixa o pincel fluir e quando olha para o resultado final vê que está muito longe do que tinha inicialmente pensado. “Diz-se que qualquer artista tem a influência de alguém. Eu costumo dizer que não tenho influências de ninguém. Não revejo o meu trabalho em outros trabalhos já executados”, explica. Tem o atelier montado na casa do rés-do-chão onde vivia a porteira do prédio onde reside, em Alhandra. “Para pintar é preciso alguma concentração e silêncio. Na minha casa estava sempre a ser interrompido. Mal a porteira saiu deste espaço, não perdi tempo e resolvi logo alugá-lo”, desvenda. Nas paredes já não cabe nem mais um quadro. Muitas telas estão no chão, umas atrás das outras. Em cima de um grande cavalete, que recebeu em troca de um quadro que deu a um amigo, está a tela que o tem ocupado nos últimos tempos. Mesmo ao lado uma paleta que, segundo o artista, precisa de ser limpa para manter a ordem das cores e um conjunto de pincéis. Uma televisão encostada a um canto compõe o refúgio que Noel Bértholo utiliza para criar os seus quadros. Descendente de uma família de notáveis artistas, como Augusto Bértholo, Joaquim Bértholo, João Maria Bértholo Ferreira e René Bértholo, o pintor de Alhandra só recomeçou a pintar depois de se aposentar, já lá vão sete anos. Depois de tirar o curso de pintura na Escola de Artes Decorativas António Arroio, em Lisboa, frequentou ainda o atelier de publicidade de seu tio Augusto Bértholo, com quem veio a desenvolver diversas técnicas e ensinamentos. “Nunca me lembro de na altura pintar a óleo”, confessa. Seguiu-se a interrupção que durou perto de 40 anos. Durante esse tempo trabalhou nas Páginas Amarelas, em Lisboa, como um dos responsáveis no departamento de Artes Gráficas, Sector Criativo. “Já tinha um trabalho ligado às artes na minha profissão e, por isso, ocupava sempre os meus tempos livres com o desporto”, conta. Passou por várias actividades náuticas, em Alhandra, desde a competição em barcos, passando pelo windsurf e terminando no bowling. Depois de se reformar, não começou logo a pintar a maior parte dos quadros que enchem o seu atelier. Os 40 anos de paragem obrigaram-no a começar por pintar aquilo que os seus olhos viam. “Durante dois anos e meio tive de voltar a educar a mão. Socorria-me quase sempre de fotografias para pintar paisagens, acrescentando alguns elementos que vinham da minha imaginação”, conta. Muito amigos dizem que começou tarde e o pintor confessa que se tivesse começado mais cedo não sabia onde poderia estar agora – não é falsa modéstia, conta, mas as opiniões que vai recebendo dos amigos e das exposições que faz comprovam algum valor. Por ano costuma pintar a óleo cerca de 10 quadros. “Sou muito mandrião, gosto de me deitar e levantar tarde”, revela. Trabalha no seu atelier geralmente entre as 15h00 e as 18h00 e regressa à noite para continuar a pintar até à uma da manhã. Já vendeu alguns quadros, embora essa não seja uma grande preocupação. “Nas minhas exposições nunca coloco preço, mas a indicação de colecção privada e por isso mesmo também não vendo muito”, explica. Não está arrependido por ter chegado tarde à pintura. “O nome de um artista consegue-se com exposições e eu ainda não realizei muitas. Mas considero que esta interrupção foi importante para conseguir pintar assim”. Entre 5 de Novembro e 11 de Dezembro Noel Bértholo vai apresentar mais uma exposição de pintura na Galeria de Exposições Augusto Bértholo, em Alhandra. René Bértholo, um conhecido pintor de AlhandraNo atelier de Noel Bértholo está um quadro com o retrato do seu primo, René Bértholo. Em redor do rosto aparecem vários elementos que marcaram a vida do conhecido artista. O coreto de alhandra, a casa onde nasceu, o cais 14, a Torre Eiffel a representar Paris onde viveu durante muitos anos, a casa no Algarve onde vivia com uma alemã são alguns dos elementos presentes. René Bértholo foi um reconhecido pintor português que nasceu em Alhandra em 1935. Fez o curso da Escola de Artes Decorativas António Arroio (1947-51) e frequentou a Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa (1951-1957). Em 1958, instalou-se em Paris e começou a publicar a revista “KWY”, tendo começado a realizar três anos mais tarde os primeiros desenhos e monotipias de acumulação e espalhamento de imagens, associando figuras reconhecíveis e abstractas, “que constituem uma contribuição original no contexto da ‘nova figuração’ que então se afirmava”, de acordo com a Galeria Fernando Santos, que representou o pintor nos últimos 12 anos. Uma das monotipias realizadas em França integrou há cinco anos a exposição retrospectiva “Making Choices”, que o Museu de Arte Moderna de Nova Iorque dedicou ao período 1920-1960 com obras da sua colecção. Regressou a Portugal em 1981, instalando-se no Algarve. Faleceu em 2005, vítima da doença prolongada. A verdade de uma pinturaNoel Bértholo acha que o mais importante num quadro não é a visão de quem o criou, mas a de quem observa. “Tentar descobrir qual foi o pensamento do artista não é importante, o que interessa é saber o que as imagens representam para quem observa. Não é preciso perceber de pintura ou de arte para observar um quadro, basta olhar, tentar apreender os elementos e formar uma opinião positiva ou negativa”, explica o pintor para quem a “verdade sobre determinada obra é complexa”.
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