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Das pistas de motocross para a política

Das pistas de motocross para a política

Vice-presidente da Câmara de Salvaterra de Magos, César Peixe, foi nome grande do motocross nacional

César Peixe assume-se como um homem avesso a protagonismos mas já foi figura de proa durante alguns anos como campeão nacional de motocross. Retirado das pistas há uma década, continua a viver o frenesim da actividade agora acompanhando um dos filhos. O engenheiro mecânico natural de Glória do Ribatejo trabalhava no Gana quando foi convidado para integrar a lista do BE à Câmara Municipal de Salvaterra de Magos. Aceitou e estreou-se no mundo da política com o objectivo de servir bem a população do concelho.

Há 20 anos acelerava no motocross. Agora ajuda a gerir os destinos da Câmara de Salvaterra de Magos. Qual é a actividade mais desgastante?São actividades diferentes mas muito parecidas ao nível da exigência. É preciso tempo, dedicação e esforço. No desporto eu respondia por mim mesmo. Na competição os resultados que obtinha eram apenas para mim. Não dependia dos outros. Na câmara estamos a gerir bens públicos e tenho noção que é um trabalho de muita responsabilidade. Pessoalmente, quero fazer o melhor que posso e sei. Tenho consciência que estou aqui para zelar pelo bem dos munícipes, tenho que os defender e tenho que gerir da melhor maneira. É uma actividade também deveras desgastante porque temos que ter muita dedicação e fazer sempre a melhor opção para o município.A política dá-lhe tanto prazer como o motocross?São coisas diferentes. Dá-me prazer quando vejo que tomo a melhor opção e que estou a servir bem a população. Quando conseguimos solucionar os problemas da população dá-me bastante prazer.Perante um problema acelera a fundo ou estuda o melhor caminho para o solucionar, mesmo que demore mais tempo?Normalmente não faço as coisas de ânimo leve. Antes de tomar uma decisão tento sempre obter a maior informação possível para ser o mais justo possível e escolher o caminho mais correcto. Se não tivermos a informação toda pensamos que estamos a escolher o caminho mais correcto e mais justo e às vezes pode não ser assim.Nas pistas também era assim?Em competição sempre fui um piloto ponderado. Há alturas em que temos que arriscar mas normalmente media o risco. Analisava a pista ao pormenor. Era calculista.O piloto depende muito da máquina?Sim. O motocross é um desporto dos mais completos porque é muito técnico a nível mecânico e de ultrapassagem de obstáculos que estão na pista. Temos que ter técnica para os contornarmos depressa e bem. Além disso, é um desporto em que o piloto tem que estar muito bem fisicamente, senão não aguenta mais do que duas voltas.Já o autarca depende muito dos técnicos.Também. Dependemos dos técnicos porque temos que ter informação correcta que eles nos fornecem para podermos decidir da melhor maneira.Quando essa informação não o deixa convencido, confia nos técnicos?Normalmente falamos sobre o assunto para esclarecermos dúvidas que tenha, para tentarmos chegar a uma conclusão que seja a melhor solução para o problema em questão. Mas confio nos técnicos.O seu nome ficou na história do motocross nacional. Gostava que o mesmo acontecesse na política?A ficar, espero que seja para o bem (risos). Quero que a população me veja como uma pessoa séria e que fez o melhor que pode e soube e que me vejam como parte da solução. Não estou preocupado em construir um nome sonante na política ou ter protagonismo. O que me trouxe à política não foi a procura de protagonismo. Abracei este projecto no sentido de ajudar este concelho a desenvolver-se e ajudar as pessoas fazendo o melhor pelo concelho.Sendo o número dois do município, e sabendo que a actual presidente não se pode recandidatar em 2013, é natural que as pessoas comecem a olhar para si como o sucessor.Ainda não pensei nisso. É muito prematuro estar a falar nisso quando ainda faltam dois anos para as próximas eleições autárquicas.Mas é natural que se faça essa análise.Poderão fazer essa análise mas candidatei-me a vereador, não a presidente. Tenho que me concentrar é neste mandato, em fazer o melhor trabalho possível. Para já não estou preocupado com as próximas eleições. Não penso nisso.O que é que lhe custou mais a habituar-se quando ingressou na actividade autárquica?Há algumas coisas que têm burocracia a mais mas existem regras que temos que respeitar e procedimentos que têm que ser levados até ao final. Trabalhei no sector privado e há situações em que é tudo mais prático. É tudo mais rápido. Aqui, como são dinheiros públicos entendo que tenha que haver uma série de procedimentos de modo a que seja tudo feito de forma correcta e legal e que não haja atropelos.Gerir sem dinheiro é complicado?Há um velho ditado que diz que “em casa que não há pão todos ralham e ninguém tem razão”. Quanto menores são as receitas mais difícil é gerir. As autarquias têm imensas competências e com menos dinheiro é complicado desempenhar as nossas competências na totalidade. Se o dinheiro não dá para tudo não podemos realizar tudo o que queríamos e tínhamos previsto fazer. Infelizmente é assim.“Não estou à procura de protagonismo”É a sua primeira experiência na política. Como surgiu esta oportunidade?Na altura em que vim a Portugal de férias tive um convite da senhora presidente para o projecto autárquico. Já a conhecia, embora não intimamente. Quando corria no motocross ela chegou a entregar-me alguns troféus em corridas realizadas no concelho (risos). Quando a senhora presidente me convidou nunca tinha pensado envolver-me na política e pedi-lhe algum tempo para pensar. Gosto de ponderar e analisar bem as coisas antes de dar uma resposta. Era um assunto que não podia ser decidido de ânimo leve.Durante este ano e meio como vice-presidente da autarquia já se arrependeu de ter aceite o convite da presidente?Não, não me arrependi. Há momentos bons e menos bons como em todo o lado. Por onde passei sempre foi assim. Não estou arrependido e quero levar este projecto até ao fim.Já tinha alguma afinidade ideológica com o Bloco de Esquerda (BE)?Quero frisar que sou, sempre fui e tenciono ser sempre independente. Acho que o BE tem muitas coisas boas e o que me levou a participar e aceitar integrar este projecto foi o facto da senhora presidente me ter feito o convite. Sabia que ela já tinha realizado trabalho no concelho e aceitei continuar o projecto que já havia sido iniciado. O BE tem algumas ideias que me agradam e em que me revejo.O que pensa do partido que representa ser critico em relação às corridas de toiros que estão tão implementadas aqui no Ribatejo?É uma opinião do BE. Nasci no concelho, sou ribatejano, por isso a mim não me incomodam as corridas de toiros.É aficionado?Não sou aficionado mas gosto de corridas de toiros. É uma tradição a que fui habituado desde pequeno e por isso não me incomoda. Durante as reuniões de câmara percebe-se que não procura o confronto político. Considera-se um outsider?Penso que estamos aqui para tentar solucionar e resolver os problemas procurando o que é melhor para o concelho. Agora se sou eu ou outro a ter a ideia para a resolução desses mesmos problemas, isso para mim não faz sentido. Acho que é preferível aproveitar as boas ideias e colocá-las em prática do que estar a dizer quem é o responsável pela ideia. Como disse anteriormente, não estou à procura de protagonismo.É um homem mais de terreno?Sou. Actualmente não me considero político e acho que, muitas vezes, se procura muito o confronto político para obter protagonismo e eu não estou interessado nisso. Quero encontrar a solução que seja a mais equilibrada para todos. Muitas vezes não podemos agradar a gregos e troianos e temos que encontrar um compromisso que satisfaça a todos.O problema das estradas alagadas e cortadas ao trânsito é recorrente no concelho de Salvaterra de Magos. Qual é a principal causa do problema?Tem que haver uma boa drenagem das águas da chuva e as valas têm que estar limpas e desobstruídas, o que nem sempre acontece. Essa é uma responsabilidade que não é só do município, porque as linhas de água passam por terrenos particulares. As pessoas têm que cuidar delas e têm que ter consciência que não as podem obstruir e muitas vezes até querer tapar. Claro que uma linha de água limita um pouco a mobilidade dentro do terreno mas têm que procurar deixar a linha de água desimpedida porque depois causa incómodos a muita gente.Na Glória começou na Glória acabouDesde criança que César Peixe, 40 anos, se habituou a lidar com veículos de duas rodas. O pai, Roberto Peixe, tinha uma oficina de bicicletas e motorizadas na Glória do Ribatejo e era praticante de ciclismo e de motocross. Foi portanto sem grande surpresa que o pequeno César começou a lidar com o mundo das motas. Quando descobriu que também havia corridas para miúdos, encheu-se de coragem e pediu ao pai para participar. Tinha 11 anos quando começou e só deixou a competição em 2002. Em 1984 ganhou o primeiro campeonato como iniciado, numa motorizada de 50 centímetros cúbicos (cc) de cilindrada.A partir daí somaram-se os êxitos. Eis alguns. Em 1986 foi campeão de juniores de motocross em 80 e 125cc. Em 1990 venceu o campeonato de Supercross sub-21, em 92 foi campeão absoluto de Supercross e em 1993 leva para casa três títulos nacionais, 125 cc, 250 cc e Supercross. Pelo meio perdeu alguns títulos por um ponto. Participou, representando as cores de Portugal, no Motocross das Nações em 1999 (Brasil) e 2000 (França). Em 2001 estava seleccionado novamente mas uma lesão impediu-o de dar o seu contributo. Deixou a competição em 2002, numa altura em que os patrocínios começaram a escassear e em que o tempo disponível para treinar era menor devido à actividade profissional. “Senti que não valia a pena o esforço que estava a fazer. O dia em que decidi abandonar o motocross deve ter sido o mais triste da minha vida, com excepção da perda de amigos e familiares”. Nesse dia até chorou. A última corrida que fez foi em Julho de 2002, na Glória do Ribatejo, a terra que o vira nascer para a modalidade vinte anos antes e onde ainda hoje é uma referência.Até aí a sua paixão eram as corridas e teve consciência que ia começar uma nova etapa da vida, onde tinha de pôr a render os ensinamentos aprendidos no curso de Engenharia Mecânica começado em Coimbra e acabado em Lisboa em 1989.Do Gana para a Câmara de SalvaterraCésar Peixe é um homem simples, que não gosta de protagonismo, apesar de ter andado na ribalta do desporto na década de 90 e de hoje ocupar um cargo político que lhe confere alguma exposição. A política é um terreno novo que vai pisando com algumas cautelas. Quando a conversa guina para essa área, nota-se que fica menos confortável. É a falar de motas e de motocross que se sente como peixe na água.Estava em África, a trabalhar para uma empresa portuguesa como responsável pela oficina mecânica do parque de máquinas, quando recebeu o convite da presidente da Câmara de Salvaterra de Magos para integrar a lista do Bloco de Esquerda às autárquicas de 2009. Ponderou bem e decidiu aceitar, deixando o Gana, onde estava desde 2007 numa empreitada de reconstrução de uma estrada com 75 km.“O tempo dirá se foi uma boa decisão”, diz César Peixe, revelando que tinha um contrato a termo com a empresa, que entretanto expirou. O trabalho que estava a fazer no Gana agradava-lhe: garantir a reparação de avarias da maquinaria, para que esses problemas não pusessem em causa o bom andamento da empreitada e o cumprimento dos prazos. “O mais difícil foi estar afastado da família”, conta.Filho de Peixe sabe nadarO motocross foi a sua vida durante muitos anos, seis dele como profissional entre 1990 e 1996, e foi no “circo” da modalidade, com provas em vários pontos do país, que conheceu a mulher, natural do Porto, com quem se casou aos 20 anos e com quem teve três filhos, uma rapariga e dois rapazes. O filho do meio, Sandro, com 15 anos, também já compete no motocross, actualmente nos campeonatos nacionais de juniores e MX2, seguindo as pisadas do pai, de um tio e dos avós. Sim, porque tanto o avô paterno como o avô materno também foram praticantes. O avô materno, Abílio Fernando, foi o primeiro campeão nacional de motocross, em 1970. Foi campeão cinco vezes. O pai de César e avô de Sandro, Roberto Peixe, além das motas foi também ciclista e chegou a participar na Volta a Portugal em bicicleta. “Foi melhor ciclista que piloto de motocross”, diz o filho com humor. Hoje, César Peixe passa grande parte dos seus poucos tempos livres a acompanhar o filho nas provas, reeditando uma saga de família que já vai na terceira geração e que lhe deixou marcas no corpo, na sequência das quedas em que a modalidade é pródiga. Omoplata, clavícula, úmero, costelas, rádio são alguns dos ossos que partiu. Antes, em criança, já tinha partido um braço num parque infantil.
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