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Maria do Céu Albuquerque encara as dificuldades como desafios à sua criatividade

“As mulheres em cargos de poder têm que dar mais provas que os homens”

A câmara municipal de Abrantes nunca andou longe. Quando era criança ia lá com o pai que era Encarregado-Geral. Conhece alguns funcionários desse tempo. Mais tarde, na escola secundária, teve como professor de Filosofia o próprio presidente do executivo. Foi a convite dele que aceitou ser vereadora. Agora, depois de eleita com maioria absoluta, quer criar um estilo próprio de gestão.

Vem de uma carreira técnica, adaptou-se bem ao cargo de presidente da câmara?Neste momento acho que já estou por dentro de todo o mecanismo de gestão municipal. É evidente que a minha carreira é técnica, nunca fiz parte de nenhuma juventude partidária. Portanto não tenho esse perfil político. De qualquer modo estive três anos como vereadora o que me permitiu criar condições para poder exercer as funções de presidente de outra maneira. É claro que a responsabilidade enquanto presidente é completamente diferente. O trabalho também é completamente diferente. É um desafio que todos os dias me é colocado. É daquele tipo de autarcas que fazem questão de serem os primeiros a entrar na câmara?Sim. E há alguns colaboradores que também partilham esse horário comigo. Faço questão de chegar cedo. Nós devemos de ser sempre os primeiros a chegar e sair com os últimos. É uma questão de exemplo. Para fazermos um bom trabalho temos que criar as melhores condições não só para darmos o exemplo mas também para mobilizarmos os nossos colaboradores para participarem no projecto que estamos a desenvolver e que depende muito daquilo que é a prestação desses colaboradores. Só quando já era vereadora é que se filiou no PS. Sentiu esta necessidade?Quando visto a camisola visto inteiramente. Nunca tinha militado em qualquer partido, mas a partir do momento em que entrei para um projecto político com o qual me identifico, e que subscrevo as suas bandeiras e os seus valores, não fazia sentido não estar integrada nesta família política. Assim que entrei para o projecto e que consolidei do ponto de vista pessoal esta relação obviamente que tinha que me filiar. Houve alguma pressão partidária nesse sentido?De maneira nenhuma. Foi uma vontade pessoal. Estive fora e estou em Abrantes desde 1995. Fui sempre acompanhando aquilo que era o exercício do poder local aqui no concelho. E fui criando também este gosto pelas matérias sociais e pelos projectos que foram desenvolvidos. Foi o seu antecessor, Nelson Carvalho, que a trouxe para a política. Que relação tem com ele?Ele foi meu professor de Filosofia quando tinha 17 anos e depois deixei de o tratar por professor para o tratar por presidente. Gostei muito de trabalhar com ele e habituei-me a admirá-lo enquanto líder, enquanto decisor e quando me convidou para fazer parte das listas não consegui recusar porque me identificava com o projecto que estava a ser desenvolvido. Quis também dar o meu contributo para a minha cidade, o meu concelho e para o desenvolvimento da minha região.Foi também o seu professor político…Também foi. Quando se trabalha numa equipa coesa temos muito tempo para discutir, conversar, partilhar e isso constituiu também uma aprendizagem que fui fazendo ao longo destes anos.Quando concorreu à presidência nas últimas autárquicas tinha fé que fosse eleita com maioria absoluta?Não posso dizer que esperava porque em política nada é certo mas tinha consciência que dificilmente o PS perderia a câmara. O trabalho que estava feito anteriormente tinha resultados que eram reconhecidos pelas pessoas. Não tinha bem uma noção se seria uma vitória com maioria relativa ou absoluta. Até porque havia seis candidaturas e uma delas era independente que de independente não tinha nada e que vinha de dentro do próprio Partido Socialista. E isso poderia trazer algumas dificuldades. No início fez questão de dizer que queria fazer uma política de proximidade. É uma autarca do diálogo, da interacção? Eu sou assim. Só consigo ser presidente de câmara se puser aquilo que sou ao serviço do projecto autárquico. Hoje temos um conjunto de investimentos em curso mas não temos como prioridade fazer obra física. Cada vez mais o poder local tem que estar próximo das pessoas, tem que ouvi-las e pô-las à frente das suas políticas. O que é que as mulheres têm de diferente para oferecer à política?Em Abrantes sou a primeira mulher presidente de câmara. Aquilo que posso dizer que as mulheres têm para dar é uma dedicação imensa, um esforço imenso para conseguir uma afirmação. Toda a nossa dinâmica é fomentada para essa afirmação porque a sociedade ainda não está preparada para acolher as mulheres nestes cargos como está para os homens. A sociedade ainda olha muito para a mulher na óptica de que tem que estar em casa a cuidar dos filhos, da família. Mas agora tem menos tempo para a família?Coloquei a minha família no centro da decisão de me candidatar. O meu marido e as minhas filhas saíram comigo para a campanha e têm-me apoiado durante este tempo todo. E quanto mais coisas temos para fazer melhor organizamos o nosso tempo. O que é que mudou na sua vida a partir do momento em que foi eleita? Passei a estar muito mais exposta publicamente. Sou o alvo das atenções. Devido a essa exposição pública já ouviu coisas desagradáveis. Não ouço as coisas desagradáveis. Há críticas que ouço e das quais retiro o que tenho que retirar. A crítica desagradável por ser injusta, desonesta e até por faltar ao respeito, ignoro. É eleita numa altura de crise. De que forma é que isso afecta as autarquias?Desde que chego à câmara até que me deito à noite luto para vencer desafios. A situação de crise também afecta o poder local. Mas não posso falar disso como uma dificuldade. Tenho que encarar os problemas como desafios à minha capacidade e à minha criatividade. Os autarcas hoje têm que cada vez mais ser criativos na maneira como gerem os dinheiros públicos e na forma como encontram resposta para as necessidades dos cidadãos. Quais são os projectos que quer apresentar à população neste mandato?Temos dois projectos na área da Educação, a construção de centros escolares e a escola superior de tecnologia, cujas obras esperamos iniciar este trimestre. Estes são os projectos que estão a consumir alguma da nossa energia. Temos já quatro centros escolares em construção em Alferrarede, Bemposta, Rio de Moinhos e Tramagal. A nível cultural temos a criação do Museu Ibérico de Arqueologia e Arte. Mas estamos também empenhados na dinâmica do Tecnopolo. No final dos quatro anos do mandato o que é que quer ter para apresentar aos munícipes? Quero chegar ao fim destes quatro anos, que coincidem com o final do Quadro de Referência Estratégico Nacional e mostrar que Abrantes foi capaz de fazer uma boa gestão financeira e trazer os equipamentos necessários para desenvolver o concelho. A introdução de portagens na Auto-Estrada 23 vai trazer dificuldades a Abrantes e a esta região do Médio Tejo. Sendo uma autarca da mesma cor política da do Governo isso não lhe limita a sua oposição à medida?A nossa função enquanto representantes dos nossos cidadãos é defender aquilo que é melhor para eles e neste caso todos temos percepção que a inclusão de portagens na A23 pode causar problemas ao desenvolvimento da nossa região e do nosso concelho. Vamos trabalhar esta matéria alargada aos municípios do Médio Tejo de modo a encontrarmos a melhor forma de não prejudicarmos as nossas populações. Como se sente como militante do partido do Governo que decidiu introduzir as portagens? Há situações que temos que distinguir. Apoiarei o Governo, mas não posso abdicar daquilo que legitimou a minha eleição. Fui votada pela população de Abrantes que me deu a maioria absoluta para defender os seus interesses. É isso que farei sempre. Uma mulher que gosta de olhar para a frenteMaria do Céu Albuquerque nasceu em Casais Revelhos, na freguesia de Alferrarede, concelho de Abrantes, há 40 anos. Casada e mãe de duas filhas, com 12 e 13 anos, nunca sonhou em ser presidente de câmara apesar de durante a juventude passar muitos dias na autarquia, onde ia ter com o pai que era encarregado geral de obras. Conhece todos os funcionários mais antigos da autarquia que gere agora desde Outubro de 2009. É a primeira mulher a assumir o cargo no concelho. Agora que é presidente de câmara gosta de ouvir as opiniões e os conselhos do pai na gestão autárquica aproveitando os 35 anos de experiência que ele teve. A autarca lembra que costumava ir com o pai ver as obras municipais ao fim-de-semana porque ele não tinha tempo para acompanhar todos os trabalhos durante a semana. E até gostava do programa ao ponto de ter chegado a ponderar ir para engenharia civil. Mas acabou por optar por se licenciar em Bioquímica pela Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra. Esteve durante vários anos afastada de Abrantes. Quando esteve a estudar e após acabar o curso quando exerceu funções de investigadora durante dois anos, entre 1993 e 1995, na universidade. Abdicou da carreira como investigadora para acompanhar o marido que queria montar o seu consultório de médico dentista em Abrantes, mas também porque queria ser mãe. De todas as opções que tomou na vida diz que não pode falar em perdas e que é uma mulher que tira o melhor de cada situação e que gosta de olhar para a frente. Em Abrantes, o trabalho de Maria do Céu Albuquerque começou a dar nas vistas quando abraçou o projecto de pôr de pé um laboratório a nível regional de controlo de qualidade, a partir do Labgat, que era um pequeno laboratório que existia no GAT (Gabinete de Apoio Técnico) de Abrantes, onde já trabalhava. Conseguiu o sonho de criar o A.Logos, que é um equipamento de referência regional e até já nacional. E foi em parte devido a este empenhamento que chega a vereadora da Câmara de Abrantes no mandato passado. Costuma dizer que o seu maior hobbie é o trabalho. Adepta da organização quer da vida profissional quer familiar, há uma coisa que não tolera que é a falta de respeito. É uma mulher todo-o-terreno. Tanto gosta de trabalho de gabinete, de planeamento estratégico, como de andar no terreno, nas obras de capacete e botas biqueira de aço. Não abdica dos dias de férias porque quem se esforça merece uns dias para descansar e no tempo livre que vai tendo gosta de viajar e de ler. Prefere livros de autores latino-americanos, como Gabriel Garcia Marques ou Mário Vargas Llosa, apesar de confessar que gosta de ler de tudo um pouco. Tem como um dos lemas de vida fazer imediatamente o que puder para ajudar outro ser humano, nem que seja com uma amabilidade. Mas não é de dar esmolas. Prefere dar a cana e ensinar a pescar porque a esmola normalmente não resolve os problemas. A autarca confessa entre risos que desde que é presidente do município que tem tido mais cuidado com a imagem, sobretudo quando sabe que está em situação de maior exposição pública. Porque os cidadãos também querem que o município esteja representado por alguém que de aspecto possa elevar o concelho. Gosta de cozinhar. Se pudesse só comia petiscos. Um filme que a marcou “profundamente” foi a “Lista de Schindler”, de Steven Spielberg. Na música, gosta do jazz à clássica, passando pelo fado ou pela ópera. Costuma quando pode fazer canoagem no Tejo com o marido e de vez em quando vai ao ginásio. Ao fim-de-semana há uma coisa que se puder não deixa de fazer e que chama de fazer “fotossíntese”, que é sentar-se numa esplanada do centro histórico a apanhar sol, a ler o jornal e a conversar com as pessoas. A autarca é uma adepta das novas tecnologias. Costuma andar com um Ipad na mão e é utilizadora do Facebook onde já tem mais de mil amigos. Tem um pedido especial por cumprir e que veio das filhas. O primeiro pedido que elas lhe fizeram quando foi eleita foi que Maria do Céu Albuquerque trouxesse um McDonalds para Abrantes. Ainda não conseguiu satisfazer o desejo das filhas, mas está a tentar.

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