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Um casal que vive da arte e para a arte

Um casal que vive da arte e para a arte

Adriano Jorge e Amélia Prazeres trilharam caminhos diferentes e acabaram por se fixar em Boleiros

Viver da arte não é fácil, ainda para mais na província, não é fácil. Mas é possível. Adriano e Amélia provam-no todos os dias. Ele esculpe. Ela pinta e trabalha em azulejos. A pequenez do meio rural onde vivem é atrofiadora para quem já correu mundo mas acaba por ser atenuada pelo amor à arte.

Ele é escultor, ela pinta e trabalha em mosaico. Os próprios reconhecem que não é normal um casal dedicar-se em exclusividade à arte, ainda mais numa zona sem grandes tradições artísticas como Fátima. Adriano Jorge e Amélia Prazeres, ambos com 50 anos, são casados e vivem em Boleiros, freguesia de Fátima, Ourém. Ele descobriu a arte por acaso, em França. Ela deixou Fátima após a maioridade e partiu para o mundo em busca de conhecimentos que naquele tempo não eram bem vistos a uma jovem. Estabeleceram-se no concelho de Ourém e afirmam trabalhar mais pela paixão pela arte do que pela ambição de chegarem mais longe no panorama artístico nacional.A casa onde vivem é um pequeno museu no meio do campo, recheado das mais originais esculturas. O espaço, ter uma casa ampla, comenta Amélia Prazeres, é essencial para se fazer um bom trabalho, razão pela qual não se vê a tentar a sorte em Lisboa. O marido partilha as suas afirmações. São conhecidos como o casal de artistas de Boleiros, sendo com frequência requisitados quando se prepara na zona algum evento cultural.As histórias de vida divergem no espaço. Ambos passaram pelo estrangeiro, vindo encontrar-se em Portugal. Adriano Jorge nasceu em Mira d’Aire, concelho de Porto de Mós, distrito de Leiria, mas ainda criança emigrou para França com os pais. Regressou a Portugal com 15 anos, onde começou a aprender o ofício de carpinteiro. Anos mais tarde, desencantado com as perspectivas na terra natal, tornou a partir para França, onde conhece o mestre Serge Petit, escultor que o introduziu no mundo da escultura. Nunca mais parou.Amélia Prazeres viveu toda a vida em Boleiros e afirma que a paixão pelo desenho surgiu de pequena, nos primeiros desenhos de escola. A ânsia de conhecer levou-a a partir “em busca da sabedoria” após atingir a maioridade. Passou por vários lugares, acabando por regressar à terra que a viu nascer. “Isto aqui era muito pequenino para mim e continua a ser pequenino. Quando regressei cá após andar pelo mundo, pensei que isto também tivesse evoluído. Vinha na ideia de arrancar com um grupo de teatro, projectos a nível da arte, e comecei a apanhar decepções. Isto estava pior do que quando daqui saí”, recorda. Trabalhos religiosos ajudam a equilibrar as contasJá expuseram um pouco por todo o país e as obras que produzem estão espalhadas pela região e mesmo no estrangeiro. Actualmente, comentam que muitas vezes se trabalha pela sobrevivência, para sustentar a família, pois em Portugal ainda não existe a mesma visão da arte que em países como França, onde essa sensibilização é incutida logo na escola. Na região de Fátima, predominam as encomendas de carácter religioso e arte sacra. “Isto aqui na zona de Fátima está um pouco parado ao nível da escultura e das artes. Ainda há pouco formaram um grupo de artistas, depois de várias tentativas. Houve um pequeno impulso, há cerca de 10 anos, da parte da câmara municipal, mas depois parou. Esta zona de Fátima é sobretudo trabalho religioso e eu muitas vezes sou obrigado, para subsistir, a fazer trabalhos religiosos”, diz Adriano Jorge.Apesar de não terem grandes perspectivas não ponderam abandonar Fátima. “Há pessoas que pensam mais no lado monetário que no amor à arte. Se fossemos desse tipo, sentíamo-nos muito mal nesta zona. Não é um trabalho que a gente ao fim do dia fique chateada com o que fizemos, é um trabalho que nos dá gozo e vamos tentar amanhã dar mais uns retoques”, reflecte Amélia Prazeres. “Quando estou a acabar de fazer um trabalho já estou com ideias de fazer outro a seguir. Isto dá luta”.“O artista pensa na sua arte e na dedicação à cultura e à arte”, refere ainda Amélia Prazeres. “Encontrar pessoas assim em Fátima é muito difícil. Para encontrarmos pessoas a pensar dessa forma temos que ir para a zona do Ribatejo. Em Fátima fica-se muito pelo desejo de fazer. A AFAC – Associação Fátima Cultural é uma daquelas associações que pensa e faz, mas é uma associação cultural.”. Afirmam-se pouco ambiciosos mas Amélia Prazeres colecciona projectos atrás de projectos e refere faltar-lhe tempo para os concretizar. Adriano Jorge declara sentir que atingiu o seu “nível em vários aspectos, pois os tempos são um bocado difíceis para a escultura em Portugal”.Trabalham em conjunto e apoiam-se. Alguns jovens já pediram a Adriano Jorge para ser seu mestre na escultura, mas falta o tempo. O casal de Boleiros refere que, apesar de tudo, vão hoje aparecendo cada vez mais interessados nas artes e há trabalhos muito bons e artistas a serem dados a conhecer no concelho.
Um casal que vive da arte e para a arte

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