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O comerciante que casou com a filha do patrão e queria ser jogador de futebol

O comerciante que casou com a filha do patrão e queria ser jogador de futebol

João Santos é responsável por uma das mercearias mais antigas de Vila Franca de Xira

Aos 59 anos João Santos é o responsável de uma das mais antigas mercearias de Vila Franca de Xira. Gostava de ter sido jogador de futebol mas as dificuldades da vida empurraram-no cedo para o mundo do trabalho. Acabaria por casar com a filha do patrão, numa invulgar história de amor contada na semana de São Valentim.

Chegou a Vila Franca de Xira, aprendeu a profissão de merceeiro, venceu na vida e ainda conseguiu casar com a filha do patrão do estabelecimento onde ainda hoje trabalha. João Santos, 59 anos, conta a O MIRANTE uma das histórias mais curiosas daquela que é uma das mercearias mais antigas da cidade na semana em que os namorados assinalaram o dia de São Valentim.“Apaixonei-me pela filha do patrão e ele deixou que as coisas avançassem entre nós. Eu era jovem e naquele tempo a Escola Industrial e Comercial da cidade comprava aqui na mercearia o queijo e o fiambre e eu ia lá entregar essas encomendas. Encontrava-a sempre lá perto da escola e depois à hora de almoço ela vinha aqui almoçar à mercearia. Começámos a falar e as coisas evoluíram. Acabei por ir para o Ultramar já com ela como namorada. O patrão na altura sabia disso, nunca me ameaçou, disse apenas para ter juízo com a sua filha”, conta João com um sorriso.Natural de Cabanas do Chão, freguesia da Abrigada, concelho de Alenquer, João revela que gostava de ter sido jogador de futebol mas as dificuldades da vida empurraram-no cedo para o mercado de trabalho para ajudar a família, que vivia no campo. “Eu nasci quando os meus pais andavam a trabalhar na azeitona em Santarém e depois é que fui baptizado nas Cabanas do Chão, onde vivi toda a minha infância”, revela. Estudou até à quarta classe. Aprendeu a lição de Salazar sobre os caminhos intransitáveis e as novas “estradas que cortam Portugal de lés a lés”. Decorou rios e caminhos-de-ferro. No final das aulas ainda ajudava os pais no campo.“Os meus pais sempre trabalharam no campo a vida toda, na apanha da azeitona, na ceifa, na vindima. Como eu era o filho mais velho, sempre que acabava de fazer os trabalhos da escola ia ter com eles. Ainda cheguei a dar muita ajuda no campo, a carregar água para quem andava a sulfatar as vinhas. E ia sempre a pé, chegava a caminhar bastante, naquele tempo não haviam transportes”, recorda. Os poucos tempos livres eram passados a jogar futebol de salão. Era avançado e é um benfiquista assumido. A dada altura os pais sentiram que Alenquer não estava a ser capaz de garantir o pão e vinho na mesa e mudaram-se para Vila Franca de Xira, para uma zona próxima do bairro da Mata, onde se tornaram caseiros de uma quinta. João aproveitou a boleia para a cidade. “Comecei a ajudá-los a guardar ovelhas e a fazer outros pequenos trabalhos. Um dia disse-lhes que não queria mais estar ali e queria tentar a minha sorte a fazer outra coisa. A minha mãe, que vinha muito ao centro da cidade, disse-me que aqui a mercearia estava a precisar de um jovem. Eu vim logo”, recorda. Os seus primeiros dias foram ocupados a aprender a dosear café avulso para pequenos pacotes com a inscrição “Vítor e Avelino”, nome que ainda hoje tem a mercearia onde João Santos trabalha. No final da jornada de trabalho tinha sempre a obrigação de varrer e limpar o estabelecimento. “Naquele tempo tínhamos uma boa freguesia fora da loja. Eu e outros colegas íamos todos os dias a casa dos fregueses saber o que eles precisavam. Um ia para a zona norte, outro para a zona sul e outros apenas aqui para Vila Franca de Xira. Ainda hoje fazemos isso a algumas pessoas de idade que não podem sair de casa”, refere ao nosso jornal.O seu percurso profissional foi abalado com a convocação para a guerra do Ultramar. Deixou a namorada em Portugal, apresentou-se em Elvas e acabou em São Tomé e Príncipe. “Lá tínhamos uma equipa de futebol de salão e eu fui seleccionado para jogar, nós contra eles. Perdemos 3-1 mas fui eu que marquei o golo”, conta. Entre os produtos de venda avulsa, as caras de bacalhau e o atum barrica João diz que nunca pensou ter outra profissão e sente-se bem com o seu trabalho. “Com todas as exigências que hoje se fazem ao comércio tradicional não creio que iremos ter grande hipótese de sobreviver se as coisas não mudarem. Mas tenho esperança e fé que as coisas se consigam equilibrar”, conclui.
O comerciante que casou com a filha do patrão e queria ser jogador de futebol

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